Donas de casa, (m)achismo e mangás cancelados

Yo!

Como criar um inútil? Bora ver!

Semana passada, a notícia de atraso do mangá publicado na Morning Two “Himoxile”, de Akiko Higashimura, percorreu os burburinhos do mundo do mangá.

Aparentemente causado por uma “revisão dos planejamentos”, esse atraso veio seguido de um pedido de desculpas da autora e da editora, a Kodansha. Lá, a autora diz que o mangá pretendia seguir uma experiência real, mas que como isso não bateu com os interesses de seus leitores, ela decidiu por conta própria rever seus conceitos sobre a série.

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A premissa de Himoxile (mistura de himo com exile, exílio) é clara. Uma experiência social, transformando um dos assistentes de Higashimura em um himo, nome dado para homens que decidem desistir da vida social e viver às custas de uma mulher, dos pais ou do governo. E os relatos são feitos com muito bom humor. Ela chama “Venham, homens inúteis! Venham se tornar Himo Sapiens!”.

O mangá tem a própria Higashimura como “técnica” de um time de himos, dizendo onde eles devem mudar e o que devem fazer para atrair “donas” para criá-los. Aparentemente, ela  usa seus assistentes para trabalho de campo, em uma experiência social, onde eles se tornam himos de verdade e contam suas experiências nas páginas desenhadas. Um BBB dos himos.

As críticas ao mangá não foram simplesmente para um machismo às avessas, como foi noticiado no Ocidente, mas também de mulheres que precisam que seus maridos cuidem dos filhos, e homens, que por seus motivos, não podem ou não conseguem trabalhar.

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O termo se refere tanto às pessoas que simplesmente desistem de trabalhar e estudar quanto a aquelas que, por algum motivo, decidiram desistir de seu trabalho para cuidar da casa. Acontece muito, por exemplo com mangakás, onde a mulher ganha muito mais que o homem e não tem tempo de cuidar da casa. Em um país onde não existe a cultura da empregada doméstica, o homem precisa largar do emprego para dar sossego para sua esposa trabalhar, em ritmos que podem durar vinte e quatro horas alguns dias.

Em certa cena do mangá, uma mulher pede para que o protagonista da história cuide de seu filho enquanto ela atende em um compromisso. Quando vai buscar o menino, ela vai embora dizendo “espero que meu filho não se torne como ele”.

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Por esses motivos, claro que Higashimura pode ter sentido o tiro sair pela culatra e seu projeto, de fazer o mangá baseado totalmente nas experiências de seu assistente, se tornou irrelevante quando ataca também pessoas que tomaram uma decisão difícil e controversa. Ela ainda cita as pessoas que largam o trabalho por meses para tentar o sonho de se tornar mangaká ou escritor, precisando viver às custas da família ou esposa.

Afinal, o homem deve sempre trabalhar para sustentar sua casa? Dona de casa não é uma ocupação masculina? Ter problemas psicológicos para interagir em um trabalho é motivo de piada?

A discussão dos homens himo é antiga. A ascensão das mulheres no mercado de trabalho criou esse papel do homem dona de casa, que a sociedade patriarcal japonesa tratou com chacotas, tanto de homens quanto de mulheres. Mas o mundo está em constante mudança e apesar de essa escolha do casal ainda ser muito controversa, o número de famílias sustentadas por uma mulher cresceu.

Além disso, temos a polêmica que envolve a experiência social, onde seu assistente realmente usou uma mulher e depois transformou o conteúdo em piada.

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O que eu acho?

Por esse motivo, eu acho (ou seja, não tenho provas, não sou o dono da verdade) que Higashimura vai rever como quer contar essa história e voltar em breve, com um conteúdo mais relevante. Eu acredito que seu talento em contar histórias e sua crítica afiada, que lhe rendeu prêmios com Kuragehime e Kakukaku Shikajika (Manga Taisho de 2015, melhor mangá), ainda deve nos surpreender com este título, que tem sim, uma premissa interessante.

