“Isso tem que ser bem animado para funcionar”

Olha, elaborar títulos é difícil. Esse, se refere ao pensamento que ocorre ao contemplar a premissa de um anime qualquer; naqueles casos quando a ideia da obra pede uma boa animação, sabe? Portanto, minha intenção aqui é elencar 5… 5?! É, “5” dessas premissas e argumentar sobre meu suspeito ponto de vista.

Ressalto que, animação, obviamente, é movimento essa noção pauta as seleções abaixo. Dito isso, vamos a elas.


1. Fire Force

Na eventualidade deste texto ter uma conclusão execrável, vou sorrateiramente jogar a culpa em Fire Force, afinal foi a série que me motivou a escrevê-lo. Ao meu ver, um universo que gira em torno do fogo, casa conceitualmente com “animação”. 

“Há pessoas sofrendo combustão espontânea a qualquer momento, e surge uma brigada de bombeiros especializada em cuidar desses estranhos casos. Shinra Kusakabe é um rapaz de sorriso sinistro e passado tenebroso que gera fogo pelos pés e sonha em ser herói , que se une a outros bombeiros que combatem incêndios e também têm o poder de controlar fogo!” — Sinopse furtada diretamente do Prime Video, que é onde Fire Force está disponível em sua plena oficialidade.

Ué, chamas não iluminam? Como um mundo refém delas é escuro?

Chamas são voláteis e despadronizadas, mas o mais importante é que elas estão sempre em movimento. Já ouviu alguém dizendo que “o fogo tá/parece vivo”? Não tenho certeza se eu já, porém faz sentido! Poucas coisas podem ser tão bem apontadas como símbolo da palavra “orgânico”. Ou seja: transpor essa noção para uma sequência de desenhos passando rapidamente na sua tela não é das tarefas mais fáceis. Fogo é fogo de animar

Fogo computadorizado de Fate/Stay Night: Unlimited Blade Works (2015).

Vira e mexe surge um anime que usa CGI¹ na tentativa automatizar o processo de animação das chamas; uns com mais sucesso do que outros, por vários motivos que geralmente não dependem da animação (tal qual uma composição de cena que falha em mascarar ou que minimiza a discrepância do efeito computadorizado junto do 2D), daí, no momento em que eu soube sobre o que se tratava Fire Force, me intrigou a predominância desse processo termoquímico serelepe, pois os “heróis” criam e manipulam o dito-cujo, enquanto os “vilões” são incêndios ambulantes. 

O intuito não é julgar as animações prontas das obras aqui mencionadas, contudo, fiquei contente ao ver que a David Production (Jojo’s Bizarre Adventure, Cells at Work!, etc.) resolveu manter o fogo (ou boa parte dele) em duas dimensões. Inclusive, mesmo não sendo desprovido de maneiras pra dar aquele migué e reutilizar a animação, o 2D costuma requerer maior tato por parte do responsável a fim de torná-lo convincente. E o exercício aqui é olhar para a ideia já vislumbrando uma execução ideal.

O uniforme padrão. Alguns usam armadura.

Logo, como se o fogo por si só já não tornasse o prospecto de animar Fire Force ambicioso o suficiente, há outros detalhes interessantes aos meus olhos que agregam ao nível de “pô, quero ver isso aí animado”: um deles, os uniformes, aparentam ser bem densos e pesados, características de incomum predominância dentre personagens principais de shōnen. A vestimenta pede cuidado com a sensação de impacto causada por movimentos grandes e com a capacidade de nos fazer acreditar que a locomoção com ela é diferenciada.

Outro agregador — o Shinra, que emite chamas dos pés e as usa como propulsão tal qual um par derocket boots (achei que fosse só coisa da ficção até descobrir que elas existem na vida real e ficar acachapado), gerando margem pra brincadeiras com aceleração e desaceleração e mudanças constantes na trajetória do movimento. Se ele não fosse o personagem principal, talvez não valesse a menção, só que, né, ele é. Um cara munido de uma habilidade dessas e com o tempo de tela de um protagonista… Haja dinamismo.

