Entrevista com Dharilya Sales e Pedro Leonelli – Autores de Relicário HQ

Que tal começar o ano lendo HQ nacional? No post de hoje trazemos uma interessante conversa com os autores de Relicário, confira!

Dharilya Sales e Pedro Leonelli foram dois dos ganhadores do concurso BMA (Brazil Manga Awards) da editora JBC em 2014 com o título “Entre Monstros e Deuses”. No final de 2015, com a grande estreia de um projeto independente na Comic Con Experience, ambos lançaram um box chamado “Relicário HQ” – projeto que foi possível graças ao apoio do público que doou fundos no Catarse, site de financiamento coletivo. O box consiste em um marca página preto com desenho envernizado, o zine “Amanita” em formato A6, oito páginas e capa colorida e duas HQs em formato 14x15cm e 40 páginas cada: “A Lojinha Mágica de Medos” de autoria da Dharilya e “Sobre Desejos e Destinos” do Pedro. O box é muito bonito, todo preto com desenho com detalhes envernizados.

IMG_5293“A Lojinha Mágica de Medos” conta a história de Brianna, a jovem proprietária dessa lojinha. Uma moça que não tem medo de nada, nem mesmo da morte, e que para chegar onde está, teve que abrir mão de muitos sonhos. Crente que no mundo dos adultos não existe lugar para sonhar, Brianna ganha a vida como vendedora de medos. Logo no começo da história somos apresentados a uma fantasminha muito fofa que representa o “eu” sonhador que Brianna deixou pra trás e que vai dar um empurrãozinho para que esta relembre-se o que é verdadeiramente essencial na vida.

Em uma primeira leitura, talvez algumas coisas não façam muito sentido, mas, uma vez que você sabe como termina, recomendo que releia pois dá para perceber que toda a história foi bem planejada desde o começo, dando vários sinais do papel que a fantasminha representaria na vida de Brianna. Quanto à arte da Dharilya, o que falar senão que é simplesmente delicada e muito detalhada? Cada capítulo é recheado de cenas minuciosas, sempre com desenhos floridos e uma quadrinização bem trabalhada.

IMG_5295Sobre “Desejos e Destinos”, começa contando o nascimento de uma criatura mítica, um deus realizador de desejos que após mil anos efetuando as aspirações dos seres humanos, se encontra numa Terra vazia, consumida pela ambição de todos. Eis que o caminho desse deus cruza o de uma fada que acabou de nascer, mas seu tempo de vida é de apenas um dia. Então ela deseja encontrar o amor para ter uma vida plena. Assim, encontra um último ser humano vivo, um homem idoso que tem o desejo de salvar a Terra. Quando o caminho desses três se cruzam, desejos são testados, afinal para todo desejo é preciso pagar um preço. O que acontecerá, só lendo para descobrir.

Como dá pra perceber, as duas histórias tem como tema principal sonhos/desejos e o que isso representa na vida das pessoas, seja individualmente ou em proporção global. Cada história conclui seu propósito de forma única e mágica com ar lúdico e singelo. O traço de Pedro Leonelli nessa HQ é distinto e exótico, dando certa estranheza no começo, mas para quem já conhece “Entre Monstros e Deuses”, que misturou o traçado dos dois artistas, não chega a ser incômodo algum. O esmero que ambos os autores tem em colocar uma simbologia em cada quadro que fazem, por mais breve que seja o conto, também é algo para saudar.

IMG_5296Agora, para conhecer um pouco mais sobre esses autores e suas ideias, venha ler a entrevista que eles concederam ao Gyabbo!

Gyabbo! – Quando vocês perceberam que queriam levar o desenho como carreira e como foi esse processo?

Dharilya – Na verdade desde criança… Vários momentos entre infância e adolescência me fizeram acreditar que aquele era o caminho que eu deveria trilhar. Desde as conversas que tive com artistas como Fred Macedo, que foi meu professor de desenho e é quadrinista. Jon Bosco, grande ilustrador daqui de Fortaleza. E até mesmo quando conheci o Pedro Leonelli, que me deu um pouco mais de segurança sobre o que eu queria. Contando também o apoio dos meus pais que sempre estiveram presentes em minhas escolhas.

Pedro – Acho que desde que vi Cavaleiros do Zodíaco pela primeira vez tive certeza que era isso que queria fazer! Mas a vida é uma caixinha de surpresas e nem tudo sai como queremos! Embora tenha trabalhado como designer gráfico por alguns anos e atualmente ter uma gibiteria, não via muita necessidade de mostrar minha arte para as pessoas. Foi quando a Dharilya cruzou meu destino  que tudo mudou. De repente as oportunidades começaram a surgir e, logicamente, tratei de agarrá-las!

 Gyabbo! – Como surgiu a ideia para a coleção Relicário HQ?

