Arquivo da categoria: roteiro

Os segredos de Tezuka

Yo!

Breve nota: A NHK lancou um DVD sobre Osamu Tezuka, o deus.

O DVD mostra os tres dias em que um reporter da NHK entrou no apartamento que Tezuka trabalhava e gravou, alem de uma enorme entrevista, momentos pessoais do maior nome do manga. Pra ter uma ideia de como esse video eh raro, nem os assistentes de Tezuka podiam entrar nesse apartamento, e quando ele deixava alguem entrar, nao conseguia trabalhar o resto do dia inteiro.

Na entrevista, ele fala sobre seus problemas durante o periodo em que nao conseguia publicar, sobre o futuro, sobre seu desenho e sobre ideias. Eh quando ele solta a frase “ideias, eu tenho pra fazer ateh uma liquidacao. O problema eh se eu vou poder desenhar tudo”. Temos tambem cenas que provam certas lendas sobre ele, como a de que ele trabalhava comendo em cima das paginas, de que ele plantava bananeira quando dava algum branco…

Claro, alem disso, temos cenas dele trabalhando, o que eh muito importante pra quem gosta de manga.

NHK Tokushu -Tezuka Osamu – Sousaku no Himitsu (O segredo de Producao) 4935yen

Historias marcantes

Yo!

Esses dias, eu tava esperando o banco abrir e fui numa livraria, procurar alguma coisa pra ler. Aqui, algumas livrarias fazem cartazes por conta propria pra vender livros que os donos recomendam. E foi muito legal ver um enorme cartaz, feito a mao, com imagens muito mal imprimidas em jato de tinta e recortadas, recomendando uma edicao de Doraemon.

Talvez voce, leitor, nao conheca ou nunca tenha se interessado por Doraemon, maior criacao de Fujiko F Fujiyo, nome de um dos artistas que assinavam como Fujiko Fujiyo. Mas no Japao, Doraemon eh um fenomeno, tradicional como o Mickey no ocidente. E nao por acaso.

A linha de historia de Doraemon eh bem simples. Nobita, que no futuro serah um grande inventor, se mete em enrascadas e usa a ajuda de Doraemon, um robo que sua versao futuristica mandou pra ajuda-lo. Pra isso, o robo-gato (auto-proclamado) usa invencoes tiradas de seu bolso magico.

No basico, eh isso. Mas vez ou outra, temos otimas historias, daquelas que ficam pro resto da vida em nossas memorias. Essa edicao que eu encontrei tem duas delas.

Sabe, eu sempre tive aversao por revistas que usam imagens de anime. Eh uma desgraca. Mas pela historia, valeu. E a montagem tambem nao estah ruim.

As historias em questao sao “A noite antes do casamento de Nobita” e “Lembrancas de minha avoh”. Sao duas historias classicas de Doraemon, tanto eh que nem foram adaptadas pro anime televisivo. Viraram longa metragem.

Em “A noite antes do casamento de Nobita” vemos os personagens jah crescidos, alguns dias antes do casamento de Nobita. A historia toda roda em torno da noiva, Shizuka, paixao do protagonista desde a infancia. Nobita duvida que ela possa realmente se casar com ele e vai pro futuro tirar a prova. Dai, vemos o motivo dela gostar de Nobita e na noite anterior ao casamento, ela conversa com seu pai, quase desistindo de casar. Uma simples historia que nao tem nenhum impacto, nem ao menos podemos dizer spoiler de tao obvia que eh a historia. Mas eh tao agradavel de ler, de ver, que ela sobra na cabeca.

Mas a cereja do bolo eh a historia em que Nobita vai rever sua avoh falecida. Pra ter uma ideia, essa historia figura entre as vinte historias mais lembradas dos animes japoneses.

Nessa historia, Nobita reencontra um antigo ursinho de pelucia, todo costurado, e relembra de sua avoh, que sempre cuidou dele quando ele era pequeno. Ele entao pede a Doraemon pra rever ela soh mais uma vez. Eles voltam ao passado, com a condicao de nao mexerem em nada.

A historia eh de cortar o coracao. A avoh de Nobita eh aquela tipica vovoh boazinha, que mima o neto e faz de tudo pra deixar ele feliz. E Nobita eh o tipico moleque mimado, faz birra, chora, e fala coisas duras pra avoh. O Nobita do presente chega a sentir odio de si mesmo por tratar tao mal a avoh que tanto se esforca pra fazer todas as vontades dele.

No final, Nobita acaba realizando o sonho de sua avoh, de ver ele ir pra escola. Ela faleceu antes dele ter idade pra isso, entao, o Nobita do presente eh quem veste a mochila.

Juntar essas duas historias em uma edicao eh quase covardia. Senti ateh vontade de procurar o DVD!