Aliás, nenhum dos atributos citados são exclusividade de Fire Force, visto que até Astro Boy têm papetes-foguete, por exemplo, porém é a soma desses vários fatores que preenche a premissa de movimento.

Quer dizer, possíveis movimentos. Premissa não se move.


2. Welcome to the Ballroom e Yuri!!! on ICE 

Aquele papo sobre fogo ser orgânico… Bom, pessoas também são, acho.

Você pode considerar esse “2 em 1” uma violação, só que tamanha pilantragem tem um bom motivo! Tanto Welcome to the Ballroom quanto Yuri!!! on ICE contam a jornada de auto-descobrimento do protagonista como pessoa e como performista, cada um em sua respectiva área de atuação: dança de salão e patinação artística no gelo. 

Conceitualmente, animações tem certo desprendimento da realidade. Se a ideia é retratar o real, o que está ao nosso redor, e transmitir isso na obra, a escolha lógica seria optar por um live action. Há casos (como esses), todavia, em que os criadores almejam aproveitar a liberdade que um desenho animado te dá e ao mesmo tempo dosar pitadas de realidade aqui e ali. 

Atividades tais quais a dança de salão e a patinação no gelo são dotadas de movimentos característicos e minuciosos que, para serem replicados, necessitam de atenção dobrada; triplicada, quem sabe. Na verdade, movimentos fidedignos ou não, o importante é causar a impressão de que o personagem está, de fato, se movendo de acordo com o esperado, ainda mais nos animes da vez. Neles, a prática artística é bastante relevante e presente, estando diretamente atrelada ao desenvolvimento dos protagonistas e à maneira como eles “saem da própria concha”, servindo de veículo para que ambos, Fujita e Yuri, se expressem e ganhem autoconfiança.

Os familiares com o termo “mocap” (captura de movimento) sabem que esse é um artifício muito utilizado na indústria de animação 3D com a finalidade de transpor os movimentos reais de alguém para o digital. O 2D possui uma técnica equivalente: a rotoscopia.

Rotoscopia em Aku no Hana. Difícil, mas ignorem o alemão. O idioma.

Precursora do mocap, ela consiste do tracejamento dos quadros de (geralmente) uma filmagem, tipo aquilo que a gente faz quando criança ao colocar uma folha de papel vegetal por cima de algo e redesenhar o que está abaixo. 

Aku no Hana é o exemplo mais notável do uso constante da técnica no universo dos animes, mas se eu tivesse que dar outros à alguém que está apontando uma arma para minha cabeça, citaria a abertura de The Perfect Insider e muitas daquelas obras que envolvem música (e que estão preocupadas com a exatidão dos movimentos e notas tocadas): Your Lie in April, Sakamichi no Apollon… até Haruhi Suzumiya, naquela apresentação musical da primeira temporada, são as que me vêm à cabeça. 

Às vezes também se anima em 3D pra depois fazer uma rotoscopia por cima, como foi feito aqui. O resultado fica com uma cara diferentona.

Hm

Ah, sim, Welcome to the Ballroom e Yuri!!! on ICE. Tendo em mente que a tal rotoscopia é uma saída pra ajudar o 2D a retratar movimentos realistas, a impressão pode ser de que talvez não seja complicado animar gente dançando ou patinando com excelência, entretanto a profissão de animador não é tão gentil. Uma coisa é ter determinada obra inteiramente com a estética de rotoscopia (Aku no Hana); outra, é conciliar o visual pré-estabelecido da sua animação com os momentos específicos em que a rotoscopia foi usada. Tracejar a gravação de uma pessoa fazendo… seja lá o que for e depois bater esse traço com o do seu personagem requer técnica e experiência. Além disso, a rotoscopia, com frequência, resulta numa fluidez maior da ação pelo número de quadros envolvidos na execução dela, então aí já temos uma dificuldade a mais, afinal: mais quadros; mais trabalho

Agora, não estou dizendo que os estúdios responsáveis por esses dois animes utilizaram ou não da rotoscopia pra fazer o que tinha que ser feito ou que seria a forma ideal de animar; estou dizendo que, não importa a solução escolhida, mesmo a mais óbvia carregaria consigo várias horas adicionais de trabalho para ser polida.

