As bibliotecas de AleNERDia ou por que somos velhos chatos?

Yo!

Mais uma discussão muito relevante e importante e ZZZZZZ… Bora ver!

Em Alexandria, muito, muito tempo atrás, uma enorme biblioteca pretendia reunir em suas prateleiras o conhecimento do mundo na forma de livros e rolos. Durante a idade média, foi um centro cultural excelente, mas uma série de incêndios tratou de destruir todo o conteúdo. Seu lema era ter uma cópia de cada livro do mundo todo.

Hoje. Com o advento da internet e o acesso ilimitado à arquivos de texto e imagem, se tornou muito mais fácil ler e assistir filmes e quadrinhos. Basicamente, com um pouco de conhecimento prático e menos escrúpulos (e um bocado de tempo ocioso), você pode ler praticamente todos os quadrinhos que quiser e assistir horas e horas de filmes e seriados. Portanto, é fácil hoje ter pessoas que assistiram a tudo que você puder citar, e se não assistiram, assistirão assim que você recomendar.

Sem ir ao mérito dos meios, o resultado dessa praticidade tem aparecido em uma enorme exposição do público a uma verdade dolorosa. As variações que uma história pode ter são limitadas. Raramente temos histórias realmente novas, com experiências completamente impares dentro das possibilidades das mídias que conhecemos hoje para o entretenimento. Artistas copiam uns aos outros, muitos até descaradamente. Mesmo quando alguém é muito criativo, geralmente existe um motor inspirador por trás, uma escola de pensamento, uma filosofia, uma técnica adaptada. E quanto mais as pessoas assistem os filmes e séries, mais monótonos e previsíveis eles vão ficando.

Dentro dessa overdose de referências, as pessoas não percebem o quanto muda a forma de assistir as coisas. Não é raro o tipo de expectador catalogador. Aquele que simplesmente anota em sua lista o nome de mais uma série completa, mais um filme assistido. Em meio a tantas marcas que ainda faltam serem feitas, não há tempo para voltar atrás, aproveitar com mais calma alguma história ou simplesmente se apaixonar por algum personagem.

Um dos primeiros textos do XIL, que infelizmente caiu no limbo do Genkidama quando eu transferi o blog do Blogger pra cá, era um pensamento exatamente sobre esse mesmo assunto. Na época, eu citava meus amigos no Japão, que se valiam de uma internet de 100 mega pra baixar um filme enquanto está tomando banho pra passar a noite assistindo e simplesmente já tinham assistido muito mais filmes que eu, que tecnicamente era o nerd. Sim, hoje em dia não é um luxo de nerd ter assistido os principais filmes antes de todo mundo. Com essa abertura da cultura pop que tivemos nos últimos anos é até comum as pessoas simplesmente assistirem até alguns animes sem se tornar um aficionado no assunto.

Mas eu também não vou cair no mérito da expansão do público de filmes e séries “nerds” ou do grau de fanboiolice tolerável para frequentar a esfera otaku.

Na época daquele texto, eu já citava um certo cinismo que eu tinha com toda a cultura, que outrora foi meu objeto de desejo. Estava, na época em que escrevi, exatamente no momento imerso no estado da frieza do excesso de conhecimento.

Como eu lia e buscava praticamente tudo que indicavam, primeiro para me situar de assuntos para discutir nos grupos da internet e entre amigos, depois, simplesmente porque eu criei um gosto por conhecer cada vez mais, chegou o dia que eu via uma capa e já falava “cópia daquele outro, que já era cópia de um que era muito melhor”. Ler e assistir animes perdia a graça, e eu cada vez mais “catalogava” séries em minha cabeça ao invés de ir atrás de algo que me interessasse minimamente.

Já citei que eu tive um tempo em que abandonei toda minha nerdice, comprei um carro e fui viajar. Talvez esse cinismo tenha sido parte desse meu momento. Não via interesse em esperar por capítulo novo de algum anime, não acompanhava mais quase nenhum mangá e nem sequer me incomodava em ler as coisas na mesma semana que saiam. Às vezes, deixava a preguiça me pegar e ia ler só meses depois, em tankohon.

Dentro dessa minha biblioteca nerd de histórias e referências cruzadas, nada parecia divertido e as surpresas da vida me deixavam mais interessado do que o gancho no final de volume de One Piece. É muito parecido com o desinteresse dos especialistas, por exemplo, um cozinheiro que não sente mais o gosto de seus pratos. É um momento de frustração com o que fazíamos antes com tanta satisfação, algo como o tédio de se chegar ao objetivo. O sonho que se perde quando se realiza. E se tudo seguisse este caminho, talvez eu nem estivesse aqui, escrevendo sobre isso pra você.

Acho que o ponto de recuperação foi com minha namorada na época. Apesar de japonesa, ela fazia parte da pequena porcentagem dos japoneses que não leem e não se interessam por nenhum mangá. Passou sua adolescência estudando por hobbie (de verdade) e ouvindo música. Seu programa de fim de semana era comprar roupa ou ir com as amigas em algum restaurante que apareceu em revista. Conheci ela por causa de uma banda, em um show. E, com o tempo, ensinei ela a ler mangá.