Essas historias eh que me fazem, as vezes, ver como estah tao dificil ver boas historias simples, que nao precisem de nenhuma grande reviravolta, nem nenhuma apelacao. Historias humanas, simples e que movimente desde as criancas, ateh os adultos.

O fim de Beck

OfimdeBeck

Yo!

Essa semana saiu o último volume de BECK, um dos meus must read. Comprei meio por impulso quando vi na loja de conveniência, esquecendo que saiu uma versão com a camiseta que o Koyuki usa no ultimo Greatful Sound. Vou ter que comprar mais dois volumes 34 de BECK…

Bem, mas o que eu queria no final das contas era falar sobre o poder narrativo de BECK. Afinal, quem nesse mundo iria se arriscar em fazer um manga sobre música onde não se escuta nada? Alias, vendo entre os detratores do manga, a maioria costuma trazer essa questão. Como um manga sobre rock pode ficar bom sem som?

E realmente, no começo  BECK não tem a técnica pra preencher esse espaço  Quem aqui leu o começo ou assistiu o anime, sabe que a historia quase não se apoia em seu lado musical, sendo uma especie de romance colegial com um background musical. E ele é bem competente nesse lado, ainda mais se pensarmos que o autor, Harold Sakuishi, vinha de dois mangas completamente diferentes.

Mais ou menos onde acaba o anime, começa uma nova fase de BECK, onde praticamente toda a trama pessoal dos personagens acaba ou é jogada em segundo plano pra que a historia se volte completamente para a banda e a carreira musical. É a partir desse ponto que vemos uma evolução grande no autor, na narrativa, na forma de colocar som em páginas mudas.

Em 20th Century Boys, Naoki Urasawa faz uma passagem onde Kenji canta uma musica. Essa musica é importantíssima pra trama, então  Urasawa teve a ideia de escrever a música e fazer a melodia, jogando nos quadros. Ele, nas horas vagas, tem uma banda de prog-rock, o que ajudou muito. É uma ideia…

Mas Harold Sakuishi nunca jogou nenhuma melodia em BECK. E todos que leram puderam sentir a música, inclusive perceber quando é uma balada e quando é uma musica mais agitada, quando a bateria explode, quando entra o solo de guitarra, tudo, só de acompanhar a leitura. E sem uma palavra, ninguém fala nada, nenhuma narrativa, às vezes, nem onomatopeias, só imagens. Isso é o que qualquer mangá com música busca, contar com imagens até mesmo o som.

Em uma passagem desse ultimo numero, logo no começo  temos uma sequencia que explora perfeitamente isso. Um quadro mostrando o vento forte soprando as árvores. As lojinhas sofrendo com a tempestade, e depois, um quadro mostrando o palco principal do Greatful Sound, com algum som entrando bem baixo, em onomatopeias discretas. O público vibra e o som parece aumentar. Em contraluz, Chiba aparece pulando, todo contraído  com o pessoal de fundo, fechando a página antes da virada. E ao abrir a seguinte, a gente dá de cara com um quadro em que Chiba se estica e começa a cantar. A página não tem um balão  até as onomatopeias somem. Mas dá pra sentir a explosão da música, o público gritando. O som corre as páginas como corre no ar, sem onomatopeias, sem imagem. Atravessa os olhos como atravessa os ouvidos, chegando dentro de nós.

Depois de BECK, muitos mangás com musica se deram bem de uma forma ou de outra. Porém, todos usam algum artificio para burlar os momentos musicais, emudecendo cenas onde deveria ter som. Não vou negar os méritos narrativos de Nana, Nodame Cantabile, Detroit Metal City e outros, eles são competentes, mas só usam a música como background. BECK ultrapassou esse limite, com dificuldade, em longos capítulos, mas esse último volume mostra o quanto Harold Sakuishi aprendeu a usar o som mudo de suas páginas. Quem iria fechar seu manga de maior sucesso com musica muda?

Comparando esses mangas que eu citei com BECK, a diferença se torna gritante no momento em que BECK perde os limites do shonen manga comum para ser o primeiro manga de música, de verdade. Como eu disse no final da minha auto-avaliação de TRUCO!, uma historia pode ser de qualquer coisa, mas sua essência é algo completamente à parte do assunto. Em Nana, temos como principal tema, a amizade e o relacionamento dos personagens. E isso é muito bem frisado e, claro, bem realizado. O background musical nunca sai do fundo, nem ao menos temos momentos musicais, paginas só de gente tocando. Nem ao menos sabemos que tipo de música as bandas de Nana tocam, tanto é que cada adaptação que Nana já teve tem um ritmo diferente, um tom diferente. Eu também leio Nana religiosamente, mas por outros motivos. Não pela música, mas pela aula de tratamento de personagens.

