2020 – Japão Submerso: melhor anime desse ano!

Sejam bem-vindos a mais um #PitacosdoVilson, a minha coluna mensal para eu dar meus pitacos no que eu achar conveniente sobre o mundo geek/nerd/otaku e japaixões em geral. E hoje vamos falar de Masaaki Yuasa!

Acho fascinante quando uma série ou filme retrata o seu país de origem. Aqui no Brasil mesmo, por exemplo, sempre que alguma das nossas produções nacionais ganha espaço internacional é sempre sobre três tópicos bem distintos: pobreza (tanto como recurso de comédia quanto mostrado com seriedade), dramas carcerários e violência policial. Para os animes não é muito diferente. Eles ressaltam e exportam aquilo que faz do Japão o país na visão internacional. Uma das coisas que sabemos sobre o Japão é a sua posição geológica conturbada, uma pequena ilha no meio do Oceano Pacífico e que sofre com problemas naturais devido sua localização, vulcões ativos, terremotos constantes, tsunamis e furacões.

A mais nova aquisição da Netflix foi a adaptação animada dirigida por Masaaki Yuasa, Japan Sinks: 2020, no Brasil traduzido literalmente como 2020 – Japão Submerso. O anime adapta o mangá de mesmo nome (tirando o “2020”) de Sakyo Komatsu, mas essa não é a primeira adaptação do título dos anos 70. Já houve, pelo menos, dois filmes inspirados na obra.

O anime, assim como o mangá original, conta a história de um terrível evento cataclísmico, no qual um terremoto faz com que todo o arquipélago japonês comece a afundar no oceano. Somos apresentados à família Mutou junto de outros sobreviventes, fazendo o seu caminho por um Japão devastado.

Algo que nunca faltou na cultura pop foram filmes usando catástrofes naturais como alegoria e crítica à realidade. Eu mesmo sou um grande fã dessa temática e estou sempre consumindo esse tipo de mídia. Tenho como favoritos filmes como 2012 e O Dia Depois de Amanhã, que tem como fator em comum o destaque da importância da ciência, relação homem x natureza e a perseverança humana em meio ao caos. No âmbito otaku, já tivemos a excelente série animada chamada Tokyo Magnitude 8.0 e o título é bem auto explicativo sobre o que se trata.

Comparando com Tokyo Magnitude 8.0, 2020 – Japão Submerso vai mais além, afinal, estamos falando de um país inteiro sumindo do mapa. Logo nas cenas iniciais, sentimos quase que na pele o impacto do tremor e a literal sensação de estar afundando, da mesma forma quando temos aquele tipo de sonho em que estamos caindo e acordamos com o susto. O tremor é tão poderoso que o chão parece sumir do nada dos pés das pessoas, como se estivessem dentro de um elevador e do nada ele caísse. Nesse momento conhecemos o primeiro membro da família Mutou, Ayumu, uma adolescente de 14 anos que estava fazendo seu treino de corrida, almejando ser uma atleta nas próximas Olimpíadas. Ela estava no vestiário junto das colegas de equipe quando o tremor aconteceu, e já temos aí um indício do que veremos nos outros 10 episódios da série. Cenas fortes e explícitas do retrato que uma tragédia desse calibre causa. Pessoas esmagadas por escombros, um visual explícito no gore. Ayumu, morrendo de medo da situação, sai correndo e deixa para trás uma colega pedindo por ajuda, com, provavelmente, mais da metade do corpo esmagado por um escombro.

Conhecemos o resto da família Mutou conforme vemos o esforço de cada um para se reunirem, Koichiro Mutou, o pai, facilita essa reunião chamando a atenção ao iluminar com luzes coloridas a escadaria para um templo no alto de um morro, algo que os Mutou sabiam que só ele seria capaz de fazer. Go Mutou é o filho mais novo, ele estava em casa no momento do desastre, e a sempre otimista mãe da família Mari Mutou.

A jornada dessa família e dos amigos que a acompanham e conhecem no decorrer do caminho não é fácil, e aqui ressalto que, caso você ainda não tenha assistido, fica o aviso de cuidado, alguns eventos podem disparar gatilhos nas pessoas, pois além de mostrar as consequências terríveis de um desastre natural, também mostra o lado mais feio do ser humano. Não leva nem dois episódios, por exemplo, para que surja um homem se aproveitando do caos e desordem para tentar estuprar uma das personagens amiga da família Mutou. Mesmo com poucos episódios, a série consegue usar o cenário catastrófico para explorar emoções e situações que só esse tipo de história pode trazer. Em alguns momentos da narrativa, ainda é dado espaço para se falar sobre críticas a fragilidade da fé humana, seitas religiosas e até mesmo elitismo eugênico.

É sempre impressionante o limite do ser humano em meio à adversidade, o instinto de sobrevivência, do auto sacrifício. Sendo uma obra japonesa, há muito também da mensagem carregada de que o futuro está na mão dos jovens e os mais velhos têm que ser os responsáveis por pavimentar esse caminho.