Não é por polêmica que se cancela um mangá e seria triste ver este título morrer antes mesmo de ter espaço para mostrar a que veio. Com apenas dois capítulos (um deles, publicados apenas online), a história nem arranhou, ainda mais por ter poucas páginas. Sendo de uma autora gabaritada é muito pior, porque a chance de termos uma boa ideia indo pelo ralo é triste e um mangá, quando é bem feito, leva as pessoas a refletir e a pensar com mais cuidado sobre alguns assuntos. Neste caso, é um de extrema importância para a posição das mulheres no mercado de trabalho e para o bem estar familiar, que é uma pauta importante e negligenciada na sociedade japonesa. E mesmo pelo ângulo dos homens que se aproveitam de mulheres, seria interessante ver isso ser trabalhado além do óbvio.

Se trocasse de revista, em uma para mulheres, ela não passaria por isso? Acho que passaria sim, principalmente porque a pauta mais criticada diz respeito principalmente às mulheres. O tema é polêmico e as pessoas criticariam até se fosse mais velado. Então, acho que ela e a revista estavam prontas para receber muitas. E se engana quem acha que as revistas femininas não são lidas por homens, principalmente a Feel Young e outras, de conteúdo mais adulto e com obras famosas em adaptações para cinema e TV.

Deixando a situação clara:

  • Ela que decidiu parar a publicação.
  • Não foi cancelado, foi paralisado para repensar o conteúdo.
  • As críticas foram diversas, mas principalmente contra o papel de homens que cuidam dos afazeres domésticos ou têm problemas sociais. Não houve nada como um movimento para boicote, por exemplo.
  • O termo himo é pejorativo, equivalente a “gigolô”, e é usado principalmente para quem parasita as mulheres, mas é usado também para apontar homens que, por algum motivo, não trabalham, como piada. Na própria história, esses homens são chamados de inúteis.
  • Além da resposta pública no site e na revista, ela usou sua conta no Twitter para comunicar e se desculpar.
  • Houve gente falando de “machismo às avessas” (gyaku seibetsu, preconceito de gênero reverso)? Houve. Mas o que ficou claro é que a paralisação foi tomada por conta da crítica ao estilo de vida desses casais e por pessoas que estão nessa situação por motivos legítimos.

O que você acha? Vamos ter um papo (CIVILIZADO, POR FAVOR)?

Veja o programa Manben com um dia de trabalho de Akiko Higashimura. O apresentador é Naoki Urasawa, de Monster e 20th Century Boys.

19 ideias sobre “Donas de casa, (m)achismo e mangás cancelados”

  1. creio que se o togashi voltou a desenhar hunter hunter talvez só talvez o fabio sakuda volte a escrever aqui

  2. é muito mimimi e poucos argumentos e machismo é comportamento e atitudes tipicamente masculinas então não é algo pejorativo.

    1. Então tu é machista Lucas? Quer dizer que não existem mulheres machistas Lucas? É isso Lucas?

  3. Tenho algumas duvidas em relação a animações. Em media a animação de um
    episodio no japão equivale a 100 mil euros, é possivel uma empresa
    brasileira contratar um estudio de animação japones para fazer um ova
    por exemplo?
    100 mil é a média, mais quanto será o minimo possivel para fazer um episodio?

    1. a media dos animes japoneses de hoje é essa mesmo por episódio , depende do nível do episódio,do que seria tratado …opening e ending , tudo isso tem custo..um anime de 25 episódios de 24 minutos ,custa em torno de 14 milhões de reais..por episódio ,séria algo em torno de 500 mil reais…se é possível uma empresa brasileira contratar para fazer apenas um episódio , com certeza é, há muitas empresas de animações pequenas no Japão…

      1. FInalmente alguém me respondeu!! :)
        Acho que você está um pouco enganado sobre 500 mil reais, pois pelo que sei a animação de fate UBW gastou em torno de 300 mil por episódio. 500 mil, dá pra gastar, mas seria uma animação muito, muito boa. :P
        Outra,na verdade uma animação não ficaria nesse custo em reais, pois de iene para reais é diferente de iene para dolar e dolar para real. 1 episódio de anime custaria em media 11 milhões de ienes, o que na cotação atual é 383 mil reais. O problema é que o pais está em crise, o que recoou nossa moeda, o iene agora está a 0,033 reais, o que é muito ruim, pois a media nos ultimos anos foi de 0,025 reais, ou seja, a media real de um episodio de anime é de 275 mil reais. O que não é muito caro comparado as outras animações. Acho que no futuro se existir uma potencia chinesa de animação ela será a mais barata do mundo (os chineses não são bobos, estão aprendendo com os japoneses e americanos), e até a dreamworks abriu escritorio na china por causa disso. Meu sonho é fazer uma animação (o roteiro para os japas animarem, como no caso da Lenda de Korra, mas no caso aí foram coreanos que animaram).

