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Meu parecer sobre a recém aprovada Lei de Censura em Tóquio

Era de se esperar que o anúncio e a aprovação de uma lei que irá restringir o conteúdo de animes e mangás distribuídos em Tóquio iria criar um certo rebuliço na blogsfera especializada brasileira. Apesar de nem todos terem feito posts sobre o assunto, muitos já comentaram o acontecimento através do twitter. @Gyabbo @Juba_Kun @LKMazaki @MaisdeOitoMil @Shoujofan… já dá pra considerar uma certa repercussão no acontecimento. Porém, o que todo esse rebuliço gerou foram opiniões diversas… inocentes, confiantes, indiferentes… o que não falta é opinião sobre o assunto.

Decidi escrever um post sobre o assunto para que as pessoas possam saber qual a minha posição ou não com relação a esse assunto. Farei questão de explicitar os porquês pois acho que isso ajuda a quem for ler meu post formar sua própria opinião sobre o assunto. Lembrando que todos estão livres para concordar ou discordar. E que se quiserem deixar um comentário argumentando pontos que vocês acharam incorretos, ou dando mais base a coisas que vocês acharam corretas, sintam-se a vontade.

Para começar, gostaria de deixar claro o que é essa nova lei:

O Governo de Tóquio, e entendam que essa é uma medida válida unicamente em Tóquio (por enquanto), aprovou um projeto de lei que visava restringir materiais que contivessem cenas ou insinuações de atos sexuais ou não socialmente condenáveis, como estupro, incesto, suicídio, comportamento criminoso, banalização da violência, etc. Tais materiais seriam colocados nas prateleiras “para adultos” dos estabelecimentos que atualmente vendem mangás.

Pois bem, para começar, gostaria que vocês prestassem atenção na palavra que eu usei acima: insinuações. Insinuar é dar a ideia de algo que não é na realidade, mas que é no plano subjetivo da coisa. Um exemplo é a relação de Kirino e seu irmão em Ore no Imouto. Em nenhum momento ela disse que gostava do irmão e nunca aconteceu nenhum contato romântico entre eles, mas quem assiste sabe que rola uma tensão sexual entre os dois. O grande problema disso é justamente “insinuar” ser algo subjetivo e por ser subjetivo está sujeito a interpretações. O que vocês me diriam se a justiça decidisse colocar One Piece na sessão 18+ pelo fato do Oda constantemente exagerar no tamanho do busto de algumas de suas personagens?

Outro ponto que eu gostaria de comentar é o caso do 18+. Algumas pessoas me falaram que não veem problema nisso. Que eles só vão colocar o material nas seções para adultos dos estabelecimentos, não vão parar de publicá-los. Aí eu peço que não sejam inocentes. O grande público consumidor de mangás no Japão ainda são as crianças, menores de 18 anos em geral. Mangás para esse público vendem (bem) mais que os voltados para um público adulto.

O primeiro efeito disso seria a fragmentação das antologias. A Shonen Jump, por exemplo, teria que se reestruturar, pois algumas de suas séries não seriam adequadas para o público-alvo, de acordo com a nova lei.

Depois, teríamos o problema com os tankobons (volumes encadernados). Ficando na categoria “adulta”, acabariam tendo uma queda na vendagem. O que isso causaria? Pense comigo: Você é um editor. Tem duas séries na sua frente pronta para serem serializadas. Uma estaria de acordo com a nova lei, a outra não. A que estaria de acordo com a lei teria previsão de venda para X, enquanto a outra teria Y, sendo X bem maior que Y. Em qual série você investiria? Acho que não preciso responder. Tal situação acabaria gerando um efeito bola-de-neve que culminaria com um número enorme de títulos politicamente corretos nas prateleiras enquanto os títulos “para adultos” seriam pouco divulgados.

Um terceiro problema seria o fato de que nem todos os estabelecimentos tem uma “seção para adultos”, o que faria a venda de materiais “impróprios” serem nulas.

Obviamente tudo isso vai depender de como a lei for aplicada e interpretada pelos governantes e, principalmente pelas distribuidoras e revendedoras. O primeiro-ministro do Japão já pediu cautela, como bem colocou a minha querida colega, Valéria Fernandes, a situação ainda não é tão calamitosa, como acredita a minha outra colega, Mara, mas é muita inocência acreditar que isso não se trata de uma forma de censura. Muito menos de que é uma decisão que não afetará em nada a industria. Se isso fosse verdade, as grandes editoras de mangá não teriam boicotado um dos principais eventos da industria, a Tokyo Anime Fair.

Eu sou contra todo e qualquer tipo de censura. Principalmente quando esta é imposta pelo Estado. Acredito que o que deveria haver no Japão é uma auto-regulação pelas próprias editoras e seus autores. Não é difícil de acreditar que mangás tão consagrados por nós hoje em dia se mostrassem contra essa nova lei. De cabeça me lembro logo de Death Note que, se já não tivesse tido muitos problemas dentro da própria Shueisha para ser publicado, ainda teriam que encarar problemas com a lei. Só de imaginar que por causa disso poderíamos não ter Bakuman hoje, fico extremamente receoso com essa lei. E caso resolvessem encrencar com as cenas do Goku apalpando inocentemente a Bulma no início de Dragonball?

O que eu quero dizer é que uma lei como essa, propositalmente escrita de maneira simples para motivar várias possíveis interpretações vai contra tudo que eu acredito e por isso insisto em dizer que não podemos dizer que ela não vai causar nada. Não estou dizendo para ficarmos nos lamentando, afinal nada podemos fazer no momento, mas eu sinceramente torço para que o governo federal japonês intervenha e que anule essa medida ou a deixe mais clara e prática. Se essa lei “pegar”, não vai demorar para um monte de lei que estava engavetada começar a ser votada e aprovada.

Bem, é isso aí. Acabei escrevendo demais, pra variar, mas fiz isso porque gostaria de deixar bem clara a minha postura quanto ao assunto. Agradeço se você tiver lido até aqui.

Era de se esperar que o anúncio e a aprovação […]