Uma dose de realidade

As causas naturais do acidente geológico são muito bem explicadas e pautadas cientificamente, porém, apenas exageradas para o bem da obra. O Monte Fuji, símbolo do Japão e de inúmeros cartões postais, é um vulcão ativo, mas com baixa incidência de erupção. Para vocês terem ideia, a última vez que ele demonstrou atividade vulcânica foi em 1707 e pelos relatos históricos não foi nada bonito. Porém, um estudo de 2014 mostrou que apesar de tranquilo, o Monte Fuji corre um risco de erupção, por causa disso o Japão investe pesado em pesquisas para, caso ocorra uma erupção, haja a possibilidade de lidar com a situação.

Cientistas fizeram algumas simulações para estimar como seria o impacto da erupção e chegaram à seguinte conclusão:

“Os cálculos finais dessa simulação revelaram que a queda de cinzas, logo após uma erupção do Monte Fuji, atingirá primeiramente as províncias de Shizuoka e de Yamanashi, onde o monte está situado, se estendendo até Kanagawa, Tóquio e Chiba. Essa projeção, no entanto, pode ser ampliada para praticamente toda a região metropolitana de Tóquio (Gunma, Tochigi, Ibaraki, Saitama, Chiba, Kanagawa, além da cidade de Tóquio).

De acordo com o estudo, Shizuoka poderá ter um acúmulo de 1,20 metro de cinzas, o que corresponde a uma queda de 1 a 2cm por hora.”

Fonte: https://mundo-nipo.com/noticias-2/23/03/2019/estudo-simula-consequencias-da-temida-erupcao-do-monte-fuji/

Vale lembrar que os materiais expelidos por um vulcão são extremamente tóxicos e o acumulo de cinzas na atmosfera pode causar até mesmo climas invernais rigorosos por bloqueio da luz solar.

Devemos lembrar também que não faz nem 10 anos (2011) que o Japão passou por um terrível terremoto seguido de tsunami que atingiu a província de Tohoku. O mundo inteiro voltou os olhos para esse evento, todos abismados e assustados com a força da natureza.

Por mais fantasioso que sejam os eventos em 2020 – Japão Submerso, podemos perceber que há muito do sentimento daqueles que vivenciaram eventos tão terríveis. É uma alegoria para lembrarmos que somos pequenos e frágeis, que somos parte da natureza, não só aqueles que a dominam. Muito do que acontece na série poderia ser evitado ou, pelo menos, amenizado se tivessem dado a devia voz e importância aos cientistas. No momento, na nossa realidade, não estamos correndo o risco de um terremoto, mas podemos entender bem o que acontece quando ignoramos os fatos e os especialistas, chegando às milhares as vítimas da Covid-19.

A estética de Yuasa

A qualidade da animação é exatamente o que se espera vindo de Masaaki Yuasa. Se você já acompanhou qualquer trabalho dele, sabe que uma coisa é certa: não venha esperando traços genéricos ou “bonitos” de anime. Já houve toda uma discussão do que é beleza no quesito animações quando Keep Your Hands of Eizouken foi ao ar e invadiu os nossos corações, e vejam só de quem é mesmo essa produção? Yuasa! Não vou mentir para vocês, às vezes o traço disforme e sem padronização causa um pouco de estranheza, algumas cenas parece que cada segundo foi desenhado por uma pessoa diferente, mas Japão Submerso é MUITO MAIS do que isso, que se torna irrelevante, e essa talvez seja a maior característica do animador e diretor de renome. A arte é bela, ao estilo Yuasa.

O character design dos personagens é simples, afinal, são pessoas comuns. São crianças, jovens, adultos e idosos, mas quando falamos dos cenários, amigos… Que coisa maravilhosa. Seja uma cena de pura destruição ou apenas retratando as belas paisagens japonesas, são todas de cair o queixo. Não foram poupados esforços para trazer de forma mais verossímil possível cada pedacinho do Japão, mostrando a clara intenção de que a obra seria vista de forma overseas. Admirar a beleza disforme da animação e a fotografia de cada cena é um show à parte.

Conclusão

2020 – Japão Submerso me marcou profundamente, antes de assistir já tinha visto relato de amigos de que não conseguiam maratonar o anime devido a carga emocional que ele traz, e pude comprovar que é verdade. É fácil ficar impressionado e emocionalmente abalado aqui e reforço o aviso de cuidado caso você seja uma pessoa muito sensível. Não é todo anime que causa esse tipo de sentimento em mim, e eu não me sentia dessa forma desde que vi Rainbow: Nisha Rokubou no Shichinin, que, pra mim, era um dos animes mais tristes e pesados que já vi na vida.

Japão Submerso, para mim, é o melhor anime desse ano (mesmo que o ano não tenha terminado ainda). Recomendo bastante que assistam a essa nova obra-prima do mestre Yuasa, que ele tem estado on fire nos últimos anos. A série está disponível oficialmente na Netflix e vocês podem conferir AQUI.

 

Revisão: Karin Cavalcante

Redator para o Genkidama em duas colunas mensais: - TokuTudo: conteúdo diferenciado sobre Tokusatsu no Brasil e no mundo. - Pitacos do Vilson : conteúdo diverso sobre animes, mangás, filmes e diversos aspectos da cultura japonesa. Também sou podcaster e faço parte do Henshin Rio, somos 5 cariocas especializados em falar sobre Tokusatsu.