Do fundo do baú, recordamos um anime que mistura com perfeição tragédia, violência, insanidade, e pura comédia: Peacemaker Kurogane!
Peacemaker Kurogane é um manga de Nanae Chrono, que vem sendo publicado desde 1999 e foi adaptado para um anime de 24 episódios pelo estúdio Gonzo em 2003. A história acompanha a trajetória de Tetsunosuke Ichimura, um garoto órfão que entra para o Shinsengumi, a famosa “tropa de elite” do Xogunato no século XIX. Nesse universo de conspirações, intrigas políticas e muita violência, o protagonista busca vingança pela morte de seus pais, enquanto faz amizade com os comandantes e capitães do Shinsengumi, com Saya, uma aprendiz de gueixa, e Suzu, o pajem de um renomado samurai.
Antes de falarmos do anime, uma breve nota de História: o Shinsengumi era uma tropa especial de polícia a serviço do Xogum. Embora sejam retratados como heróis em alguns animes e doramas, os membros desse grupo também são chamados por historiadores como um “esquadrão de assassinos desumanos”. O que eles faziam era basicamente procurar e eliminar grupos rebeldes, que queriam derrubar o Xogum. O Shinsengumi teve o seu ápice no Incidente de Ikedaya, que já foi trabalhado não só em Peacemaker Kurogane, mas também em outros animes como Rurouni Kenshin/Samurai X. Depois disso começou a entrar em declínio por causa de disputas internas e mudanças na situação política do Japão.
Embora tenha mais de dez anos de existência, o anime Peacemaker Kurogane ainda demonstra grande qualidade técnica. Como a esmagadora maioria dos animes, existe, sim, uma ou outra cena ou episódio inteiro onde o design e a animação não estão bons, mas são poucos e nunca chegam a estragar a experiência, ainda mais se considerar que se trata de uma obra antiga.
O character design é bonito, elegante, e realmente ajuda a contar a história e o background de cada personagem. Existe um constante contraste entre personagens delicados, “fofinhos” e puros como os garotos Tetsunosuke, Saya e Suzu, e a situação em que vivem, os dois meninos em grupos envolvidos em ações legal e moralmente questionáveis, e a menina em uma casa de gueixas, prestes a ter sua virgindade posta em leilão. Também é impressionante a forma visual e cênica com que demonstram as mudanças nos personagens que são tomados pela insanidade e violência.
No anime inteiro há apenas um mini arco que parece deslocado e sem função, que é o do sósia do personagem Souji Okita, um dos capitães do Shinsengumi. De resto, todos são de alguma forma conectados à linha principal da história e servem a ela. Mesmo os episódios do festival e do caderno de poesias do comandante Hijikata, que são pura comédia, possuem uma função: eles são um respiro, uma tomada de fôlego para o próximo banho de sangue, a próxima tragédia, a próxima crise. E todos os momentos de humor sempre se encerram com uma insinuação de que, em breve, o período de bonança irá acabar.
Os dramas pessoais, o desenvolvimento e o relacionamento entre os personagens principais são bem trabalhados, seja de forma direta ou indireta. Existe uma razão para Tetsu parecer um garotinho de 8 ou 10 anos quando na verdade é um adolescente de 15. O caminho espinhoso que ele percorre durante todo o anime para se libertar de seu passado e alcançar seu objetivo é muito bem construído. A relação de amor, dependência, rancor e culpa que existe entre os irmãos Tetsu e Tatsu é muito real. Quem tem irmão, ou quem precisou assumir responsabilidade muito cedo na vida provavelmente vai se identificar.
Mas, o verdadeiro clímax do anime, o Incidente de Ikedaya, é provavelmente a sua mais memorável sequência em termos dramáticos, repleta de combates encarniçados e personagens levados ao limite absoluto.
Peacemaker Kurogane não chega a ser gore, mas tem muita violência física e psicológica. Há mortes cruéis, inclusive de personagens significativos, e tortura, ainda que não explícita. Quem decide assistir por causa do visual alegre e fofinho do protagonista pode se assustar com o clima pesado da abertura do primeiro episódio. Seus 24 episódios, tirando o mini arco citado anteriormente, são bastante coesos e objetivos, e nunca chegam a ficar arrastados. Quem se interessa pela História do Japão ou especificamente pelo período Bakumatsu talvez queira mais aprofundamento na trajetória do Shinsengumi. Pessoalmente, acredito que o anime acabou no ponto certo, num clima relativamente leve, de dever cumprido.
Se está curioso para saber quem são e que fim tiveram as figuras históricas presentes no anime, clique nas imagens da galeria abaixo. Não é spoiler, já que estamos falando de história do Japão e os personagens do anime sofreram mudanças em relação às suas contrapartes históricas.
FONTES
Sobre o Incidente de Ikedaya: http://wiki.samurai-archives.com/index.php?title=Ikedaya_Affair (inglês)
Sobre o Shinsengumi:: https://pt.wikipedia.org/wiki/Shinsengumi (inglês)