Strangers from Hell – O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe

Sejam bem-vindos a mais um #PitacosdoVilson! E em vista de estarmos no spookiest month of the year, gostaria de dedicar essa minha coluna a compartilhar com vocês e recomendar um dorama! Isso mesmo, o Vilson também é “Dorameiro”, ou quase isso. Nada mais conveniente ao temático mês do que discorrer aqui um pouco sobre essa série de terror!

O inferno são os outros

Lidar com pessoas não é uma tarefa fácil. Cada um tem suas particularidades, qualidades, defeitos, jeitos e trejeitos. Compatibilidade é algo que nem sempre acontece e isso gera atritos. Seja você tentando cuidar da sua vida e terceiros ficam se intrometendo, seja você o único do seu grupo de estudos que faz algo enquanto os outros são relaxados, seja você tendo que aturar cliente mal educado no seu trabalho, ou você tentando respeitar procedimentos de quarentena numa pandemia e um pais inteiro decidindo fingir que não tem absolutamente nada acontecendo. Em cada aspecto das nossas vidas somos obrigados a sempre estar à beira de um conflito, e isso é normal, pessoas são diferentes e opiniões colidem. Vemos muitos problemas nos outros, mas já parou para pensar que para os outros, você é o outro?

Yong Jong Woo é interpretado pelo ator e cantor Im Si-Wan. Ele também já fez parte de um grupo de K-Pop chamado ZE:A

Esse conceito é o pilar central que gira a história da produção Sul-coreana Taineun Jiogida, ou em tradução literal Hell is other People (O inferno são os outros), mas ao procurar pelo título no catálogo da Netflix, irá encontrar com o nome Strangers from Hell (Estranhos do Inferno). Logo de cara conhecemos o nosso protagonista Yoon Jong-Woo, um jovem que acaba de se mudar do interior para a grandiosa e movimentada Seul, graças a uma oportunidade de emprego cedida por um colega dos tempos de faculdade que acaba de iniciar uma empresa própria de publicidade, e além disso também poderia ter a chance de ficar mais próximo da namorada. Ainda tentando se manter sob seus próprios pés e com pouco dinheiro – menos ainda graças a um acidente logo na chegada a Seul que quebra seu laptop e já tem o gasto do concerto – o primeiro desafio é achar um lugar onde morar num preço que caiba no seu bolso; isso o leva a encontrar a pensão Éden, um prédio que fica no alto de uma colina e longe de tudo – e convenhamos, de uma qualidade duvidosa, tudo muito precário e sujo… bem ainda vou falar mais sobre isso – mas a um preço que ele pode pagar, decidindo ficar por ali até ter condições de se mudar pra um lugar melhor. Tudo podia seguir conforme o plano se os outros moradores não fossem tão… suspeitos~.

 

Aprendiz de Dorameiro

De vez em quando eu gosto de me forçar a sair da minha zona de conforto e consumir algumas coisas da mídia asiática diferentes. Por sua maioria me pego sempre no eixo animes-tokusatsu e obviamente tem muito mais conteúdo do que isso. Strangers from Hell não é o primeiro dorama que vejo, mas de fato é o primeiro coreano. Minha experiência com doramas anteriores foram todos japoneses em uma lista que posso contar os dedos:

– XXX Holic;

– Great Teacher Onizuka;

– My Boss My Hero;

– Tokusatsu Gagaga;

– E atualmente estou assistindo o excelente Yokai Share House.

Mesmo quando me dispus a assistir um dorama, ainda estava com aquele pezinho na zona de conforto, apenas vendo adaptações de animes, ou um com temática inerente de Tokusatsu e tudo dentro da ilha japonesa. Graças a recomendação de uma amiga, me interessei por SfH (vamos chamar assim a partir de agora pra facilitar minha vida) e sinceramente, não esperava a montanha russa de emoções que me aguardava.

Parte da experiência em assistir esse dorama foi em reparar nos fatores culturais e que são mais comuns a mídia coreana. Claro, tem todo o fator de ser um pais completamente diferente do Japão, e apesar de eu notar pequenas semelhanças entre as culturas asiáticas entre si, era fascinante notar as exclusividades, como por exemplo: censura em armas.

Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi que sempre que algum personagem empunhava um objeto que seria usado como arma (um martelo, uma faca, estilete) a imagem em cima dele ficava em blur e pelo que me foi informado dos mais conhecidos do meio de dorama, isso até que é uma prática bem comum; talvez não sejam todas as séries que usem isso, mas não é de se estranhar também. Era até mesmo engraçado em algumas partes em que um personagem estava usando uma faca para cozinhar e aparecia normalmente, mas na cena seguinte a mesma faca era usada contra alguém e instantaneamente o blur cobria a foto. Não é só nesses momentos que há censura, também aparece em cenas de gore ou nudez, mas até ai já é esperado.

O QUE SERÁ ISSO NA MÃO DELE?

Tenho que mencionar também que ouvir a série em coreano foi… estranho. Não de um jeito ruim, pelo contrário, mas estou há tantos anos consumindo conteúdo majoritariamente japonês, que com o tempo a gente vai aprendendo um pouco dos significados das palavras e diálogos por osmose. Em SfH eu realmente me senti como um estrangeiro, incapaz de associar o que aparecia na legenda com o que era falado. Me deixou genuinamente curioso de aprender um pouco mais da língua coreana.