  4. Cara a premissa parece interessante, mas parece bem ofensivo mesmo. Nao é legal generalizar e usar termos pejorativos com homens que por exemplo não podem trabalhar por doenças ou coisas assim, também teria me sentido ofendido lendo. Talvez se contar a história de outra perspectiva, talvez do próprio homem que seria alguém muito inteligente que porém teria alguma doença psicológica como depressões clínicas ou algo do tipo, se conflitando do fato da sociedade vê-lo como um inútil seria menos ofensiva. Aos poucos ele ganharia o reconhecimento das mulheres no mangá, se tornando uma ótima dona de casa, ele podia ensinar lições importantes ao filho, ajudando ele na escola e em problemas pessoais, na esperança de que sue filho se tornasse alguém feliz, independente de ser empregado ou de depender de uma mulher. Nao seria interessante?

  5. Sakuda, com base no pouco que eu entendo da cultura nipônica, para mim é interessante saber que existem mangás que retratam o peso do trabalho na vida de homens que não seguem o modelo tido como ideal no Japão. Considero muito válida essa discussão do que não trabalhar gera na vida das pessoas, em um mundo no qual o trabalho constitui um caminho vital para a obtenção da qualidade de vida e de independência.

  6. Muy interessante, dois pontos me chamaram mais atenção.

    Ela ter passado por uma vivencia relacionada, e o assistente ter se colocado em situação parecida de proposito pra ser retratado na historia.

    Como assim algum cara quase acabou com a careira dela!? Isso por si só já daria um baita mangá (quero muito ver aquela historia auto biográfica retratando o começo da careira dela). Pelo conhecimento, pela experiencia e pelo histórico da autora difícil imaginar que ela não planejou muito bem antes de começar a serie.

    Agora, a questão do assistente é que ficou uma coisa meio estranha, até que ponto que o cara chegou ou que é valido usar uma pessoa pra realizar esse “experimento social”?

    Muito corajoso e ousado da parte da Akiko Higashimura começar um mangá com essa temática, polemicas a parte, seria bom se mais autores tivessem essa iniciativa.

    Enfim, gostaria de poder argumentar mais a respeito dessa questão dos himo, mas prefiro não correr o risco de acabar falando um monte de bobagens. bye bye

  7. Um bom contraponto que você mostro aqui, Sakuda. Já tinha lido a mesma notícia por outros sites, mas ela me pareceu meio enviesada/tendenciosa por indicar o cancelamento do mangá.
    Acredito que mesmo se ela mudar o tom da obra ainda vai receber uma tonelada de críticas, pelo pouco conhecimento que tenho da cultura japonesa. Entretanto, acho válida ela ao menos retratar essa figura da sociedade, que parece minimamente relevante para o contexto japonês.

    1. E tem que receber. Críticas são importantes, mas saber lidar com elas e ter espírito para se manter firme é essencial para um bom autor fazer uma obra antenada com a realidade e sensível com o mundo ao mesmo tempo que também forte e com personalidade, sem se desviar.

  8. Mesmo com você comentando, não consigo pegar o teor da obra. Nem queria comentar sobre essa história devido a isso, devido a eu não estar muito adentrada ao assunto, mas ainda penso em algumas ressalvas pertinentes.

    “Ela que decidiu pausar a publicação.” Bem, seria interessante ver suas fontes e como elas passam tal informação, e como a própria autora fala fala sobre isso. A questão é justamente quem fez ela parar e por quê, afinal, se fosse um homem escrevendo um mangá sobre mulheres que não trabalham e dependem de outras pessoas, esse autor teria tido esse mesmo tipo de “conversa” com seus leitores? Esse autor teria ‘decidido parar a publicação’? Não refiro-me à personalidade de cada mangaká, obviamente, pois cada pessoa reagirá de uma determinada forma; e sim a como essa cobrança para não zoar com homens é mais forte do que a cobrança para não zoar com mulheres, ainda que existam muito, muito mais obras caçoando a posição feminina na sociedade do que o contrário.