Rotoscopia é uma palavra muito feia. Isso eu digo.


3. Gangsta. e Koe no Katachi 

Água e óleo. Enquanto Gangsta. é uma série de ação sobre um trio de mercenários ganhando a vida numa cidade pouco acolhedora, Koe no Katachi exibe a busca por redenção de alguém que praticava bullying até ser vítima dele. O que há em comum entre ambas as histórias, e as faz aparecerem juntas aqui, é a presença de protagonistas surdos 

A ênfase na “surdez” como característica do personagem é distinta entre as duas, no entanto; já que, em Koe no Katachi, a deficiência da Shōko não é somente o alvo da chacota e o estopim dos eventos, também é simbólica do “aprender a ouvir” dito no trailer acima — processo pelo qual passa o Shōya. Em Gangsta., eu penso em várias palavras para definir o Nicolas: badass, reservado, assustador por fora, molenga por dentro… depois lembro que ele é surdo. Nem a história, nem ele e nem os outros personagens fazem grande alarde com a situação, deixando subentendido para que nós, o público, também não façamos.

O rastro de luz vem da arma disparada ao lado do ouvido do Nicolas. 

Diferentemente de coisas como Tom & Jerry em que, na maior parte do tempo, não há voz; a dificuldade na comunicação vocal é exclusiva de certos indivíduos nos contextos desses animes, não de todo mundo, então elas podem acabar destoando. Creio que a sacada da animação, aí, é trabalhar nos mínimos detalhes de acordo com a necessidade de cada premissa a fim de preencher esses personagens de, bom, personalidade.

Como eles se comunicam através de linguagem de sinais, já são vários e vários pequenos gestos que devem ser estudados pelos animadores no intuito de replicá-los; e, ao mesmo tempo, como os personagens topam com outras pessoas que não dominam os sinais, transparecer, na linguagem corporal, a tentativa deles de dialogar, é de suma importância. Digo, em todos os momentos o zelo pela qualidade da linguagem, linguagem, linguagem corporal é de suma importância: os trejeitos ao andar, as expressões faciais, manias… pequenas coisinhas que, juntas, dão vida para qualquer personagem fictício e, principalmente, para o Nicolas e para a Shōko

Enfim! As últimas duas premissas falam por si, eu ficarei quietinho. 


4. Redline

Eu já achava a premissa da Corrida Maluca bem maneira e vislumbrava como seria uma versão, sei lá, mais… séria? Redline pega isso e ergue pra proporções galácticas. Literalmente. 

“Carros equipados com deus e o mundo correndo um vale-tudo num ambiente futurista que é uma zona de conflito” é uma proposição de história que soa pra mim como se a Madhouse já tivesse moldado ela ao redor da ideia de exibí-la para o mundo como o pináculo da animação 2D. Ou algo do tipo. 

Quando você acelera a um nível em que o carro estica tanto quanto seu cabelo é longo.

É difícil evitar falar do produto final quando ele é tão insanamente belo e famigerado pelo escopo do trampo realizado na execução. Foram 7 anos de produção que resultaram em 100.000 desenhos feitos. Não seria nenhuma loucura se um dia alguém abrir um museu para expor, emoldurados, todos os quadros de Redline. Loucura é a premissa da obra.