Lion, do 10-FEET. Exatamente a mesma música do show, que era do single dela.

Na época, eu lia BECK, de Harold Sakuishi, depois do anime ter me interessado. E como a banda que nos uniu estava na trilha dessa série (10-FEET, com Little More Than Before), eu mostrei o mangá e falei que gostava. Na semana seguinte, quando fui à casa dela, a coleção completa estava lá. Ela comprou pra poder ler junto e ter o que conversar, já que a gente era muito diferente. E com a empolgação recém descoberta que ela tinha, nós podíamos conversar por horas sobre Mako e Koyuki, teorias da conspiração, participações especiais, capas de álbuns homenageados… Até o tipo de música que cada banda deveria tocar. Começamos a ler Nana juntos, por interesse dela. Eu a ensinava alguma coisa. E ela me ensinava também. E era uma nova forma de curtir.

Certo dia, ela perguntou se eu me considerava otaku, porque ela começava a se considerar. Respondi que não, porque eu só lia, não me importava tanto, era só um leitor normal e ela também. Ela, do alto de sua cabeça de vento de cabelos cuidadosamente enrolados e tingidos, em toda sua pompa de patricinha, me disse:

-Se você gosta muito, muito mesmo, melhor ser otaku. Pra que gostar pela metade, né?

Verdade. Afinal, eu gosto tanto de mangá que antes mesmo de saber ler, pegava volumes da Shonen Jump no colo da minha mãe. Gosto tanto que faço minhas próprias histórias. Tanto que mesmo quando eu abandono, continuo lendo alguns, sem conseguir abandonar de vez. E ainda contagio as pessoas em volta a gostarem também.

Todo o cinismo de querer saber de tudo, ser um “entendedor” e ler até o que eu não gostava só pra poder discutir acabaram me desligando disso tudo. Nada tinha mais graça e ver as pessoas descobrindo mangás que eu sabia que eram cópias de outros, clichés em cima de clichés, ativava uma reação natural de desdém. “Sabe de nada. Você precisa ler esse outro que é mais velho e criou tudo isso.” E ao invés de encorajar um novo leitor, acabava criando cismas. Minha falta de interesse, eu acho, precisava ser contagiosa para que eu pudesse me afirmar.

Fãs antigos são bibliotecas de Alexandria, catalogando todos os livros do mundo. Somos velhos chatos, cuspindo pra baixo com nossa experiência, arrogantes por saber de tudo e desprezar a maior parte, como rabugentos que comem dizendo que nunca comeram nada pior. Em nossa hierarquia de conhecimento, negamos a troca justa com quem chega agora e nos colocamos de mestres na tribuna, imunes ao debate, e não como companheiros. Não abrimos a roda, cobramos pedágio em forma de cinismo. Não aceitamos sentimentos irracionais. E assim, aos poucos, vamos esquecendo de degustar os sabores de cada história, o prazer do momento.

Não está na hora de queimar essas prateleiras todas e se concentrar em gostar? Aprender com os aprendizes e reascender a paixão?

E você? Não anda só catalogando e falando que tudo está ruim?

 

A tempo: A letra de Lion, por coincidência, é uma trilha perfeita pro texto. Pra quem entende japonês, as letras do 10-FEET são sempre muito legais.

Eu não li, mas minha waifu número 4 falou que é muito relevante como complemento!

A TRAJETÓRIA DE UM FÃ DE ANIMES E MANGÁS…

VALE A PENA VER TANTO ANIME?

23 ideias sobre “As bibliotecas de AleNERDia ou por que somos velhos chatos?”

  1. Texto sensacional, simples e direto, eu sempre deixo meus hobbies andarem lado a lado, uma hora video games, outra quadrinhos, outra livro, filmes.

    BONUS: Ownn que bonitinho essa descrição da namorada, patricinha, cabeça de vento… menos post que agregaram conhecimento e mais fofocas da vida pessoal xDD

    1. Obrigado, Eduardy. Que bom que curtiu!

      Eu meio que assumi que os leitores que curtem o XIL são mais como amigos, que sempre voltam aqui e por isso tô tentando ser mais aberto, pessoal. Eu não namoro mais com ela faz um tempo, ela ainda mora no Japão, mas a gente sempre se fala.