Nodame corre pelo mesmo caminho. Temos momentos onde até podemos ouvir a música, mas é porque a música clássica é quase natural, é fácil jogar som na imaginação de gente que já sabe como é o som. Fora isso, assim como Nana, Nodame Cantabile trata da relação dos personagens, como pede a cartilha dos mangas femininos. Sinceramente, lendo Nodame Cantabile, eu cansei. Gosto das piadas e o ritmo é bom, mas parece não levar a lugar nenhum. O anime empolga mais e as piadas de som ficam muito mais claras. Gosto da equipe que fez o anime, o mesmo de Hachimitsu to Clover. O desenho é simples, a animação é cuidadosa e o ritmo da direção é bom, não pesa, mas não deixa a peteca cair. Se pegasse historias com mais ação, não sei se funcionaria do mesmo jeito, mas neste tipo de história, é perfeito.

Detroit metal City… Bem, eu não gosto tanto. É engraçado às vezes, a ideia é perfeitamente idiota, como pede, mas não entendo… Até onde eu li, não sei bem o que pode salvar a historia de não cair na vala comum dos gag manga. Fiquei curioso por causa do hype em cima do manga, gente comentando na TV, altas recomendações em revistas… Talvez tenha pegado em algum ponto fraco do meu gosto, sei lá… Mas até filme isso virou, e com o Matsuken, o atual ídolo-maior-otaku-dos-cinemas, o cara que fez o L, do Death Note. E parece que o filme vai bem…

BECK se provou pra mim como não só um manga muito divertido sobre rock independente, mas como uma nova proposta de narrativa, um caminho novo pros mangas. Aguardo ansioso o próximo trabalho de Harold Sakuishi e espero poder falar bem. O cara eh talentoso!

Pra fechar, os meus atuais must read, depois do fim de Beck:

One Piece – Criativo, ritmo perfeito, engraçado e mesmo depois de mais de dez anos, não parece precisar de um fim.

Hunter x Hunter – Aula de manga, narrativa, criatividade, roteiro imprevisível,  inteligente. E completamente feito sem assistentes, só umas vezes que a mulher do Togashi, a Naoko Takeuchi, ajuda ele.

Zetman – Porque sou fan do Masakazu Katsura. E tenho motivos, ele tá ótimo, em todos os sentidos. Zetman não é pop, mas é bom sim! Ajudaria se tivesse menos texto e mais história.

Pluto – O último trabalho restante de Naoki Urasawa, meu mestre espiritual dos quadrinhos. A filosofia dele pros quadrinhos é perfeita, ser popular sem deixar de ser inteligente e tecnicamente ousado.

Worst – Continuação não continuada de Crows, que virou filme recentemente. Na verdade, só usa o mesmo cenário e alguns personagens. Engraçado como um manga sem linha de historia, sem destino e completamente sem sentido pode ser tao interessante.

Tiro Nana que caiu muito ultimamente, Eyeshield 21 tá acabando e Besharigurashi ainda tá mais ou menos…

>Avaliando TRUCO!, parte 5 e final!

>

Yo!

Pag8Pag9 

Finalmente, o derradeiro capítulo da minha auto-avaliação!

Em japonês, podemos chamar isso de “ochi”. Vem do kanji de cair, pois é onde culmina o climax, fechando a história. Claro, um climax só pode ser o ponto mais alto se o que vier depois cair, não é? No Japão se ensina que o ochi pode ser tanto uma linha estável quanto cair ou subir um pouco, não mais que o climax. Isso significa fazer um final feliz, dar uma resposta a toda historia ou dar um final “Hotaru no Haka”, aquele que te faz odiar o mundo triste em que vivemos.

Pag8Na página da esquerda, temos o ponto mais alto. É a página do climax, onde as duas últimas páginas culminam. Daniel mostra sua última carta, o Zap. Infelizmente, só quem conhece o truco entendeu… Eu havia feito outra página, onde não seria uma imagem única, teria a reação do público e dos outros personagens. Mas eu preferi o impacto de uma imagem só, com Daniel jogando a carta contra o leitor.

A carta precisava ficar a esquerda e em destaque porquê… Porquê é o destaque, claro! É a primeira coisa que o leitor vai ver.

Página final. Pra fechar as pontas e jogar Daniel e os leitores na realidade. Daniel venceu, mas pra isso, perdeu uma coisa mais importante.

Pag9O primeiro quadro continua a sequência, dando resposta a historia. Eles venceram, e o parceiro do Daniel comeca a festejar sozinho. Eu mostrei mais o cenário pra reambientar, mostrar que eles já trocaram de lugar.

No quadro seguinte, a namorada do Daniel fala ao telefone… O quadro, preguiçoso, tem um monte de erros. Ela precisava estar a direita, conversando com Daniel a esquerda. O telefone precisava estar mais visivel, nao dá pra saber o que é. O cenário… Bem, vamos evirar comentários!