Dharilya e Pedro – Surgiu da ideia de querer fazer algo separado, mas sem cortar nossos laços de parceria. Nosso primeiro trabalho de nível nacional foi “Entre Monstros e Deuses” que desenhamos e escrevemos juntos. Dessa vez queríamos explorar um pouco mais nossa singularidade. Foi quando o Pedro decidiu fazer o projeto no formato de um Relicário.

Gyabbo! – Vocês mudaram muito os personagens e o desenvolvimento da história ao longo do tempo?

Dharilya – Siiim, muito, e se deixasse eu ainda estaria mudando. Desenhar e criar histórias são um grande ciclo vicioso que nunca nos deixa satisfeito com o resultado final. É um mal que persegue muitos quadrinistas e escritores. Lapidar uma historia é importante, mas tão importante quanto isso é tentar concluí-la. Precisamos cumprir prazos, partir para novas ideias e tentar melhorar cada vez mais.

Pedro – “Sobre Desejos e Destinos” mudou pouca coisa entre a concepção dos personagens, o roteiro e o desenho das páginas. Mas mudei bastante coisas na finalização digital das imagens e nos diálogos pra dar mais ênfase ao tema!

Gyabbo! – Vocês se inspiraram em alguma obra para criar o Relicário HQ?

Dharilya – Sim, o clima sombrio e lúdico de Tim Burton. Histórias de terror e fantasia que se passam em florestas, como Alice e Labirinto do Fauno.  A música “Querem meu sangue” da banda Cidade Negra, e algumas modas urbanas japonesas como Lolita e Pastel Goth para o visual dos personagens.

Pedro – A minha referência é meio óbvia acho, o plot de um dos personagens é basicamente o mesmo do Shen Long de Dragon Ball (um deus dragão que realiza desejos)… não sei se deveria ter muito orgulho disso (rs). Outra coisa é ambientação folk que peguei bastante referência no trabalho da Dharilya. Desde que começamos a produzir juntos ela me influencia bastante!

Gyabbo! – Quando veio a ideia de publicar no Catarse? Vocês já conheciam a plataforma enquanto estavam produzindo os quadrinhos ou a descoberta veio com a necessidade?

Dharilya – Já conhecíamos, só não sabíamos que seria tão concorrido no fim do ano por conta dos eventos FIQ e CCXP, mas valeu bastante a experiência.

Pedro – Desde que pagamos a mesa na CCXP sabíamos que teríamos que produzir ao menos uma obra naquele ano! O Catarse sempre foi nossa primeira opção. Atualmente acho que ele é a melhor ferramenta de venda e divulgação para autores independentes como nós!

Gyabbo! – O que foi mais difícil na hora de produzir os quadrinhos: desenhar, colorir, arte-finalizar ou fazer determinadas cenas?

Dharilya – Pra mim foi mais o roteiro, quando eu achava que ele já estava bom, surgiam novas ideias. E aquilo me incomodava principalmente quando eu já tinha metade do quadrinho desenhado e queria mudar algo do início. Também com as cenas que exigiam posições complexas, o Pedro me ajudava bastante com referências.

Pedro – Não sei se existe uma etapa particularmente mais difícil (na verdade qualquer uma delas fica meio cansativa com a repetição). Mas acho que decidir qual quadrinho vai fazer e definir o plot inicial da história é uma das mais delicadas. O roteiro em si provavelmente sai em uma tarde. Mas como você vai trabalhar em cima do projeto por vários meses é muita responsabilidade. Você tem que ter muita certeza de que desenhar AQUILO é o que te fará feliz.

Gyabbo! – O Pedro fala nas considerações finais de “Sobre Desejos e Destinos” que gostaria de ter deixado mais claro algumas coisas na história. Dharilya, você também acha que talvez tenha faltado esclarecer alguns fatos no contexto da “Lojinha Mágica de Medos”?

Dharilya – Sim, como por exemplo o fato dos personagens terem articulação de bonecos por conta de serem controlados pelos próprios medos, como marionetes. Na verdade por não ter noção se as pessoas pensariam da mesma forma que eu… Isso me deixa bem insegura. Nunca sei quando devo ou não dar ênfase a uma explicação.

Gyabbo! – Vocês se inspiraram em algum momento da vida de vocês na hora de produzir as histórias?

Dharilya – Desde o fato que eu morei quando criança perto de um cemitério e sempre achei o lugar mais legal pra brincar e até mesmo em alguns momentos que tive que superar os medos depois de adulta.

Pedro – Tirando a emoção de pagar as contas e esperar que sobre algum dinheiro pra passar o resto do mês… Minha vida é bem monótona. Por isso quando faço um quadrinho gosto de fugir um pouco do cotidiano e ter algo mais épico pra variar.

Gyabbo! – Vocês pretendem trazer mais títulos com uma temática parecida com a do Relicário HQ?

Dharilya e Pedro – É uma pergunta difícil, o visual semelhante provavelmente é algo que não conseguimos nos desprender dele, eu vejo muito de “Entre Monstros e Deuses” no Relicário e acho que também verei muito do Relicário em uma próxima obra.