A relação entre as pessoas também é muito parecida com o que estamos acostumados a ver no Japão, aquela coisa muito polida, educada, com honoríficos e tudo, o que de certa forma compõe uma parte muito importante do plot.

Não seja otário

Eu costumo afirmar que a pior coisa que pode acontecer quando assisto uma mídia é que eu não sinta nada por ela ou com ela. Seja alegria, raiva, emoção ou melancolia, acho que é muito importante que uma obra seja capaz de transmitir que tipo de sentimentos ela quer que você expresse conforme assiste, e SfH fez isso comigo com maestria. Acho que eu nunca senti tanto ódio por um protagonista na vida.

Acompanhar a jornada de Jong-Woo é um verdadeiro desafio ao exercício da empatia, pois todas as decisões que ele toma são… burras. Não tem jeito melhor de descrever. Desde o início a série tenta passar essa imagem que ele é um jovem inocente do interior passando por problemas na cidade grande, um pouco azarado e se vê obrigado a morar no pior lugar possível em toda Seul, mas isso não é verdade. A Pensão Éden é um lugar super anti-higiênico e os outros moradores são claramente pessoas não lá muito bem intencionadas, mas por mais que o preço fosse acessível a necessidade dele, duvido muito que essa fosse a única opção. É aí que começamos a entrar um pouco mais na espiral que é a mente de Jong-Woo, ele podia ter saído dali, mas e se ele simplesmente não quis?

Conhecendo-o um pouco melhor, aprendemos que ele é um escritor, gosta de dramas policias com assassinos meticulosos e articulado. Também vemos que ele passou um tempo no exército e não foi uma experiência muito positiva pra ele, foi traumático vendo os superiores abusando dos colegas militares com violência e humilhação – vale lembrar que na Coreia do Sul, por lei todos os homens saudáveis com idade entre 18 e 28 anos devem servir às Forças Armadas por cerca de dois anos como parte das defesas do país contra a Coreia do Norte – fora que apresenta uma tendência a reprimir seus sentimentos, principalmente a raiva e angustia.

Por várias vezes na série eu me via gritando para a tela “QUE CARA OTÁRIO!” vendo cada passo que ele dava a própria perdição, e ao fim de tudo, era exatamente isso que a série queria que eu sentisse. Todos esses traços da personalidade de Jong-Woo fazem dele o novo alvo de um elaborado e doentio esquema digno de uma sociedade secreta, onde vamos ver desde crueldade com animais até canibalismo. Infelizmente não posso me aprofundar muito nos eventos que levam ao terror da série, pois qualquer detalhe a mais do que já mencionei aqui seria um major spoiler e não quero estragar a experiência de quem for seguir minha humilde indicação e assistir SfH.

“Como pode o prédio todo estar cheio de lunáticos?”

A origem

Não cheguei a comentar até aqui, mas vale mencionar que SfH na Netflix é uma adaptação de uma Webtoon! Não sou muito familiar com o universo literário das Webtoons, mas nos últimos anos elas tem ganhado uma força enorme! Só esse ano tivemos até mesmo 2 animes da temporada sendo adaptações delas (Tower of God e The God of High School).

O autor de SfH é Kim Yong-Ki e ele tem talento para escrever um incrível thriller de terror psicológico. Por mais que eventualmente haja cenas de violência, tanto na série quanto na webtoon, elas são só uma pequena camada de um todo, onde o que vai te envolver mesmo são as investidas intelectuais dos moradores da pensão Éden. O traço de Kim Yong-Ki ajuda muito a tornar a experiência da Webtoon mais imersiva – algo que achei muito familiar com o que vejo em trabalhos como o de Junji Ito – mas claro, cada um dado a suas devidas proporções. A série de tv conseguiu trazer muito essa vibe na composição dos cenários e nas técnicas de filmagem, a trilha sonora também ajuda demais a construir os momentos mais tensos e a direção é impecável em puxar o melhor dos atores. Falando neles, nota-se o carinho e preocupação que tiveram em deixar todo o conteúdo o mais fiel possível com a obra original, parece que eles saltaram das páginas do Webtoon para a vida real.

A webtoon foi publicada em 2018 e foi tão popular que logo ganhou a versão adaptada para TV em 2019!

Conclusão

Strangers from Hell foi uma grata surpresa e uma experiência que vou levar pra vida. Confesso que inicialmente estava com as expectativas bem baixas, não por ser uma obra coreana ou algo assim, e sim porque com o passar dos anos eu vim me decepcionando muito com obras do gênero terror, que simplesmente não me cativavam ou me aterrorizavam, não me faziam ficar investido o suficiente na trama para que eu realmente sentisse medo, horror, desconforto e agonia. Essa é a grande diversão de consumir esse tipo de mídia afinal de contas, não é mesmo?

Se você gosta de um bom thriller de terror, essa é uma ótima pedida pra se assistir e maratonar na noite de Halloween!

 

Revisão: Deise Bueno

Redator para o Genkidama em duas colunas mensais: - TokuTudo: conteúdo diferenciado sobre Tokusatsu no Brasil e no mundo. - Pitacos do Vilson : conteúdo diverso sobre animes, mangás, filmes e diversos aspectos da cultura japonesa. Também sou podcaster e faço parte do Henshin Rio, somos 5 cariocas especializados em falar sobre Tokusatsu.