>Avaliando TRUCO!, parte 3

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Yo!

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Finalmente uma sequência que eu gosto. Nessa quarta página, eu comecei com um bloco de três quadros. Coincidência? Não.

Três é o numero chave no que se trata de história, de narrativa. Tudo o que você contar tem um início, um meio e um fim. Mesmo uma breve cena. Claro, uma sequência em dois quadros também funciona. Aumentar os números de quadros também pode acontecer. Mas desde que você entenda esse princípio.

Repararam que praticamente toda tirinha ocidental tem três quadros? Syd Field, o maior nome ocidental no ramo de material didático para roteiristas, tem sua explicação, mas pra acrescentar a todos, eu vou com a minha bagagem oriental.

No Japão, existe uma regra chamada Jo-Ha-Kyu. Ela serve pra você ter em mente uma estrutura pra bolar sua história. Algum dia posso falar mais sobre isso, ou postar o que eu escrevi na aula de roteiro. Pra ser mais rápido, significa simplesmente apresentar uma idéia/situação, quebrar/torcer ela, pra então encaminhar pra frente ou fechar. É a base de toda história, desde uma tirinha de jornal, uma sequência dentro de uma história, até mesmo de um diálogo. Shakespeare é um claro exemplo disso.

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Voltando a sequência, temos o exagerado parceiro do Daniel, apavorado, suando frio depois de ser pego blefando. Ele busca ajuda de Daniel, que parece já ter desistido. Então, apavoramos mais ainda o personagem, jogando essa cena, onde ele é esmagado pelos rivais e abandonado pelo parceiro. Reparou no triangulo invisivel nesse último quadro da sequência? Formado pelos russos, mais o parceiro de Daniel, colocando o nosso protagonista no meio? Isso é pra forçar a cena pra baixo, dando mais pressão pro coitado do parceiro do Daniel. (nota: errei e pintei de preto o cabelo do Igor)

Pag4 Pra piorar, ele ainda toma uma bronca de Daniel, num enorme quadro, com direito a speed lines em circulo e um enorme balão: “Você é um amador mesmo!!” E Daniel continua, até mesmo manda ele abandonar o jogo. Novamente, três quadros. O maior deles tem o impacto, mostrando que aqui começa outra sequencia, onde Daniel vai à alguma coisa nova. Ele está desistindo…

Pag4 Os dois quadros da direita trocam pela vertical, exatamente pra que quando sua visão descer, do quinto quadro pro último da pagina, você empurre a carta com os olhos, dando impressão de movimento. As mãos estao lá pra ligar a próxima cena, na pagina da direita.

Nessa pagina começa a reação de Daniel.

O primeiro quadro mostra uma mão e uma carta, sem mostrar quem é. A cena anterior tambem tinha mãos e cartas, pra servir de ligação. O lance aqui é fazer a transferência de cena por elementos em comum, não cortando a cena, mas mudando o foco. Na cena seguinte, vemos que a mão é do parceiro do Igor, ele é o dono da carta. Os dois já cantam vitória, mas esquecem uma Pag5coisa importante. E é com um balão no finalzinho do quadro, que nós lembramos eles e os leitores disso.

Esse terceiro quadro mostra Daniel com sua última carta, dando mais uma torcida na trama. Quando eles pareciam já ter perdido, eis que Daniel vira a mesa da dúvida. Agora, quem está sob pressão são os russos.

Pag5 Alguns cuidados que eu tomei com essa história foi deixar mais ou menos claro o que era preciso, o que o jogo pedia pra acontecer. Por causa dos leitores que não conhecem o truco. Mas só na medida do possivel, por que senão, tira o ritmo da historia.

É o que acontece no quadro seguinte. O parceiro de Igor fala o que é preciso ter. Deixa claro que ainda tem uma chance. Depois, Igor joga uma dúvida, pra tentar enfraquecer Daniel. Fechamos essa sequência diminuindo o ritmo, pra aumentar a tensão. Daniel explica por que não precisa ter medo da carta de Igor. E é essa certeza que traz a dúvida aos russos. É a deixa pra próxima página!

