Arquivo da categoria: truco

>Avaliando TRUCO!, parte 5 e final!

>

Yo!

Pag8Pag9 

Finalmente, o derradeiro capítulo da minha auto-avaliação!

Em japonês, podemos chamar isso de “ochi”. Vem do kanji de cair, pois é onde culmina o climax, fechando a história. Claro, um climax só pode ser o ponto mais alto se o que vier depois cair, não é? No Japão se ensina que o ochi pode ser tanto uma linha estável quanto cair ou subir um pouco, não mais que o climax. Isso significa fazer um final feliz, dar uma resposta a toda historia ou dar um final “Hotaru no Haka”, aquele que te faz odiar o mundo triste em que vivemos.

Pag8Na página da esquerda, temos o ponto mais alto. É a página do climax, onde as duas últimas páginas culminam. Daniel mostra sua última carta, o Zap. Infelizmente, só quem conhece o truco entendeu… Eu havia feito outra página, onde não seria uma imagem única, teria a reação do público e dos outros personagens. Mas eu preferi o impacto de uma imagem só, com Daniel jogando a carta contra o leitor.

A carta precisava ficar a esquerda e em destaque porquê… Porquê é o destaque, claro! É a primeira coisa que o leitor vai ver.

Página final. Pra fechar as pontas e jogar Daniel e os leitores na realidade. Daniel venceu, mas pra isso, perdeu uma coisa mais importante.

Pag9O primeiro quadro continua a sequência, dando resposta a historia. Eles venceram, e o parceiro do Daniel comeca a festejar sozinho. Eu mostrei mais o cenário pra reambientar, mostrar que eles já trocaram de lugar.

No quadro seguinte, a namorada do Daniel fala ao telefone… O quadro, preguiçoso, tem um monte de erros. Ela precisava estar a direita, conversando com Daniel a esquerda. O telefone precisava estar mais visivel, nao dá pra saber o que é. O cenário… Bem, vamos evirar comentários!

Pag9 Daniel tenta dar o último blefe, enganando a namorada. Seu parceiro, virado pro lado contrario dele, mostra bem claramente que Daniel nem tá aí pra ele. Sua atenlçao é pro celular.

O quarto quadro eu também refaria. Primeiro, jogando a garota a direita ou no meio, depois, colocando o primeiro balão no topo esquerdo. Ficaria assim: balão 1, garota, balão 2 pela sequência de visão. do jeito que está, a garota aparece primeiro, dando imagem a cena, depois, o texto. Tira impacto do segundo balão e da garota, tudo com um balão mal posicionado.

Pag9 Nesse penúltimo quadro, temos a razão de ser da historia. É sobre isso que ela é, muito mais do que uma história de truco.

Acho que eu escrevi em algum lugar isso… Uma história nao é sobre o que ela é e sim o que ela conta. E Truco! foi uma história sobre truco, mas que conta como um mentiroso pode ser ao mesmo tempo um herói e um vilão. Ou um pateta, nem vilão ele é. Pra deixar bem claro. A história não é feita de elementos, precisa ter sempre uma essência, algo que você quer dizer, algum motivo de ser que vai mandar em toda sua estrutura, no ritmo, tudo.

Essa historia foi feita a partir desse único quadro, desses dois balões. Tudo que vem antes é só pra encaminhar a esse quadro, e a história podia até fechar ai. Tanto que o último quadro, mesmo sendo maior e dando bastante destaque a cena e ao balão, perde em valor após o penúltimo.

Pag9

Eu fiz essa história só pensando em acentuar a impressão de que Daniel é um grande mentiroso. Ele mente desde o começo, mas depois, eu o faço usar essa habilidade pra algo importante, vencer o campeonato de truco. Assim, o leitor não o vê mais como simplesmente um cara enganando a namorada. Ele se torna um jogador, o herói da trama! Pra depois, contrastar com a realidade, que o leitor já sabe, ele sabe, mas todos tinham esquecido.

jin-roh01 Pra mim, uma historia é isso. Voce poder contar alguma coisa, que pode ser uma lição de moral, como nos contos de fada que nós ouviamos de nossos pais. Ou alguma mensagem um pouco mais complexa. Por exemplo, quem já assistiru Jin-Roh, filme de Mamoru Oshii (de Ghost in the Shell) já viu o mesmo esquema que eu fiz nessa historia, mas feito por um cara com muito mais talento e dinheiro! E é o mesmissimo esquema. Nós esquecemos de tudo que sabemos só para sermos acordados pelo final duro, que nos soca nos dentes. Essa impressão pode não ser das melhores, mas marca, choca.

