Minha culinária nipo-brasileira

Minha culinária nipo-brasileira resulta de três gerações de “é o que tem pra hoje”.

Finalmente acabou o difícil e sofrido ano de 2020! E para começar 2021 com mais amor e menos stress, meu primeiro texto será simples. Vou me basear mais em memória afetiva do que pesquisa. Falarei um pouco sobre comida e família.

 

Meus avós imigrantes

 

Aqui me refiro aos meus avós maternos, que eu conheço melhor. Os paternos sempre moraram longe, tínhamos pouco contato. Além disso, minha mãe tinha muita habilidade para tornar interessantes as histórias da família dela. Por causa disso, a memória ficou mais marcada.

 

A comida foi um problema principalmente para as primeiras levas de imigrantes japoneses no Brasil. Grãos, legumes, frutas, tudo era muito diferente do que eles conheciam. O começo foi difícil, entretanto, com o tempo, a situação melhorou. Meus avós aprenderam a fazer “comida de brasileiro”, e adaptaram pratos japoneses aos ingredientes locais. 

Imigrantes
Imigrantes japoneses chegando ao Brasil

Uma curiosidade que aconteceu nesse processo (pelo menos, na minha família) é que a comida brasileira ficava com “jeito japonês”. 

 

O feijão com arroz, a farofa, tudo ficava meio diferente do original. Isso acontecia porque minha avó sempre acabava tirando ou diminuindo a gordura e os condimentos em todas as receitas.

 

Ela costumava dizer que fazia isso por receio de que a comida ficasse muito “forte”. Imagino que, apesar de ter provado e gostado dos pratos brasileiros, havia um certo medo da novidade. Eram muitos ingredientes desconhecidos, um jeito de cozinhar quase totalmente oposto a tudo o que ela tinha aprendido. 

 

Vovô e o “surumê de cobra”

 

Outra curiosidade digna de nota é uma adaptação que meu avô fez de uma iguaria japonesa, o surumê. Na verdade, não sei se essa ideia foi mesmo do meu avô ou se alguém ensinou para ele. O fato é que deu certo.

 

Originalmente surumê é lula seca. Pode ser usada para fazer caldo de sopa ou como aperitivo. Meu avô amava surumê, porém não tinha lula no interior de São Paulo. 

minha culinária nipo-brasileira: surumê
O surumê, aperitivo favorito do vovô

 

Lembrando: era o início dos anos 1900. Conseguir frutos do mar morando longe do litoral e sem ter dinheiro era dificílimo.

 

Pois bem, na roça não tinha lula, mas tinha cobra. Quando apareceu uma na plantação, meu avô matou o bicho, limpou e fez todo o processo de secagem.

 

O resultado foi melhor que o esperado. O “surumê de cobra” ficou bem gostoso e foi ferrenhamente disputado. Afinal, a família era grande (meus avós tiveram 9 filhos),  mas a cobra não.

 

E assim, aprendendo e adaptando, a raiz da minha culinária nipo-brasileira surgiu.

 

E antes que perguntem, não, eu nunca comi o tal “surumê de cobra”.

 

Meus pais nisseis

 

Quando meus pais casaram, a situação era bem melhor. Ficou mais fácil conseguir produtos japoneses, desde comida, utensílios e até mesmo mangás (mas ainda custava caro). Também começaram a produzir muita coisa comercialmente no Brasil. 

 

Na nossa família, um símbolo dessa época era o makizushi de mamãe. 

minha culinária nipo-brasileira: makizushi
Makizushi (ou “pneuzinhos”)

Makizushi é aquele rolinho de alga e arroz que muita gente chama de “pneuzinho”. Existem vários tipos de makizushi, o que mamãe fazia chamava-se futomaki. É um makizushi que deve ter sempre um número ímpar de recheio.

 

Diferente do “surumê de cobra” do meu avô, o futomaki de mamãe era feito conforme o figurino. Desde o tempero até o número ímpar de itens de recheio, tudo certinho. Minha mãe preferia futomakis com 7 itens, mas quando faltava ingrediente, fazia com 5 e todo mundo gostava igual.

 

Claro que ela fazia certinho assim porque futomaki era comida de festa. No dia a dia, minha mãe quebrava todas as regras em nome da economia e praticidade. Misturava comida brasileira e japonesa dependendo do que saía mais barato no momento. Afinal, a família ainda precisava economizar muito para manter as contas em dia.

 

Eu e minha culinária nipo-brasileira

 

Sempre gostei mais de comer do que de cozinhar. Entretanto, a vida adulta chega para todos e quando passei a morar sozinha, tive que me virar. Assim como meus pais e avós, na hora de cozinhar procuro equilibrar disponível, barato, gostoso e saudável.

minha culinária nipo-brasileira: mesa posta
Alguns ingredientes pra uma refeição nipo-brazuca

O que deu mais certo para mim até agora é o que chamo de “cozidão”. Faço com pedaços de frango marinados com shoyu, limão e sakê e refogados com legumes e/ou verduras. Fica bom com arroz ou macarrão. 

 

Na verdade, o “cozidão” não passa de um yakissoba wannabe. 

 

Como eu disse lá no início, minha culinária nipo-brasileira resulta de três gerações de “é o que tem pra hoje”. Três gerações de pessoas quebrando a cabeça para conseguir se alimentar bem mesmo com pouco recurso. E tenho muito orgulho e carinho por isso. 

 

Fotos do Wikimedia Commons:

Imigrantes japoneses – autor desconhecido

Umejiso maki By Lombroso – Own work, Public Domain

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).