E o tal do Rap de Anime?

De uns anos pra cá, algo que tem crescido muito dentro da comunidade otaku é o Rap com temática baseada em animes. Esse gênero divide muita opinião e acaba sendo taxado como “vergonha alheia” por alguns, mas a verdade é que referenciar a cultura pop sempre esteve em voga no mundo do Hip Hop. Hoje vamos desmistificar esse movimento!

Então senta aí, relaxa e joga fora esse sentimento “cringe” que você tanto tem medo, e vem comigo.

Antes de nos aprofundarmos em como esse movimento de incorporar animes nas letras e rimas começou, precisamos contextualizar o todo.

Contexto: Hip Hop e Cultura Pop

O gênero Hip Hop sempre foi carregado com as referências culturais de seus MC’s, desde os problemas do bairro onde moravam até o que consumiam no dia a dia, como filmes, livros, outros músicos e até quadrinhos. Então, era natural para um gênero musical, que tem como uns dos seus pilares trazer a realidade da comunidade negra e periférica, colocar nas letras aquilo que seus intérpretes também admiravam. 

MF Doom era um exemplo de rapper que deixava escancarado a sua admiração por quadrinhos, principalmente os vilões das comics. É claro que MF Doom é um personagem criado e interpretado por Daniel Dumile. O artista sempre caminhou ao lado de suas referências pautadas na cultura pop, e a criação de MF Doom foi, em si, um exemplo disso. 

Na imagem. A silhueta de um homem negro usando um capacete de cor prateada.
Na imagem: MF Doom

A questão é que nunca foi incomum encontrar referências e homenagens a filmes, livros e quadrinhos nas letras de rap. Até os dias de hoje, esse tipo de recurso é usado.

Como já discutimos aqui no portal em nosso artigo sobre “Animes dentro da Periferia“, os personagens dos gibis e animações são facilmente alvos de comparação com a realidade dura das ruas. A ideologia de nunca desistir e continuar mesmo depois de ter apanhado na vida são espécies de mantras carregadas por comunidades que desejam se superar e vencer diariamente.

Muito pode ser dito sobre como o Hip Hop influenciou a cultura, principalmente a partir dos anos 90, quando ficou cada vez mais comum ver celebridades criando e se dividindo multiculturalmente em suas carreiras. Era cada vez mais comum ver jogadores de basquete apostarem em carreiras musicais, rappers investindo em na atuação e vice versa. Mas a cultura pop também tem uma influência gigantesca no gênero musical do Hip Hop e seus derivados.

Na imagem: Will Smith, um jovem negro com cabelo alto, com uma roupa colorida e um macacão preso apenas por uma alça.
Na imagem: Will Smith de Um maluco no pedaço – Rapper que se dedicou a sua carreira de atuação.

“…o Mc na maioria das vezes sempre está buscando informar o ouvinte, foi assim desde o início, e a cultura pop sempre está envolvida, fica nas nossas mãos ter a bagagem de conhecimento necessária (ou ir atrás dela) pra poder tirar o máximo de proveito da obra…” – L∅AD,  no artigo “A importância da cultura pop no Hip Hop”.

A ascensão do Nerdcore Hip Hop

O Hip Hop como gênero sempre teve vários estilos e abordagens, abraçar a cultura pop de uma vez era só questão de tempo, e foi assim que surgiu o Nerdcore Hip Hop.

Criado em meados dos anos 2000, o Nerdcore Hip Hop encabeçado pelo MC Frontalot, tinha como destaque em suas letras toda cultura geek e nerd da época. É um estilo que prega falar sobre aquilo que se gosta sem julgamentos, podendo desse modo abordar o que bem entender dentro do ritmo. 

Como já foi dito, citar elementos da cultura pop dentro das músicas de rap sempre foi algo comum. Na música “Wat’s Wrong“, o rapper Isaiah Rashad faz citação a Dragon Ball em sua letra quando menciona o Kaio Ken, por exemplo.