Uma vez, briguei em uma comunidade de escritores por criticar a intensão de um escritor que postou uma história sem pé nem cabeça, onde um cara simplesmente matava um monte de gente inocente sem motivo. Pra ele, isso era arte. Pra mim, um roteiro mal feito e uma história baseada na idéia de ganhar por chocar. Um bom escritor não precisa disso.

Caras como Garth Ennis podem fazer histórias violentas e bem contadas. Não existe erro em ser violento ou escatológico ou o que quer que seja, desde que isso sirva pra contar uma historia. Senão, não tem diferenca disso e de uma cena apelativa de sexo ou carros derrapando, robôs explodindo. Quando essas idéias se sobrepoem ao assunto que você quer falar, deixa de ser uma história pra ser um videoclipe, um slide de apelações sem sentido que não direcionam a nada.

Robos, perseguicao de carro, explosoes, soh faltou historia Contar histórias vai além de jogar idéias em pedaços de papel. E é isso que eu gostaria que os pretendentes a contadores de história, seja nos quadrinhos, seja no cinema, na literatura, ou até mesmo em revistas informativas, soubessem. Tudo é pra ser lido por um público, por leitores. E você precisa fazer de tudo pra que esse público não pule as páginas, não deixe de te ler nem por uma única linha.

Isso envolve um trabalho que vai além de desenhar bonito ou ser original. Envolve planejamento, técnica, experiência, coisas que não vêm incluídas no pacote “talento”. Você precisa estudar, todos precisam, sempre. Contar história é um trabalho mais próximo do de um médico, você precisa de reciclar, estudar sempre e treinar sempre. Seu talento só vai dar formas mais generosas ao seu esforço, mas nunca, nunca vai ser substituto.

Gênios não nascem sabendo de tudo. Mesmo que você seja genial, estude. Se esforce.

___________________________________________________________________

Voltando a avaliação, queria agradecer a todos que comentaram e mesmo aos que só leram. Espero que sirva pra alguma coisa, nem que seja pra dar vontade de reavaliar, pra você mesmo, o seu próprio trabalho.

É isso!

>Avaliando TRUCO!, parte 4

>

Yo!

Pag6 Pag7

Retomando a avaliação da minha história… Desculpem o longo hiato, agora, vou terminar!

Nessas páginas, temos o ponto alto da história. O climax. Em japonês, yama (montanha, porque eles vêem a história como uma linha serpenteando. O climax é o ponto onde a linha sobe mais alto.).

Pag6 Começamos com um quadro duplo, posicionando os dois rivais, Igor e Daniel, cada um com sua última carta, transpostas na passagem de quadro, linkando. Lembrando quem esqueceu (não culpo ninguém), o status dos personagens na história foi derrubado, com Daniel colocando a dúvida nos seus rivais. Agora, Igor tenta ler Daniel, perceber alguma fraqueza.

Pag6 O terceiro quadro é cheio de falas em off, comentários do público que ajuda o leitor a entender a posição dos personagens e a situação dentro do jogo. Os três personagens formam um triângulo, com Daniel na ponta, voltado no sentido contrário dos outros, ficando como ponto de destaque. Todos olham pra ele.

O quadro seguinte mantém apenas Igor e Daniel, o fundo é trocado por uma retícula que apenas indica o caminho do olhar. Nesse tipo de passagem, é importante não trocar a posição dos personagens. Isso atrasa o ritmo, confunde o leitor. Reparem que mesmo nos dois primeiros quadros, Igor está a esquerda e Daniel a direita.

Pag6

Os três quadros seguintes são quadros representando a visão de Igor. Ele olha atentamente aos detalhes. O olho de Daniel, sua mão, e o momento em que ele engole seco, por apenas um instante. À essa hora, nós já esquecemos, mas… Ele tinha um compromisso! Daniel está olhando o relógio, e engole seco porque já está atrasado.

Pag6 Os quadros nessa sequência não se ligam. Não existe nenhum fator linkando-os para atrasar a leitura, e os quadros são escuros com essa mesma intenção. Isso tudo pra passar a tensão do momento em que Igor avalia Daniel.

O último quadro é um quadro quase silencioso, lento, com Igor aumentando a aposta e virando a mesa do status quo dos personagens de novo.

Pag7 Na página seguinte, Daniel se surpreende. Igor aceitou seu desafio. O quadro seguinte exagera de novo, com Daniel suando bastante.

