A paródia genial em South Park do mundo dos animes

Era o final dos anos 90, eu chegava na minha turminha de primeira série e o assunto do momento era Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco. Eram animes que não paravam de passar na televisão brasileira, nós crianças colecionávamos cartinhas desses animes, que vinham junto com chicletes ou salgadinhos. Todos os garotos tinham o sonho de completar aqueles álbuns de figurinhas e ganhar aquela bicicleta de prêmio que viria caso conseguíssemos (ninguém nunca conseguia, já que a última cartinha eles não vendiam de propósito, sempre faltava uma). E é claro, a brincadeira favorita dos meus coleguinhas era de sermos os personagens daqueles animes que tanto gostávamos. Um soltava Kamehameha no outro, que mesmo invisível ainda fazia dano, nos transformávamos em Super Sayajins que ultrapassavam o número 1000 e disputávamos quem seria o Ikki de Fênix, já que todo mundo queria ser o Ikki de Fênix. Esse era o impacto que os animes que passavam na televisão aberta tinham nas crianças.

Os animes eram transmitidos de manhã e eram acessíveis para todas as crianças. Não era à toa, o objetivo era vender brinquedos, afinal. Porém, se reassistirmos esses animes tão famosos daquela época podemos reparar algo bem errado: muitos insultos, a palavra “inferno” repetida milhões de vezes e violência extrema (que ficava ainda pior se considerarmos a animação mais detalhada e realista da época). Não era incomum meninos brincando que estão sangrando ou mandando o outro pro inferno na inocência e pais proibindo crianças de assistirem esses animes.

Deve estar pensando então que a censura pegava muito menos pesado nessa época, não é? Porém, quantos animes apresentando nudez ou algum tipo de piada sexual eram transmitidos? Talvez alguns ovas passando pela Rede Manchete, mas em geral pouquíssimos. Hoje em dia, animes como Os Sete Pecados Capitais (Nanatsu no Taizai) são muito famosos entre crianças, e lotados de piadas com nudez, algumas bem ofensivas. Mas naquela época, mesmo com violência passando na televisão, a nudez foi mais censurada. Basta pegar de exemplo Dragon Ball, em que podíamos assistir Kuririn agonizando por vários minutos com o chifre de Freeza enfiado em seu peito e seu sangue escorrendo, mas não víamos nos programas infantis as piadas de Goku vendo a calcinha de Bulma viamos Seiya levando 20 minutos de surra de um inimigo com um litro de sangue escorrendo. (como vc estava falando que a nudez era censurada e colocou esse trecho de violência como parte da censura, fiquei em dúvida. vc estava dizendo que a violência era permitida e tal)- Coloquei ou ao invés de viamos foi mau.

Essa censura não acontecia só no Brasil, em outras partes do mundo também. Mas por que isso acontecia? Muitos desses animes já vinham com esse tipo de censura nas outras partes do mundo, por chegarem de uma base da dublagem americana. Embora os americanos pegassem muito mais pesado na censura que outros países, a ponto de modificar diálogos na dublagem ou trocar a cor do sangue para azul (como aconteceu em Cavaleiros do Zodíaco por lá), o Brasil não era muito diferente. Nos anos 90, exibiam desenhos infantis baseados em filmes com violência extrema como RoboCop, Rambo e Chuck Norris, animações com personagens de músculos exagerados que resolviam tudo com violência, mas no final ainda te davam algum tipo de lição de moral, tudo é claro com o mínimo de nudez.

Esse é um aspecto que foi parodiado em um dos episódios mais famosos da animação adulta South Park de nome “Good Time With Weapons”. Que aborda a consequência desse tipo de censura em animes e animações dos anos 90 nos Estados Unidos. Mas antes, vou falar um pouco sobre South Park.

Além de animes, gosto muito de acompanhar diferentes tipos de animação, sendo adultas ou infantis. South Park é uma das poucas animações adultas que mantem minha atenção até os dias de hoje. Mesmo tendo violência e palavrões, os escritores dão um show quando se trata de construção de narrativa. A narrativa baseada em causa e consequência faz com que nenhum momento de algum episódio pareça inútil e o fato de que cada episódio tem uma lição no final faz com que a experiência seja proveitosa, você não sente que foi uma perda de tempo. Concordando ou não com a lição que um episódio de South Park tenha a lhe dar, você não se envolve menos com a narrativa justamente por chegar em algum ponto. Claro, cada episódio aparece um garoto te explicando a lição do episódio na sua cara tratando o público como idiota, essa sempre foi a ideia do desenho, tratar o público como idiota o máximo possível e as crianças como inteligentes.