Vamos listar os pormenores: temos a velocidade envolvida no automobilismo, as engenhocas e individualidades de cada carro, ditas engenhocas sendo lançadas em outras engenhocas… e nos carros, combate armado militar aleatório com uns robozinhos e nave gigante e a predisposição em fazer um lip-sync² realista. Tudo isso rolando concomitanmet… concomitent… simultaneamente durante boa parte de um longa-metragem, é, no mínimo, uma ideia audaciosa de fazer funcionar.

Me pergunto quanto tempo levaria para o mesmo Redline ficar pronto caso o estúdio decidisse fazê-lo hoje, uma década depois. Provavelmente, os mesmos 7 anos.


5: Prince of Stride: Alternative

Evitei ao máximo incluir apenas animes de esporte aqui, pois a não ser que sua percepção do gênero tenha sido contaminada pelos loops de animação e outras peripécias visuais de Super Campeões (do antigo, não sei do novo), o bom-senso diz que essas premissas deveriam envolver bastante movimento

Esporte, de acordo com o que apareceu no Google, é toda “prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza, com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição”. Você pode argumentar que dança de salão, patinação no gelo e automobilismo são esportes e… você estaria certo. Não tenho defesa contra tal acusação, mas vamos fingir que eu mantive a coerência.

Então, meu objetivo estava decretado: encerrar com um anime de esporte que, representando todos os que conheço, fosse o que parecesse demandar melhor animação. O plano era reservar o número 5 para Free! e Dive!!, pelo raso e questionável motivo de… ter água. E gente nela. Entretanto, um estalo mental seguido por uma forte dor de cabeça me recordou de Prince of Stride: Alternative.

Stride é uma mistura de corrida de revezamento com parkour. Estranhamente, a obra original detentora desse esporte é uma visual novel, uma mídia um tanto contraintuitiva pra uma premissa dessas. Se, por acaso, você a tenha jogado, me informe sobre como funciona o Stride lá!

“Parkour!”

O parkour sozinho já chama atenção. Sei muito pouco sobre a prática, mas ela com certeza exige múltiplas aptidões físicas para executar as manobras. Enquanto a corrida é autoexplicativa, horizontal e direta ao ponto, o parkour tem um quê de improviso, com sua verticalidade e obstáculos variados.

A ideia é muito legal e tem potencial. Se as acrobacias de Attack on Titan me fizeram almejar a produção de uma animação circense, Prince of Stride: Alternative poderia ser a “corrida ninja” dos animes, com piruetas e tudo. Infelizmente, esse que existe, da Madhouse, não é. Quem sabe um dia…


 

Finalmente! O fim da lista. O que me resta agora é implorar: que outras premissas clamam por boa uma boa animação? Diga! Por favor.

 


Glossário:

1 CGI: É uma sigla em inglês para o termo Computer Graphic Imagery, ou seja, imagens geradas por computador, a famosa computação gráfica. O termo se refere a todas as imagens geradas através de computadores feitas em três dimensões, com a profundidade de campo sendo possível graças apenas à computação. (Fonte: Canaltech

2 – Lip-sync: É um termo técnico para combinar o movimento dos lábios com a voz e pode se referir a qualquer um de uma série de técnicas e processos diferentes. (Fonte: Wikipedia)

 

Referências:

MyAnimeList | Fire Force

MyAnimeList | Welcome to the Ballroom

MyAnimeList | Yuri!!! on ICE

MyAnimeList | Koe no Katachi

MyAnimeList | Gangsta.

MyAnimeList | Redline

MyAnimeList | Prince of Stride: Alternative

Wikihow | “How to Get Started in Parkour or Free Running” (sim, olha onde eu fui parar)

Anime News Network | “Crew: Subbed Redline to Open Throughout U.S. in 2011”

YouTube | Howard Wimshurst 

 

Revisão: Karol Facaia

 

    Talvez formado no ensino médio, conseguiu um diploma de Produção Multimídia e é técnico em Animação 2D (mas, como discípulo do ET Bilu, busca por mais conhecimento na área). Tem ambições mundiais.