A música fala mais alto que palavras – Your Lie in April

Qual o peso de carregar o sonho de outra pessoa? E quando o sonho de outra pessoa se mistura com o seu, como estabelecer um limite exato entre as próprias expectativas e de terceiros? Como mensurar o impacto que um encontro repentino causa na vida de alguém?  Essa é a história de alguém que já havia desistido de ver o mundo colorido, mas, graças a uma fagulha, voltou a sonhar. 

 

Your Lie in April (Shigatsu wa Kimi no Uso) é um mangá de Naoshi Arakawa publicado no Japão entre 2011 e 2015. Com 44 capítulos lançados na edição mensal da Shounen Magazine, foi compilado em 11 volumes fechados. Uma adaptação em anime foi realizada pelo estúdio A-1 Pictures (responsável pelos animes de Sword Art Online, Blue Exorcist, Fairy Tail e The Promissed Neverland) com 22 episódios exibidos entre 2014 e 2015 no Japão. 

Na história, conhecemos Arima Kousei, um pianista prodígio ainda criança. Filho de outra pianista famosa, ele ficou conhecido por tocar impecavelmente as partituras de piano – apelidado de “metrônomo humano” por tamanha destreza. Para uma geração de crianças que também estudavam música, Arima se tornou um herói, uma meta a ser alcançada e superada. Mas após o falecimento da mãe o garoto some dos palcos e recitais de piano. O motivo? Ele está traumatizado, trauma causado pela soma dos treinos exaustivos impostos pela mãe e pelo falecimento dela. Agora, ele não consegue mais ouvir as notas que toca. 

Dois anos depois, com seus 14 anos, Kousei segue vivendo afastado dos palcos, mas não totalmente da música. Ele transcreve partituras de canções populares para karaokê. Seus melhores amigos estão sempre por perto — a energética Tsubaki e o mulherengo Watari. Os três são amigos de infância e Tsubaki é vizinha de Arima. Ela o convida para acompanhá-la numa espécie de encontro forjado para que uma amiga sua seja apresentada à Watari. Para Tsubaki, como essa amiga em questão também é musicista, ela e Arima teriam assunto. Mesmo relutante, ele aceita o convite. 

Quando chega no ponto de encontro, ele vê algo que nunca mais pôde esquecer: a imagem de uma garota no alto de um brinquedo, tocando uma escaleta para algumas crianças que a assistiam. Ela, Kawori, é a amiga de Tsubasa. Quando Watari e Tsubaki chegam, os quatro correm para o centro de eventos ao lado: Kawori tinha uma apresentação no recital de violino. 

Arima não ia a um auditório havia dois anos, mas toda a tensão sumiu quando Kawori subiu no palco. Sua apresentação foi totalmente contra ao que os outros concorrentes apresentaram, com uma interpretação pessoal da partitura – o que enfureceu alguns dos juízes. Após este dia Kawori tenta fazer com que Arima volte para o mundo da música e toque o piano para acompanhar o seu violino. 

Naoshi Arakawa é o artista responsável pela criação de Your Lie in April. Seu mangá anterior, Sayonara, Football, apresentava uma história completamente diferente, como o título sugere: um mangá sobre futebol.  Numa entrevista concedida ao Anime News Network durante o Anime Expo 2016, nos Estados Unidos, Arakawa falou um pouco sobre seu processo de criação e a relação com os fãs de seus mangás. Ao ser questionado sobre o porquê de abordar música, e não esportes, como de costume, ele disse: 

 

Às vezes, é entediante ficar preso a um único gênero de narrativa. Nessas horas, a vontade é de experimentar um gênero diferente para se desafiar em algo novo, numa nova abordagem narrativa. Foi por isso que decidi explorar o mundo da música ao invés do esporte com Your Lie in April

 

O artista também disse que, ao ver a imagem de uma pessoa tocando violino na TV, se sentiu inspirado a desenhar algo, além de achar que não havia muitos mangás musicais que focassem em violinos. Ainda em 2016 o canal oficial da Kodansha, editora responsável pelo mangá no Japão, postou um vídeo com Arakawa fazendo uma ilustração da série

Assim como em Sakamichi no Apollon — anime sobre amigos que tocam Jazz no Japão dos anos 1960 —  em Your Lie in April temos um grande repertório musical apresentado. Mais especificamente, de música clássica. Segundo o autor, uma das razões em escolher  a música clássica para sua história foi o mangá Beck, de Harold Sakuishi, que era publicado na mesma revista na época e contava a história de uma banda de rock.  Ele disse que “não queria um mangá sobre um mesmo gênero musical sendo serializado o mesmo tempo na revista”.

A trilha do anime é composta por músicas originais e versões de composições clássicas de musicistas como Bach, Beethoven, Mozart e Chopin. Embora o CD de trilha sonora oficial da série contenha apenas as músicas compostas originalmente para o anime, as peças clássicas também estão presentes e possuem importância para a história. As cenas em que os personagens estão tocando mostram o ótimo trabalho que o estúdio A-1 Pictures fez com a adaptação. 

Além do mangá e do anime, foram lançados no Japão o mangá  Shigatsu wa Kimi no Uso – Coda, história em volume único sobre a infância de Kousei e Tsubasa, e Shigatsu wa Kimi no Uso: 6-nin no Études, light novel sobre eventos anteriores à história oficial. A light novel foi escrita por Yui Tokiumi — responsável pelas light novels de  Orange e Yowamushi Pedal.  Em 2016, foi lançado um filme em live-action baseado na história. 

O mangá foi publicado no Brasil em 2017, pela Panini. Lembro de ter comprado os 3 primeiros volumes lançados na época, mas como estava lendo outras coisas, deixei de lado. No começo do mês, contudo, resolvi assistir ao anime. Mesmo sem grandes expectativas, logo me vi completamente envolvido e curioso em seguir acompanhando a série em seus 22 episódios. O anime está disponível na Crunchyroll

Videomaker e ilustrador, formado em Design Gráfico, coleciono mangás desde os 9 anos. Fanboy da CLAMP e traumatizado por Nana não ter acabado ainda, tenho grande interesse em pensar quadrinhos e seus contextos sociais. Atualmente pesquiso quadrinhos e diversidade na USP e trabalho com jornalismo