Porém, South Park tem um problema que outras séries adultas famosas não tem: suas lições e tramas se tornam datadas com facilidade. Isso porque South Park não tenta prever o futuro, suas tramas e lições são sobre o agora. Acompanhar um episódio antigo não é tão divertido quanto acompanhar um episódio antigo de Os Simpsons, que usam tramas universais e atemporais. Mas acompanhar um episódio assim de South Park pode te ajudar a receber um contexto da época.

O episódio Good Times With Weapons foi lançado em 2004, mas aborda um tema que já estava datado  para a época que o episódio saiu. Fala sobre a influência dos animes e animações violentas na mente das crianças no final dos anos 90. O quanto a violência extrema era permitida na televisão, mas a nudez vista com muito mais alarde. É o segundo episódio favorito do co-criador da série, Trey Parker, e é baseado em suas experiências como criança na época da chegada de Street Fighter 2 e seu sucesso.

Atenção: a partir daqui contém Spoilers!!!

O episódio começa com o grupo de protagonistas Stan, Kyle, Cartman e Keni comprando armas de verdade com um vendedor. Eles conseguem isso fingindo que seus pais haviam morrido. O grupo usa as armas para brincar de ninjas de uma série de anime, soltando poderes e insultos um com o outro e disputando quem tem o poder mais forte. Cartman, por exemplo, diz que o personagem dele tem o poder de ter todos os poderes. Que amigo quando brincou nunca disse isso? Um pequeno detalhe é que os meninos se imaginam como protagonistas musculosos de anime, então ao fundo uma música japonesa com letras em inglês sem sentido toca do nada.

Até aí o episódio corre normal, com os meninos se imaginando como personagens de anime musculosos e a animação acompanhando sua imaginação. Bem parecido com quando eu brincava com meus amiguinhos na primeira série. Porém, não demora para  a trama dar uma reviravolta cruel. O personagem Butters decide entrar na brincadeira usando seu alter ego, Professor Caos, e aparece uma cena hilária de Butters andando pelo quarto, se imaginando como um super vilão musculoso, com o estilo de animação mudada e a mãe agindo naturalmente. Acho que todo menino ao brincar desse tipo de coisa se imaginava dessa maneira.

A reviravolta acontece quando Keni acaba acertando uma das shurikens de verdade no olho de Butters. É uma cena bem pesada, graficamente feita realmente para te chocar, algo bem comum em South Park. Durante todo o episódio, os garotos tentam esconder dos pais que machucaram o amigo, por medo de serem repreendidos. No final do episódio, Butters aparece ferido em um leilão na frente de centenas de pessoas e Cartman se imagina como um personagem de anime, tira suas roupas e aparece pelado fingindo estar invisível. Todos os adultos ficam chocados, mas não com o garoto com uma shuriken enfiada no olho por conta de uma brincadeira boba, mas sim por causa do garoto pelado aparecendo em público.  O episódio então termina com um dos protagonistas dizendo algo como “os adultos não vão ligar para violência enquanto houver nudez para se preocuparem”, e os garotos terminam felizes com suas armas perigosas.

Fim do Spoiler

A maioria das paródias de animes feitas por animações americanas brinca com o fato dos personagens terem olhos grandes, gritarem para tela constantemente ou terem animações recicladas, por isso se tornam mais vergonha alheia do que inteligentes. Mas essa paródia é divertida e com uma crítica bacana. Claro que, como a maioria dos episódios de South Park, esse ficou bastante datado, na verdade já era datado na época em que saiu. É uma crítica a um problema que nem existia mais no ano de 2004 (quando o episódio saiu). Nessa época, os animes já começaram a receber uma censura de violência muito mais pesada, e funciona muito menos nos dias de hoje, em que animes nem são mais assistidos na televisão. Mas como a maioria dos episódios antigos de South Park, mesmo assim, são bons para se entender o contexto de uma época. Para mim foi um episódio que me trouxe não só nostalgia, mas também me fez refletir bastante sobre esse tema, porque eu não tinha parado para pensar nisso quando assisti pela primeira vez, por isso quis compartilhar esse episódio e essa reflexão.

 

Nota
Cavaleiros do Zodíaco está disponível na Crunchyroll
Os Sete Pecados Capitais (Nanatsu no Taizai) está disponível na Netflix
Dragon Ball Super está disponível na Crunchyroll

 

 

 

Revisão: Karin

    Curto ver animes e jogos de maneira crítica. Adoro escrever.