No vídeo: A música “Wat’s Wrong”, por Isaiah Rashad

Aqui no Brasil também não é incomum encontrar referências de anime nas letras de rap e trap. Emicida, Criolo, Rashid, Xamã, Froid, entre outros, também brincam com esses elementos nas suas letras.

No vídeo: A música “Convoque seu Buda”, por Criolo

Porém o Nerdcore, como o próprio nome soa, se trata de mergulhar direto nas referências e transformá-las não apenas em apoios para mensagem ou para rima, mas em parte central da sua estrutura.

Aqui no Brasil isso estourou com a onda Nerdcore Otaku. Músicos que começaram a escrever seus versos em canais do YouTube, como Tauz, 7minutoz, Mhrap, VMZ, Yuri Black, Takero, Felicia Rock e Águia, cresceram com essa identidade empregada na sua musicalidade.

“Por não ser um gênero comercialmente atraente, os artistas seguem carreiras independentes, no melhor estilo faça-você-mesmo: produções caseiras e informais, lançadas diretamente em plataformas de hospedagem de música…” – Marília Marasciulo no artigo “Nerdcore: conheça o hip hop feito por e para nerds”, da revista Galileu.

E, de fato, esse estilo não é muito comercial, mas como sua proposta é justamente criar um diálogo que ligue toda uma comunidade através de um gosto em comum, é natural que a própria comunidade acabe fortalecendo o gênero.

No vídeo: A música “Meu jeito Ninja”, por Tauz

 

No vídeo: A música “Mapeando a Imensidão”, por Felícia Rock

Anisongs e o Nerdcore no Japão

O Japão, por sua vez, já tem histórico de músicas direcionadas especificamente a produções animadas. Os “Anisongs”, como ficaram conhecidos, são músicas feitas para animes ou sobre animes.

Geralmente, bandas são contratadas para comporem e/ou tocarem as músicas de abertura e encerramentos de determinados animes. É claro que o gênero predominante nesse mercado é pop/rock, mas as características que os Anisongs compartilham com Nerdcore Hip Hop não são tão diferentes assim.

No vídeo: música de abertura do anime Shingeki no Kyojin

Outro exemplo é o Nerdcore Japonês, ou melhor, o Techno Nerdcore que não deve ser confundido com o estilo musical ocidental por uma mera questão de diferença em gêneros musicais e abordagens. O Techno Nerdcore japonês é um estilo de música eletrônica que incorpora samples, sons e trilhas de elementos da cultura japonesa (e às vezes da ocidental) e Dance Music num remix com tom mais cômico, e que fez muito sucesso nos anos noventa no Japão.

No vídeo: um exemplo de Techno Nerdcore japonês

Passa ser difícil distinguir o Nerdcore Otaku dos Anisongs, não só porque compartilham de uma estética similar, como também do mesmo público.

Por fim, o ponto que fica é: saiba que quando você chama um rap de anime de “cringe“, é só porque não entende as mensagens transmitidas nas aberturas que escuta com tanta paixão.

(Fica reflexão, agora vai balançar o esqueleto enquanto ouve um pancadão de Konoha) 

Referências

A importância da cultura pop no Hip Hop – artigo do L∅AD: https://pingback.com/load/a-importancia-da-cultura-pop-no-hip-hop 

Um pouco mais sobre o Techno Nerdcore japonês: https://rateyourmusic.com/list/TheScientist/rym-ultimate-box-set-japanese-nerdcore/ 

Nerdcore Hip Hop: https://www.google.com/amp/s/revistagalileu.globo.com/amp/Cultura/noticia/2018/10/nerdcore-conheca-o-hip-hop-feito-por-e-para-nerds.html 

Kaed, é formado em design(seja lá o que isso queira dizer) e ilustrador de fundo de quintal, gosta de dissecar e falar groselha sobre quadrinhos e animação com piadinhas no meio para descontrair e não parecer um esnobe de monóculo, além de ser uma tiete em tempo integral dos seus artistas favoritos de mangá. Para conferir um rabisco ou outro desse desocupado, confira o @dudesken no Instagram.