    Eu também estou curiosa para saber como serão feitas essas mudanças na temática do mangá. Se ele tinha como objetivo retratar os himos de forma realista, porém irônica, como você irá planejar um novo conceito em cima disso sem perder a essência do humor que ela queria demonstrar? É como decidir replanejar Prison School sem sexualizar as garotas e sem romantizar as ações dos garotos: perderia o propósito inicial com seu público-alvo.

    Ponto é que gozar da condição das pessoas não é motivo para paralisar um mangá, normalmente. Ou é? Não sei, mas imagino que não. Até porque, partindo do mesmo argumento de pessoas que escrevem obras ofensivas a mulheres, esse mangá não está atacando ninguém diretamente. Homens também sofrem com sexismo, mas tocar nessa ferida parece gerar uma polêmica proporcionalmente maior do que quando mulheres são o alvo. Fazendo um paralelo torto com Kuragehime, apesar de haver humor em como as otaku são personificadas, isso não foi um problema para ninguém, certo?

    Eu tenho bastante receio em pensar que ela decidiu, por livre e espontânea vontade, que deixaria de fazer sua história original para agradar os fãs, sabe? Assim, tão harmoniosamente. Como não entendo Japonês, resta-me acreditar em suas informações. De qualquer forma, o que você acha de tudo isso?

    1. Suas questões mesmo já deixam algumas coisas claras. Seria motivo de paralisar o simples fato de ofender alguém? Talvez não, sabendo como e quem e se isso é necessário ou não. No caso, pra editora, se fosse necessário, ela nem teria publicado. São dois capítulos só, não é como se a autora tivesse enganado os editores e agora não desse pra voltar atrás. Por isso, acho que a autora paralisou pelo peso na consciência de algum comentário. Ela explicou tudo e até respondeu algumas pessoas no Twitter. Mais do que isso, só o pessoal interno pode saber. E isso tá no post.

      Ela é bem engajada em questões sobre o feminismo, duvido que se houvesse algo contra isso ela abaixasse a cabeça e se calasse. Também não vejo como modus operandi da Kodansha isso de frear um título, muito pelo contrário, muitos autores vão para a Kodansha exatamente porque ela não faz como a Shueisha/Shogakukan que controlam o conteúdo em cima. Mais prova do que isso, precisa vir de dentro. E eu prefiro me abster a criar teorias da conspiração. O que tem de fato até agora está no post ou pode ser procurado na internet.

  9. Agora sim! Parte da situação já tinha entendido, conseguiu ver as raws só que sem saber japonês não dava para saber qual era o tom das falas dela.
    O tema é complicado, ainda mais lá, e sei que a autora pode fazer umas críticas bem fortes. Polêmica a história já é, e por isso mesmo quero ver continuar, por bem ou por mal acrescenta na discussão. E tenho que dizer, essa série só acrescenta no mistério de como ela consegue fazer 5, agora 6 talvez, séries simultâneas! Ainda mais essa, que precisa dedicar tempo para pesquisa externa, e não vamos esquecer do bar! Caralho ela desenha mesmo dormindo, que mostra!

    1. Eu queria ler, mas o site da revista, que distribuia gratuitamente os dois capítulos publicados, retirou do ar. Me interessa porque a autora é afiada nos diálogos e tem história (se não me engano, é ela que teve que sustentar um namorado vagabundo que quase acabou com o trabalho dela).

      1. “se não me engano, é ela que teve que sustentar um namorado vagabundo que quase acabou com o trabalho dela” só isso me basta pra concluir que ela não era a pessoa mais indicada para tratar a respeito desse tema.

    2. Seis series simultâneas é punk hein!? Ainda mais com a qualidade do trabalho dela, por enquanto, ler mesmo só li alguns one-shots, mas já assiste Kurage Hime, e estou de olho em alguns títulos da Higashimura.

      Espero que continue mesmo, o tipo de questão que quanto mais estiver em foco e em constante debate melhor. Não só para eles lá, é um tema extremamente relevante pra gente aqui também.

  10. Eu acho que só deve ser censurado material que estimula o ódio entre as pessoas, não conheço essa série, mas pela descrição feita ela parece um pouco ”demais”, acredito que o tema é legal e se ela soltar o pé do acelerador é possível se recuperar do dano. Vou esperar pra ler os outros comentários daqui hahahahhahah

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