YAWARA! Um Urasawa diferente do que você conhece

Yo!

Quando eu conheci YAWARA!, anos atrás, foi um choque. Sabia de sua fama (no Japão, é impossível não conhecer Yawara – está enraizado na cultura) mas conhecia Urasawa somente de Monster e 20th Century Boys. Ler os primeiros volumes de YAWARA! era como ver o seu mecânico mostrando que sabe cozinhar muito bem.


A carreira de Urasawa é bem peculiar – um dia eu preciso falar sobre isso – e, apesar de ser conhecido como um narrador de suspense habilidoso, ele já fez muita coisa. Antes de mais nada, Urasawa é um mangaká que era fã, cresceu lendo mangás e ouvindo música como muitos de nós, era crítico e analítico com tudo que lia, a ponto de saber que o que ele queria escrever não era exatamente algo que iria vender.

A sorte sorriu pra ele após um fiasco chamado Pineapple ARMY, e suas séries foram melhorando e ganhando prêmios. Urasawa ganhou prêmio por praticamente toda série que fez, mostrando que agrada a crítica. Mas mais do que isso, ele conseguiu levar seu mangá pessoal e que ele acreditava que não venderia para o gosto do público.

Em YAWARA!, ele tentava claramente se aproveitar de um filão muito popular na época – o SpoCon, o gênero de mangás de esporte – mas subvertendo um pouco e arriscando coisas que eram meio que um tabu. Ele colocou uma menina como protagonista da série em uma revista masculina, coisa que afunda a maior parte das histórias que se aventuram a isso. E ela não é apenas um apelo bonitinho, ela realmente carrega a trama e puxa os personagens.

Yawara Inokuma é uma doce e delicada colegial japonesa, tão feminina que ninguém nota sua habilidade no judô – que ela tenta esconder de qualquer jeito. Yawara nasceu em uma família peculiar. Seu avô é uma lenda do Judô, considerado um líder filosófico por causa de seu livro sobre o tema e por sua carreira brilhante. Seu pai seguiu os passos do avô e se tornou um grande judoca, que teve uma carreira meteórica, mas que sumiu do mapa e de sua família sem deixar vestígios. Sua mãe passa os dias atrás do pai fugitivo e Yawara cuida da casa junto de seu avô. Jigoro Inokuma, o velho avô, um típico japonês das antigas, ganha a vida como massagista e fisioterapeuta, mas o que ele quer mesmo é ver sua neta virar a maior judoca do mundo, consequentemente ganhando a medalha olímpica de ouro e o Prêmio de Herói Nacional.
A trama é basicamente isso. O velho Jigoro tentando transformar sua neta em estrela e Yawara tentando de qualquer jeito ser apenas uma garota normal. Além disso, temos todos os recursos conhecidos do gênero. Uma rival, linda, genial e geniosa, além de muito, muito rica. Um interesse romântico, que gera mais uma disputa com sua rival. Um repórter que ama o esporte e pretende levar ela ao estrelato. As amigas que servem de motivação e até se tornam rivais. Os gerentes esportivos, empresários, patrocinadores. YAWARA! poderia ser um bom mangá de esporte. Mas com a genialidade de Urasawa por trás, a história vai além. Os personagens são todos carismáticos, reais até a medula, o clima passa de suave e engraçado (ENGRAÇADO!!) para tenso e as lutas são usadas de forma muito habilidosa. Ora você sabe que ela vai ganhar mas quer ver como, ora você acha que ela vai perder de propósito, mas não sabe como. Você não sabe como as coisas vão andar. E ao invéz de se ater apenas ao tema esportivo, o mangá retrata muito a vida mundana de Yawara, seu interesse por moda, por romance, sua vontade de ser só uma secretária quando seu rosto já está em todos os jornais… E quando você pega tudo e mistura, cria as situações mais inesperadas e os plot twists mais memoráveis, sendo referência do gênero até hoje.