  2. Ficou muito bom o texto!
    Até eu já me peguei assim (eu nao tenho uma bagagem tão grande quando sua) ae quando noto é melhor freiar, por mais que tenham varias coisas parecidas nas obras, tem tambem varias coisas novas, para aprender, para conhecer, jeito e parar e pensar, relaxar e ver curtindo, muitas as vezes aparece aquela historia que te surpreende, e acaba renovando a avontade, ou as vezes parar de ver por um tempo e voltar depois. Novas coisas vão surgindo, sempre tem aquelas obras antiga que não viu ainda, ou uma nova saindo. Uma coisa que andei reparando é o grupo do facebook do Genkidama, que está muito assim, “pessimista”, as pessoas só falam dos defeitos dos animes, como termo que vc usou “velhos chatos” as vezes olho para alguns posts e nem parece um grupo que gosta de animes e mangá, vendo na maior parte só criticas negativas para pior, xingando muitos animes praticamente. Muitos usam o fato de não gostarem muito de algo para falar que não presta, como se fosse nivel de qualidade isso ou o gosto fosse universal. Acho que todos nós tinhamos que parar para pensar no assunto :)

    1. Obrigado, Ayri!

      É que o amor e o ódio são lados de uma mesma moeda. Assim como você namora, se casa e vive com uma pessoa, outras relações baseadas em amor passam por fases. O namoro é tudo de bom, o casamento começa realizador e aos poucos a rotina vai esfriando as coisas, você passa a enxergar defeitos, e aí, ou você se separa ou vai empurrando a relação porque o sexo é bom ou descobre um jeito de continuar amando apesar dos defeitos.

  3. Belo texto, concordo totalmente. Eu passei por essa fase no meu momento de cinéfila. Hoje eu vejo mais o que me interessa e quando tenho tempo dou uma chance pra alguma coisa não tão do meu gosto, para não ficar bitolada. Sem forçar a barra. E sim, a gente sempre pode aprender de quem vem depois. Descobri muito filme/mangá/anime bacana por indicação de meus sobrinhos e alunos.

  4. Ano passado eu tava nessa fase, no começo do ano queria ler e assistir tudo; sempre q alguem me chamava pra sair eu recusava e continuava imerso ao meu hobby.. dps me dei conta de q esquecia várias das coisas q eu via, justamente por n aproveitar devidamente e pelo excesso de conteúdo q eu estava ingerindo, então deixei as coisas um pouco de lado. Posso dizer q eu realmente gosto de mangas e animes, acompanho desde pequeno, passei minha infância assistindo e pesquisando sobre e tenho ctz q n aguentaria passar mto tempo sem contato com td isso xD

  5. Ótimo texto Sakuda.
    Teve um tempo que me senti exatamente assim com os animes, tanto que passei os dois últimos anos sem ver quase nada, pulei de cabeça foi nos doramas. Só na ultima temporada é que voltei a acompanhar animes mas agora só pelo prazer de assistir e os que realmente me interessarem, se não dropo logo.

    Ah Alexandria, sempre quis saber que segredos se escondiam naquele lugar.

      1. Na verdade, na verdade, o que tinha mesmo naquela época era fanboy da Grécia, tanto que o grego era a língua internacional e tudo mais.

        O negócio da época era estrada [mais rápido e seguro que navios], não acho que davam muita moral pros fenícios não.

  6. Interessante porque diz um pouco sobre minha situação atual.
    Comecei a ler mangás em 2008. Death Note, cara, aquilo foi fenomenal, 14, primeira vez na minha vida que lia/via algo que fez meu sangue gelar. Como sempre fui um bom estudante [apesar de que, a partir de quando entrei no ensino médio, minhas notas baixaram por n motivos e até agora não consegui recuperá-las] não fiquei aficcionado por mangás e estou assim até hoje, acho que meu “recorde” foi ler uns 7-8 mangás ao mesmo tempo, e só.
    Mas ano passado, um amigo me mostrou os primeiros eps de SnK e tb me passou onde eu poderia baixar os outros, desde então aumentei minha “carga de cultura”. Além dos mangás e agora dos animes, descobri as Light Novels [por causa de To Aru Kagaku no Railgun S], para “compensar” tanta japonezisse passei tb a ler algumas comics [Homem-Aranha Superior, Fábulas e Hellblazer principalmente] e recentemente descobri que os japas também fazem histórias em música [Mekaku City Actors]. Enfim, percebi que não dava mais, é muita “cultura” pra consumir. Ia assitir uns 9-10 animes nessa temporada, não os “dropei” mas tão “encostados”, talvez eu não os veja ou só pela metade, Novels fiz o mesmo, estou lendo só To Aru agora, quando eu terminar esse troço [vai demorar viu] aí passo pra outra. Mangás e comics não precisaria me preocupar pois são poucos mas vou diminuir o ritmo mesmo assim. Enfim, desabafei. :D.

    PS: Alexandria na Idade Média? Que eu saiba ela foi incendiada ainda no comecinho, no século 7. Não tem como ele ter sido importante por grande parte da idade média.

  7. Talvez você poderia fazer um post sobre os mangás que tiveram as ideias originais dos mangás lançados hoje em dia. Pode ficar um post enorme, mas poderia fazer em partes

  8. Este é um fenômeno (acho que seria esta a palavra?) que realmente acontece com quem tem contato com alguma mídia por muito tempo. Eu já passei pela fase de praticamente catalogar coisas e acabar lendo ou assistindo apenas o “material de origem”. Acho que isso passou quando comecei a me interessar mais pelo gênero Super Robot e a estréia de Kill la Kill, e redescobri aquela paixão por assistir algo que, mesmo não sendo novo por si só, tinha um sopro de ideias novas em seu contexto e uma emoção própria vinda da obra.

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