Pag9 Daniel tenta dar o último blefe, enganando a namorada. Seu parceiro, virado pro lado contrario dele, mostra bem claramente que Daniel nem tá aí pra ele. Sua atenlçao é pro celular.

O quarto quadro eu também refaria. Primeiro, jogando a garota a direita ou no meio, depois, colocando o primeiro balão no topo esquerdo. Ficaria assim: balão 1, garota, balão 2 pela sequência de visão. do jeito que está, a garota aparece primeiro, dando imagem a cena, depois, o texto. Tira impacto do segundo balão e da garota, tudo com um balão mal posicionado.

Pag9 Nesse penúltimo quadro, temos a razão de ser da historia. É sobre isso que ela é, muito mais do que uma história de truco.

Acho que eu escrevi em algum lugar isso… Uma história nao é sobre o que ela é e sim o que ela conta. E Truco! foi uma história sobre truco, mas que conta como um mentiroso pode ser ao mesmo tempo um herói e um vilão. Ou um pateta, nem vilão ele é. Pra deixar bem claro. A história não é feita de elementos, precisa ter sempre uma essência, algo que você quer dizer, algum motivo de ser que vai mandar em toda sua estrutura, no ritmo, tudo.

Essa historia foi feita a partir desse único quadro, desses dois balões. Tudo que vem antes é só pra encaminhar a esse quadro, e a história podia até fechar ai. Tanto que o último quadro, mesmo sendo maior e dando bastante destaque a cena e ao balão, perde em valor após o penúltimo.

Pag9

Eu fiz essa história só pensando em acentuar a impressão de que Daniel é um grande mentiroso. Ele mente desde o começo, mas depois, eu o faço usar essa habilidade pra algo importante, vencer o campeonato de truco. Assim, o leitor não o vê mais como simplesmente um cara enganando a namorada. Ele se torna um jogador, o herói da trama! Pra depois, contrastar com a realidade, que o leitor já sabe, ele sabe, mas todos tinham esquecido.

jin-roh01 Pra mim, uma historia é isso. Voce poder contar alguma coisa, que pode ser uma lição de moral, como nos contos de fada que nós ouviamos de nossos pais. Ou alguma mensagem um pouco mais complexa. Por exemplo, quem já assistiru Jin-Roh, filme de Mamoru Oshii (de Ghost in the Shell) já viu o mesmo esquema que eu fiz nessa historia, mas feito por um cara com muito mais talento e dinheiro! E é o mesmissimo esquema. Nós esquecemos de tudo que sabemos só para sermos acordados pelo final duro, que nos soca nos dentes. Essa impressão pode não ser das melhores, mas marca, choca.

Uma vez, briguei em uma comunidade de escritores por criticar a intensão de um escritor que postou uma história sem pé nem cabeça, onde um cara simplesmente matava um monte de gente inocente sem motivo. Pra ele, isso era arte. Pra mim, um roteiro mal feito e uma história baseada na idéia de ganhar por chocar. Um bom escritor não precisa disso.

Caras como Garth Ennis podem fazer histórias violentas e bem contadas. Não existe erro em ser violento ou escatológico ou o que quer que seja, desde que isso sirva pra contar uma historia. Senão, não tem diferenca disso e de uma cena apelativa de sexo ou carros derrapando, robôs explodindo. Quando essas idéias se sobrepoem ao assunto que você quer falar, deixa de ser uma história pra ser um videoclipe, um slide de apelações sem sentido que não direcionam a nada.

Robos, perseguicao de carro, explosoes, soh faltou historia Contar histórias vai além de jogar idéias em pedaços de papel. E é isso que eu gostaria que os pretendentes a contadores de história, seja nos quadrinhos, seja no cinema, na literatura, ou até mesmo em revistas informativas, soubessem. Tudo é pra ser lido por um público, por leitores. E você precisa fazer de tudo pra que esse público não pule as páginas, não deixe de te ler nem por uma única linha.

Isso envolve um trabalho que vai além de desenhar bonito ou ser original. Envolve planejamento, técnica, experiência, coisas que não vêm incluídas no pacote “talento”. Você precisa estudar, todos precisam, sempre. Contar história é um trabalho mais próximo do de um médico, você precisa de reciclar, estudar sempre e treinar sempre. Seu talento só vai dar formas mais generosas ao seu esforço, mas nunca, nunca vai ser substituto.

Gênios não nascem sabendo de tudo. Mesmo que você seja genial, estude. Se esforce.

___________________________________________________________________

Voltando a avaliação, queria agradecer a todos que comentaram e mesmo aos que só leram. Espero que sirva pra alguma coisa, nem que seja pra dar vontade de reavaliar, pra você mesmo, o seu próprio trabalho.

É isso!