Na época de seu sucesso, o mangá ganhou um anime, feito pela mesma Mad House que fez o anime de Monster. Na época, Yawara disputou popularidade com o internacionalmente famoso Ranma 1/2. E YAWARA! – a fashionable judo girl (subtítulo do anime) ganhou com um ippon! No Japão, era o anime mais popular da temporada. Isso além de quebrar a imagem que temos hoje dos trabalhos de Urasawa, foi um choque para o mercado de mangás da época. Um anime seinen, com uma garota protagonista, de esporte… derrubando vários shonen, no auge da era Shonen Jump, que trouxe de volta o boom das histórias de aventura para garotos. Isso trouxe um vento novo para a Big Comic Spirit, antologia que publicou YAWARA! e não era tão popular assim.

Na aba de YAWARA!, ainda tivemos um filme com atores, um especial animado com o arco de Barcelona, na época das Olimpíadas de Atlanta e dois games para PC Engine, bem desconhecidos. O próprio Urasawa ainda fez Happy! um mangá de tênis na mesma pegada de YAWARA! e que fez sucesso, apesar de ser muito mais discreto que o da judoca, claro!

Curiosamente, Yawara se tornou o apelido da multi-medalista judoca Ryoko Tani, que em cinco olímpiadas, levou cinco medalhas, duas de ouro, duas de prata e a última de bronze. Ela surgiu no mundo na mesma época em que o anime de YAWARA! ia ao ar e a TV fez questão de colocar esse apelido. Conhecida por ser muito simpática com os fãs e repórteres, ela logo assumiu o apelido e não se sentia ofendida ao ser chamada pelo nome da personagem. Em comum, além do talento natural no judô, as duas têm um estilo de luta parecido e prendem o cabelo da mesma forma. Ah, e as duas tem uma história com a empresa de carros Toyota. A do mangá, de forma velada e indireta, a da vida real foi contratada da empresa e era personalidade-símbolo por todo o período em que esteve lá. No entanto, a judoca que inspirou Urasawa foi Kaori Yamaguchi.

As chances de YAWARA! vir ao Brasil devem ser pequenas, mas é um mangá muito bom e que não vai agredir a sua inteligência. Vale encher a Panini, já que eles tão com os direitos de prioridade sobre as obras de Urasawa.

6 ideias sobre “YAWARA! Um Urasawa diferente do que você conhece”

  1. Eu vi o anime, é muito bom mesmo e olha que eu geralmente não sou muito fã de anime/manga sobre esportes, dá até uma vontadezinha de praticar judô tbm! ^–^
    Essa matéria foi bem esclarecedora, me revelou que era o anime mais popular da época (merecidamente) e disputou com um anime que eu amo de paixão, da genia da Rumiko Takahashi, Ranma 1/2.

  2. Do Urasawa eu li apenas 20th Century Boys (tenho que corrigir esse erro logo e ir atrás das outras obras do cara), mas Yawara SEMPRE me chamou muito a atenção desde que eu ouvi falar da série. Sempre tive curiosidade de ver como o Urasawa carrega histórias que não são centradas em conspirações e tudo mais, sem falar que foi um dos primeiros trabalhos dele, né…

    É uma pena que eu não possa ler o mangá nem por scans por elas não terem feito tudo ainda, e o mesmo vale pro anime (que, nossa senhora, as músicas de abertura já me conquistaram de tão bonitas e contagiantes). Espero um dia, poder ter a oportunidade de ler Yawara. Sinto que vou gostar muito.

    1. Vai mesmo, Yawara é uma boa leitura, empolgante. Urasawa é técnico, por isso que eu acho que ele é tão versátil. Sabendo como funciona, ele pode aplicar a qualquer tipo de história.

    1. Corre atrás que vale. Só não tem em português, mas… Quem sabe, se Monster e 20th Century Boys venderem, eles não se animam a publicar Yawara… quer dizer, depois de Pluto, Billy Bat e Master Keaton, que seriam sequências mais naturais…

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