Animimizando: Tower of God e como manipular emoções

A personagem Rachel chegou como uma voadora dolorosa no gosto de muitas pessoas, independentemente do número do público que adorou ou detestou a animação, o consenso geral é de que a loirinha sardenta é do mau! Mas calma lá, nós primeiro precisamos fazer o exercício de entender o porquê desse ódio todo.

Tower of God é uma adaptação e produção original bastante recente no catálogo da Crunchyroll, mas além da obsessão pela palavra “God” no título dos seus projetos pessoais, a Crunchyroll também trouxe à tona a onda das animações sul-coreanas para o grande público, e isso nos leva a pensar um pouco sobre qual é a grande diferença entre as histórias japoneses e as histórias sul-coreanas?

Não posso dizer que li muitos manhwas ao longo da minha vida, o único que consigo me lembrar de cabeça é um título que a editora Conrad uma vez trouxe para o Brasil, Gui.

Gui, o guerreiro fantasma, do artista Kim Young-Oh, era um manhwa que se baseava na ideia bem similar aos títulos mais violentos com temáticas feudais/medievais no Japão, como Vagabond, Basilisk, ou mesmo Berserk, basicamente é um cara que vaga por aí atrás de inimigos muito barra pesada, que tem alguma origem mística em comum com o protagonista, e eles lutam até a morte.

A questão aqui é a forma como os dois países, em suas mídias similares, lidam com os temas propostos. Em Gui o protagonista, o típico caladão, não é exatamente o ponto que intriga o leitor, mas sim a garota que tem o seu amigo, ou figura paterna, assassinada pelo protagonista no início da trama. Em segundo plano acompanhamos a angústia dessa personagem e de como ela vai lidar com esse sentimento e o mundo sujo ao seu redor.

 

(Ok, sem mais spoilers, mas isso acontece no primeiro volume!)

Uma coisa comum que se pode traçar entre Tower of God e Gui, e quem sabe futuramente em The God Of High School, é a ambiguidade dos personagens. Aqui o vilão não é maligno porque ele precisa ser mau, ele tem uma construção que fica difícil de se distinguir os seus ideais, o antagonista e o protagonista são definidos pela perspectiva que o autor decide nos revelar.

(The Last of Us: parte II – parece que esse tipo de trama tem ficado ainda mais comum, hein?)

Embora Gui tenha sim um vilão mais definido como tal na trama, o grande ponto de virada é a interpretação que se abate sobre as personagens femininas nas obras. No Japão, às vezes existem personagens retratadas como manipuladoras ou figuras traiçoeiras, que traem os protagonistas masculinos subitamente, querendo criar uma relação de inocência e “coitadismo” do “herói bondoso e generoso”.

(Familiar, não é?)

Mas não se preocupe, isso não é um texto para militar contra uma obra ou atitude de autores em suas decisões de roteiro, muito pelo contrário, o uso excessivo desse elemento narrativo manjado em obras japonesas, não só nos revela problemas pessoais mal resolvidos dos artistas com seus psicólogos, mas a falta de desenvolvimento, a personagem conspira contra o protagonista porque ela é vil e ponto, esse é o problema.

Obviamente não estamos generalizando, devem sim existir obras japonesas em que esse recurso é usado com mais desenvoltura, mas nesse caso nós estamos observando outro país, e outra obra, Tower of God.

Rachel não age de maneira vazia, embora o autor, ou melhor, os diretores da animação, tentem manipular as emoções do público para que o sentimento de traição seja amargo, ao longo da trama tentam criar esse paralelo da antagonista com o público.

Mas é nas nuances onde finalmente é revelado os motivos de Rachel, que os conflitos internos da antagonista tentando se afastar do destino que ela mesma selou tomam destaque, ela não é mais só a manipuladora do mal, ela é uma garota sufocada por aquilo que o personagem protagonista parece ser, e talvez você não tenha percebido, um completo dependente de uma figura protetora.

Imagina você ter alguém agarrado a você o tempo todo! Você com certeza iria empurrar ele oceano abaixo também.

 

Revisão: Karin Cavalcante

Kaed, é formado em design(seja lá o que isso queira dizer) e ilustrador de fundo de quintal, gosta de dissecar e falar groselha sobre quadrinhos e animação com piadinhas no meio para descontrair e não parecer um esnobe de monóculo, além de ser uma tiete em tempo integral dos seus artistas favoritos de mangá. Para conferir um rabisco ou outro desse desocupado, confira o @dudesken no Instagram.