Criação de personagens – Parte 1

personagens

Vamos conhecer um pouco do jeito japonês de criar personagens?

“Gosto desse tipo de protagonista”, “o personagem tem carisma”, “esse personagem me irrita”, “aquele personagem não foi bem desenvolvido”, quantas vezes não vemos tais comentários em discussões sobre mangas e animes? Mas você já parou para pensar em como os autores criam seus personagens?

Criar uma história e seus personagens começa, é claro, com o autor deixando a imaginação correr solta, só que não termina por aí. No caso específico de mangas e animes, existem certas regras e padrões comuns que ajudam o autor a trabalhar mais rapidamente, algo muito importante para quem quer seguir este caminho como profissional de verdade. Afinal, desenhar uma página de manga exige um bom tempo e esforço mesmo com todos os recursos tecnológicos que temos hoje. Se além disso a parte criativa demorar muito, pode levar anos até que se consiga completar uma única história. Isso não quer dizer que o autor seja obrigado a seguir as regras e padrões mencionadas aqui. Ele pode muito bem quebrá-los ou subvertê-los, mas para fazer isso é preciso primeiro conhecê-los.

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Regra para criação de personagem número 1: antes de mais nada, decida que tipo de história vai contar.

Será um romance escolar? Um drama medieval? Uma aventura de ficção científica? O tipo de história ajudará a definir o tipo de personagens que irá criar. Por exemplo, se for um romance escolar nos dias atuais, com certeza no mínimo os personagens principais serão adolescentes e terão sonhos e problemas típicos da atualidade (vestibular, balada, briga com os pais); já os personagens de um drama medieval terão outras questões em suas vidas (guerra, fome, casamento arranjado).

Regra para criação de personagem número 2: deixe uma boa margem para desenvolvimento e mudanças.

Não é uma boa ideia começar sua história com personagens que já estão “completos”. Se Naruto fosse um ninja adulto superpoderoso desde o início, que graça teria? O que cativou o público foi o prazer de acompanhar a transformação de um menino rejeitado e incompetente em um líder forte, amado e respeitado por todos. Bons personagens, principalmente os protagonistas, começam com uma boa margem para desenvolvimento. É claro que eles devem possuir características atraentes, um algo mais que faça com que os leitores gostem deles, que torçam por eles. Mas não se deve exagerar, um personagem que desde o início é muito forte, com muitos poderes e cheio até a tampa de qualidades nobres não nos dá abertura para criarmos conflitos e dramas que são essenciais para tornar uma história interessante.

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Veja que o personagem no início está bem simples. Isso permite que mais armas e acessórios sejam incorporados no correr da história.

Regra para criação de personagem número 3: estabelecer os objetivos e as condições para alcançá-los.

Vencer um campeonato, conquistar o amor de sua vida, salvar alguém, enfim, o objetivo pode ser grandioso ou prosaico, depende do tipo de história que se quer criar. A não ser que a sua obra seja um slice of life, objetivos são essenciais para fazer o seu personagem andar, e isso vale tanto para o protagonista quanto para os coadjuvantes. É claro que nem sempre o autor tem tempo para trabalhar muito nos personagens secundários, mas quanto mais conseguir fazer, melhor será para a história como um todo. Em Magi, por exemplo, tanto os personagens principais Aladim, Ali Babá e Morgiana quanto os secundários como Simbad, Bai Long, Titus Alexius e muitos outros, têm cada qual o seu objetivo pessoal e isso acrescenta variedade e enriquece a trama.

O ideal é que o objetivo seja estabelecido no início da história e seja alcançado no fim, mas no caso de obras serializadas, nem sempre isso acontece. Se o manga é bem sucedido, provavelmente o autor terá que “esticar” sua história além do previsto. Nesse caso existem duas saídas: criar obstáculos e desvios extras no caminho do personagem, atrasando a conquista do objetivo, ou simplesmente criar um novo objetivo.

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Objetivo: namorar a garota mais linda do colégio. Condição: deixar de ser tímido e aprender a conversar com meninas.

Objetivos podem ser simples (arranjar um(a) namorado(a), melhorar as notas na escola, coisas assim) mas não podem parecer fáceis demais, ou a história não terá graça nenhuma. Eles devem ser difíceis o suficiente para que existam condições. As condições para alcançar um objetivo podem ser de natureza interna (medos a serem superados, habilidades que precisam ser aprendidas, por exemplo) ou externa (armas, informações ou instrumentos especiais que precisam ser encontrados ou conquistados). Objetivos e condições ajudam você a manter o foco da trajetória do personagem e ao mesmo tempo fornecem material para criar subtramas interessantes e enriquecer a história.

Regra para criação de personagem número 4: adicione um “gap” ao seu personagem.

Um “gap” na linguagem dos mangakas é uma característica inesperada, destoante, que dá um charme, uma graça a mais ao personagem. Um exemplo comum de “gap” seria o personagem grandalhão e superforte que morre de medo de barata. Perceba que o “gap” é diferente de contradição: o medo de barata é uma característica que surpreende, mas não é contraditório. Contradição seria se o nosso personagem grandalhão e superforte escapasse da prisão entortando as barras de ferro com as próprias mãos na página 10 e na página 15 não conseguisse arrombar uma porta de madeira. Gekkan Shojo Nozaki-kun é uma obra rica em “gaps”: se ainda não conhece, procure o manga ou assista o anime, que vai encontrar vários bons exemplos. É claro que como a função do “gap” é surpreender e dar um charme, ele não pode ser usado a torto e a direito. A não ser que você queira fazer uma comédia brincando com esse conceito, limite o “gap” aos personagens principais ou apresente-os espaçadamente no correr da história, caso contrário, o recurso perderá efeito.

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Um exemplo de gap comum: a colegial bonitinha que usa armas letais.

Estas são as quatro regras principais para se criar bons personagens rapidamente. Como foi dito lá no começo, ninguém é obrigado a seguí-las, quem quiser (e se achar capaz) pode até subvertê-las. Elas estão aí para ajudar.

Na parte 2 falaremos dos padrões de personagens de manga.

FONTE:

“Sugu ni Dekiru Kyarakutaa Zukuri” – Comickers Manga Technique Series (livro)

Sobre liviasuguihara

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).

Vamos conhecer um pouco do jeito japonês de criar personagens? […]

6 thoughts on “Criação de personagens – Parte 1”

  1. Legal!
    Lembrei de uma matéria (de uma vida atrás) que falava dos cabelos dos personagens e sua personalidade. Cabelo loiro ligado à pureza, cabelos castanhos a pessoas ‘normais’, personagens ‘malvados’ com cabelo rebelde etc.

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