Essa sequência seguinte, em quatro quadros é uma cena que eu gosto de fazer e já usei em outras historias de outras formas. A câmera parece girar. Primeiro, pega Daniel de frente, depois de lado e então, de costas, subindo um pouco. Depois, um zoom destacando sua mâo e a carta na mesa. Acabou… É o fim, Daniel perdeu, no último quadro a  direita, antes do leitor virar a página.

Pag7

Pronto! O próximo é o último!

>Avaliando TRUCO!, parte 3

>

Yo!

Pag4 Pag5

Finalmente uma sequência que eu gosto. Nessa quarta página, eu comecei com um bloco de três quadros. Coincidência? Não.

Três é o numero chave no que se trata de história, de narrativa. Tudo o que você contar tem um início, um meio e um fim. Mesmo uma breve cena. Claro, uma sequência em dois quadros também funciona. Aumentar os números de quadros também pode acontecer. Mas desde que você entenda esse princípio.

Repararam que praticamente toda tirinha ocidental tem três quadros? Syd Field, o maior nome ocidental no ramo de material didático para roteiristas, tem sua explicação, mas pra acrescentar a todos, eu vou com a minha bagagem oriental.

No Japão, existe uma regra chamada Jo-Ha-Kyu. Ela serve pra você ter em mente uma estrutura pra bolar sua história. Algum dia posso falar mais sobre isso, ou postar o que eu escrevi na aula de roteiro. Pra ser mais rápido, significa simplesmente apresentar uma idéia/situação, quebrar/torcer ela, pra então encaminhar pra frente ou fechar. É a base de toda história, desde uma tirinha de jornal, uma sequência dentro de uma história, até mesmo de um diálogo. Shakespeare é um claro exemplo disso.

Pag4

Voltando a sequência, temos o exagerado parceiro do Daniel, apavorado, suando frio depois de ser pego blefando. Ele busca ajuda de Daniel, que parece já ter desistido. Então, apavoramos mais ainda o personagem, jogando essa cena, onde ele é esmagado pelos rivais e abandonado pelo parceiro. Reparou no triangulo invisivel nesse último quadro da sequência? Formado pelos russos, mais o parceiro de Daniel, colocando o nosso protagonista no meio? Isso é pra forçar a cena pra baixo, dando mais pressão pro coitado do parceiro do Daniel. (nota: errei e pintei de preto o cabelo do Igor)

Pag4 Pra piorar, ele ainda toma uma bronca de Daniel, num enorme quadro, com direito a speed lines em circulo e um enorme balão: “Você é um amador mesmo!!” E Daniel continua, até mesmo manda ele abandonar o jogo. Novamente, três quadros. O maior deles tem o impacto, mostrando que aqui começa outra sequencia, onde Daniel vai à alguma coisa nova. Ele está desistindo…

Pag4 Os dois quadros da direita trocam pela vertical, exatamente pra que quando sua visão descer, do quinto quadro pro último da pagina, você empurre a carta com os olhos, dando impressão de movimento. As mãos estao lá pra ligar a próxima cena, na pagina da direita.

Nessa pagina começa a reação de Daniel.

O primeiro quadro mostra uma mão e uma carta, sem mostrar quem é. A cena anterior tambem tinha mãos e cartas, pra servir de ligação. O lance aqui é fazer a transferência de cena por elementos em comum, não cortando a cena, mas mudando o foco. Na cena seguinte, vemos que a mão é do parceiro do Igor, ele é o dono da carta. Os dois já cantam vitória, mas esquecem uma Pag5coisa importante. E é com um balão no finalzinho do quadro, que nós lembramos eles e os leitores disso.

Esse terceiro quadro mostra Daniel com sua última carta, dando mais uma torcida na trama. Quando eles pareciam já ter perdido, eis que Daniel vira a mesa da dúvida. Agora, quem está sob pressão são os russos.

Pag5 Alguns cuidados que eu tomei com essa história foi deixar mais ou menos claro o que era preciso, o que o jogo pedia pra acontecer. Por causa dos leitores que não conhecem o truco. Mas só na medida do possivel, por que senão, tira o ritmo da historia.

É o que acontece no quadro seguinte. O parceiro de Igor fala o que é preciso ter. Deixa claro que ainda tem uma chance. Depois, Igor joga uma dúvida, pra tentar enfraquecer Daniel. Fechamos essa sequência diminuindo o ritmo, pra aumentar a tensão. Daniel explica por que não precisa ter medo da carta de Igor. E é essa certeza que traz a dúvida aos russos. É a deixa pra próxima página!

E o próximo post, eu faço depois de dormir um pouco! Até lá!