Gyabbo! – A “Lojinha Mágica de Medos” incentiva as pessoas a irem atrás dos seus sonhos e mostra que nunca devemos abandonar nossa criança interior, se não viramos adultos amargos e de certa forma mortos em vida. Já “Sobre Desejos e Destinos” reforça essa ideia do sonho/desejo, mas voltada para as consequências que cada desejo tem na vida e o preço que isso pode vir a ser cobrado. Como é dito nas considerações finais é sobre fazer escolhas certas para não desperdiçar o tempo que temos nesse mundo. Dito isso, fica claro que vocês abordaram intencionalmente esse assunto para as duas HQ’s. Então quanto os dois opinaram no projeto um do outro?

Dharilya e Pedro – Na verdade, no começo estávamos um pouco inseguros se as pessoas veriam ligação entre as duas histórias. Se as pessoas entenderiam o porquê das obras estarem juntas em um mesmo projeto. O Relicário surgiu da nossa vontade de produzir quadrinhos. No começo parecia que as histórias nunca se encaixariam se não estivessem inseridas em um mesmo universo, com os mesmos personagens. Mas quanto mais o quadrinho ficava pronto, mais eu via que elas tinham a mesma essência. Não podíamos deixá-las separadas. Embora usem abordagens diferentes, personagens diferentes, uma completa o sentimento da outra.

Gyabbo! – Pedro, na sua obra você se baseou no deus de alguma literatura específica pra criar o seu? E por que uma fada como personagem principal?

Pedro – O deus era o Shen Long mesmo, de DB, não vou mentir. Acho muito divertida a ideia de uma criatura que realiza desejos! Sobre a fadinha, na verdade ela ser uma fada em si não era muito importante, o principal era o dia de vida que ela tinha! Esse fato era bacana porque contrastava bastante com o “deus dragão” que era imortal. Eram os dois opostos, o eterno e o efêmero e apesar disso tudo eles tinham o mesmo objetivo!

Gyabbo! – Dharilya, na HQ “Amanita” você quis fazer uma referência à Alice no País das Maravilhas? Você tem algum apreço pela obra? Se não, qual o objetivo do gato?

Dharilya – Alice no país das maravilhas sempre será uma grande referência pra mim. Sobre a “Amanita”, ela foi uma ideia inicial para “A Lojinha Mágica de Medos”, por isso as personagens são parecidas. Amanita é um gênero de fungo/cogumelo. Alguns leitores dizem que é o nome da menina, eu gosto quando dizem isso pela ambiguidade que o título trouxe. O glifo na testa do gatinho simboliza proteção, nossa zona de conforto, onde gostamos de ficar/fazer para esquecer os problemas. Às vezes sonhamos e prometemos mundos a nós mesmos e não movemos uma palha pra que isso aconteça. Amanita veio para mostrar o lado bom e ruim dessa “zona de conforto”.

O fato de ser um gato é que eu tenho sete gatos em casa, e gosto muito deles, foi a minha primeira escolha de mascote da historinha. Aliás, o gatinho aparece secretamente n'”A Lojinha Mágica de Medos”.

Gyabbo! – Quando vocês olham pra trás e releem “Entre Monstros e Deuses”, vocês ficam se corrigindo sobre o que poderia ser melhorado ou não?

Dharilya e Pedro – Quando olho para o “Relicário” já vejo que muita coisa poderia ter sido melhor. E nele já tentamos corrigir diversos pontos falhos de “Entre Monstros e Deuses”. Acho que aprendemos muito a cada obra e nos esforçamos para que a próxima sempre seja melhor que a anterior!

Gyabbo! – Por último, vocês têm planos de um próximo projeto? Já estão trabalhando nele ou tem uma ideia do que pretendem fazer?

Dharilya e Pedro – Sim e já estamos trabalhando neles, mas ainda tem muito a ser discutido antes de divulgar algo concreto. O que posso confirmar é que o clima florestal e sombrio ainda está presente.

Por fim queria agradecer pelo convite da Karina para a entrevista e pela gratidão a todos os leitores dos nossos quadrinhos, que comentaram e apoiaram nosso projeto no catarse e no Facebook.

Gyabbo! – Eu que agradeço pela disponibilidade de vocês e desejo que venham muitos projetos e que façam muito sucesso!

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Sobre Karina Herbsthofer

Artesã, fotógrafa, escritora, otaku, comilona, amante de gatos e dança. Viciada em cheirar livros! Mora no estado de São Paulo. Escreve no blog do Gyabbo! desde 2014.

Que tal começar o ano lendo HQ nacional? No post […]

2 thoughts on “Entrevista com Dharilya Sales e Pedro Leonelli – Autores de Relicário HQ”

  1. Eu tenho o Relicário aqui em casa é de fato é uma obra que faz a gente pensar e admirar cada quadro. A gibiteria do Pedro fica aqui na cidade vizinha e por vezes vou lá trocar uma ideia com ele. É um profissional excelente e caprichoso e também um amigo bastante divertido! Parabéns aos dois! Bela entrevista!

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