E o próximo post, eu faço depois de dormir um pouco! Até lá!

>Avaliando TRUCO!, parte 2

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Yo! 

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Segunda parte da minha auto-avaliação de TRUCO!.

…que já começa com um problema. Agora, depois de meses, não lembro direito o que eu mexi, nem como era originalmente (se eu achar o roteiro, eu descubro, mas isso é praticamente impossivel no meu quarto). Mas reparem na segunda página.

Ela foi concebida pra ser uma página de fechamento, a direita. E foi já desenhada assim. O que eu lembro é que o Junior, editor da revista, veio pra mim no meio da produção e pediu pra eu reduzir mais duas páginas da já curta história. E lá se foi uma página da introdução, anterior a essa página dois, e uma da sequência seguinte, imediatamente depois dessa segunda página.

Bem, com isso, a introdução eu refiz em uma página. Mas essa página eu não tive como mexer, porque é uma página cheia de elementos, ia me tirar muito tempo.

Como perceber que eu cortei paginas? É a posição dos quadros. No canto esquerdo, que ficaria na lombada, não se sangra os quadros ou quando se sangra, não colocamos nenhum elemento de importância. A lombada dessa página tem todos os quadros sangrados e um último quadro que é visivelmente um gancho pra virar a pagina.

Explicado esse problema, vamos ver os quadros.

Pag2 Gostaram do cenário do primeiro quadro? Eu também! Ele é de um banco de imagens pré-prontas. Normalmente, eu não gosto disso. Prefiro desenhar eu mesmo meus cenários, até gosto de desenhar cenários. Mas sem tempo, eu apelei.

Novamente, é um quadro de ambientação, mostrando que trocamos de cenário. O céu escuro, pra mostrar que é noite (e a preguiça, me fez novamente não detalhar o céu, nem nuvens, nem lua). O ângulo é pra encaminhar ao quadro seguinte, numa visão geral. Se o ângulo estivesse invertido, seria pra indicar um ponto específico do quadro. O letreiro “Caai, marreco!” vaza no quadro seguinte, pra dar alusão de continuidade.

Pag2 Visão aérea da mesa de truco, mostrando que temos algumas pessoas em volta. Esse quadro, mais os outros dois são pra passar ao leitor duas informações. Daniel tá jogando truco. E ele é bom em blefar e tá ganhando! Temos aqui mais um personagem de apoio, o parceiro de Daniel, que também tem uma atuação pequena, só de apoio, por isso, nem nome ganhou.

O quadro seguinte faz a ponte entre os quadros jogados laaá na direita para o quadro abaixo, a esquerda, usando a retícula. Eu corto a velocidade da passagem usando os balões, colocando um em cada lado, contrário ao movimento do olhar.

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Mais uma sequência de três quadros, apresentando os russos, o desafio de Daniel na história. E, como não poderia deixar de ser, ele também tem seu talento. O olhar que não deixa passar nada, ou seja, não vai ser facil blefar com ele.

Pag2 Na verdade, essa página é a que eu mais detesto. Como considerei menos importante pra história essas apresentações e situações, joguei tudo em uma única página. Isso fica muito corrido. Temos a apresentação do conflito com a história, que é o jogo de truco, o desafio… E o nosso personagem aceitando peitar o desafio.

Os dois últimos quadros são isso. O desafio, na forma dos russos, mostra que não vai ser fácil pra Daniel. E no quadro seguinte, ele deixa claro que tambem não vai ser fácil pra eles. Seria o quadro perfeito pra convidar a virar a página. mas você não vai precisar, porque a página está ao lado, por causa daquele probleminha do começo. Gasto inútil de uma cena útil.

Pag3 A página seguinte dá um enorme pulo, por conta da página cortada. Somos jogados no meio de uma partida. O pouco que lembro da história é que, nessa página cortada, tinha uma sequência que mostrava que o parceiro do Daniel é impulsivo. Tudo pra que nessa página, ele fizesse o seu grande erro, que pode botar tudo a perder.

