Entrevista: Mariana Cagnin de Vidas Imperfeitas

Quem tem medo de Josei?

“O amor é o sentimento dos seres imperfeitos, posto que a função do amor é levar o ser humano à perfeição.” 

Aristóteles

Quadrinho nacional sendo publicado até o final? Disponível na net legalmente e ainda assim publicado por uma editora? Criado e desenhado por uma mulher? Com uma história que se passa no Brasil? Que bizarrices são estas?!

Pois é! Vidas Imperfeitas é um manga nacional (ou “quadrinho nacional”, para quem é purista) bastante atípico! Criado, escrito e desenhado pela ilustradora Mariana Cagnin, estreou na internet em julho de 2008. Trata-se de um “josei”, uma história direcionada para o público feminino adulto, embora homens e adolescentes também apreciem a obra.

Nela, temos como protagonista Juno, uma garota agressiva e impaciente, mas com um coração de ouro. E este coração será fisgado por um rapaz que cairá de paraquedas em sua vida.

O enredo é simples, a arte também (embora cresça enormemente a cada capítulo), mas chamou bastante a atenção quando foi publicado. Após uma série de feedbacks positivos, a HQ (que conta com seis capítulos e alguns especiais) foi concluída na internet e ano passado ganhou uma versão impressa pela HQM Editora.

É uma das poucas HQ nacionais com mais de um volume que conseguiu chegar até o seu final. Claro que o número reduzido de impressos (“apenas” três, cada um contendo dois capítulos da internet) auxiliou nisto. Mas o que chama a atenção nesta obra é que, apesar de já ter migrado para o mundo analógico, ela ainda está totalmente disponível na internet! Uma cartilha que a editora Jambô com Ledd já segue há algum tempo e autores como André Dahmer, e seu Malvados, praticamente iniciaram.

Um padrão editorial de sucesso interessante começa a se formar no mercado de quadrinhos tupiniquim.

Para entender melhor a história e sua publicação, vamos falar agora com a autora.

3333 Gyabbo!Começando pelo final: Como se sente ao concluir Vidas Imperfeitas pela HQM Editora?

Mariana – Por um lado, me sinto satisfeita por finalmente terminar um projeto tão longo. Estou muito orgulhosa do resultado. E por outro lado, sinto falta dos personagens, da história, e principalmente das horas que passava produzindo as páginas. Acho que é uma nostalgia boa, porque me mostra que todas aquelas horas valeram a pena.

Gyabbo! – Sua obra está disponível na íntegra na internet. Você acreditou que isto prejudicaria as vendas?

 Mariana – Jamais! A internet é a melhor forma de divulgação que temos, principalmente para artistas e autores iniciantes que ainda não têm muitos leitores. Foi por causa da internet que ganhei mais visibilidade no meu trabalho.

 Gyabbo! – Sua personagem, Juno, é parecida com você?

Mariana – Ela é bastante parecida comigo, no sentido de ser impaciente, decidida, uma garota que vai atrás daquilo que quer. Mas ao mesmo tempo, ela é a pessoa dentro de mim que de alguma forma eu gostaria de ser. O mais engraçado é que eu amadureci junto com ela durante a história, por isso ela é tão importante pra mim. Claro que existe muito de mim em outros personagens, a timidez da Suzana, o espírito artístico de Norah e o lado sombrio do Daniel…

 Gyabbo! – Quais outras obras nacionais de quadrinhos você conhece?

Mariana – Conheço o trabalho de vários artistas brasileiros desde Fabio Moon e Gabriel Bá, Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, até os autores que estão entrando no mercado agora, como Vitor e Lu Caffagi. Quero dar destaque para as obras de Bianca Pinheiro e Fernanda Nia, que começaram com uma webcomic e foram para o impresso.

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Gyabbo! – Certamente há mais projetos seus em curso, não? Pode falar um pouco deles?

Mariana – Tenho alguns projetos, sim. Alguns andam bem devagar, mas já estou tirando do papel. Meu projeto mais recente é o “nem tira nem nada” em que produzo tiras semanais temáticas com alguns amigos meus. Foi a forma que encontrei de produzir com frequência, porque coletivamente um inspira o outro, sabe? E também estou trabalhando num projeto pessoal que é uma série de contos sci-fi espacial. Totalmente diferente de tudo que já fiz antes, e tem sido um grande desafio.

Gyabbo! – Você recebeu opiniões negativas em relação à sua obra? De que tipo?

Mariana – Sim, já fui (e sou) alvo de críticas de todo tipo, assim como creio que todo autor é. Alguns comentários eu desconsidero pois não acredito que seja crítica, a pessoa está apenas sendo rude. Alguns começam com “não li sua obra, mas”… aí não tem o que fazer. Opinião todo mundo tem, afinal, ninguém é obrigado a gostar do que eu faço, mas poucas pessoas sabem criticar. Crítica é crítica, e é sempre construtiva, porque te faz olhar para seu trabalho e ver o que não viu antes, perceber que precisa melhorar ou fazer algo diferente. No começo, é difícil lidar porque parece que você está fazendo tudo errado, mas é tudo questão de saber filtrar aquilo que será útil ou não e seguir em frente. É preciso seguir em frente, apesar das opiniões negativas ou desagradáveis, focar nas pessoas que acreditam em nós e aprender a usar todas essas coisas a nosso favor.

Gyabbo! – Agora, terminando pelo princípio: Por que você faz quadrinhos? Não seria mais “produtivo” estudar para um mestrado ou para um concurso público?

Mariana – Produtivo? Não sei. Eu faço quadrinhos porque acredito no que eu faço, porque quero contar histórias, e não saberia viver sem fazer isso. Além disso, uma coisa não exclui a outra. Meu TCC na faculdade foi uma pesquisa sobre quadrinhos independentes, porque acredito que mais pessoas deviam pesquisar ou falar sobre isso. Seja mestrado, concurso público, se tornar um autor, são apenas escolhas que as pessoas fazem em suas vidas, e não quer dizer que elas serão felizes ou satisfeitas em alguma delas. Pelo menos, não saberão até tentarem.

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Agradecemos à autora por ter nos cedido seu tempo! E se você quiser ler neste EXATO momento a obra dela, basta acessar ESTE LINK.

Que mais editoras nacionais invistam neste sistema! Vamos permitir que estas “bizarrices” aconteçam mais frequentemente, até se tornarem normais!

Quem tem medo de Josei? “O amor é o sentimento […]

7 thoughts on “Entrevista: Mariana Cagnin de Vidas Imperfeitas”

  1. Nossa, que traço lindo! Eu não conhecia esse mangá… parabéns para a Mariana Cagnin e obrigada a Jussara pela matéria, foi muito bom saber que há gente batalhando e conseguindo publicar suas obras ^__^

  2. A Mariana é uma grande autora e o Vidas é uma das HQs mais preciosas da minha coleção exatamente por ser nacional, concluída e ser um exemplo de que podemos sim fazer quadrinhos no Brasil. Parabéns pela entrevista!

  3. Achei a entrevista um pouco pragmática e tradicionalista demais, principalmente na introdução ( na parte das bizarrices, onde já se viu mulher desenhando ser uma bizarrice? ) e na última pergunta, sobre produtividade. Não é só de funcionário público que se faz um país.

    De qualquer forma, parabéns à autora, pretendo conhecer mais sobre seu trabalho em breve :D

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