No primeiro quadro, temos a mão de Daniel, escondendo duas cartas das três. Seria uma visão em primeira pessoa, mostrando Daniel olhando o relógio e as cartas. Lembram ainda que ele tinha um compromisso? Nem eu.

O parceiro de Daniel tá armando sua estratégia. Pra quem joga truco, conhece bem a situação. Pra quem não conhece, ficou meio estranho. Mas eu precisei sacrificar alguma sequência em que o jogo fosse explicado pra não perder em ritmo e também nas minhas poucas e preciosas páginas. Então, só posso me desculpar aos que não conhecem o jogo.

Pag3Esses três quadros iniciais (coincidência, mas toda sequência que eu corri, coloquei em três quadros) terminam com o parceiro de Daniel pedindo truco, aumentando a aposta. Um blefe. O elo do terceiro quadro com o próximo é a mão do russo. Nossa visão já corre direto ao olhar de Igor, que nos empurra aos dois quadros seguintes, que são uma sequência em primeira pessoa do olhar do russo, aproximando para pegar o pequeno deslize de seu adversario, mostrado em destaque no sexto quadro.

Pag3A próxima sequência tem quatro quadros, mas na verdade, são dois. O primeiro, mostra a ação de Igor, aumentando ainda mais a aposta. Esse quadro precisava estar nessa posição. Por que? Porque nossa visão, que correu lentamente na sequência de cima, de quadros pequenos, precisava desse desvio, quando o último quadro da direita acaba e nos descemos a visão e voltamos a esquerda.

Quero que reparem no impacto da cena. Igor parece pular pra cima, o balão é um grito que nos pega de surpresa, como primeiro elemento no caminho da nossa visão, que segue pra Igor, diminuindo o pobre parceiro do Daniel.

O elemento seguinte mostra em três quadros a reação dos outros personagens, pra aumentar ainda mais o impacto. O parceiro de Igor ri satisfeito. O de Daniel tem uma reação exagerada, suando bastante e fazendo uma expressão bem caricata (fui por um estilo mais realista, então, não deformei muito). E Daniel só fica incomodado, olhando sua última carta e o relógio. E agora, o que ele vai fazer pra virar o jogo?

Continua… Ainda hoje, aproveitando que eu tô inspirado!

>Avaliando TRUCO! parte 1

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Yo!

Como prometido, eu pretendo a partir dessa postagem, iniciar uma série comentando, página a página, quadro a quadro, sequência a sequência, o funcionamento (ou não) de uma historia minha. No final, eu tive uma idéia: vou também comentar o roteiro como um todo, como e por que ele funciona (ou não).

Pra comecar, escolhi a história mais curta e simples (as outras que eu pretendo comentar tem 45 páginas cada). TRUCO! foi publicada na edição numero 13 da Neo Tokyo, como parte da seção Manga Zone, que prometia publicar mangas na revista. O formato, que incluia duas páginas de história em uma da revista, dificulta muito o trabalho. Porém, como a sequência de abertura e fechamento foi mantida, não se perdeu muito quanto a narrativa.

O maior problema desse formato estranho, feito pra economizar espaço mesmo, é o movimento de abrir e fechar as páginas e a visão que você tem. Mais pra frente explico isso.

Situando a história: Daniel marca um compromisso com a namorada, mas ainda assim, participa de um campeonato de Truco. Ele precisa blefar bem, no jogo e na vida.

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Finalmente, indo ao assunto, temos nessa primeira página toda a introdução da história. No geral, a introdução precisa ser feita em até quatro paginas. Eh o que se entende como a tolerância do leitor pra entender o que esperar da história. Em TRUCO! eu tinha um número muito restrito de páginas, por isso, precisei enxugar a história toda, inclusive a introdução para apenas uma página.

Minha idéia era: explicar a situação (o compromisso entre a namorada e Daniel), o status do personagem-guia, Daniel (que cursa direito, e quem confia em advogados?) e fechando com o primeiro conflito, que é a última cena, que mostra que Daniel tem outros planos.

Pag1 A primeira cena é um plano geral, mostrando um prédio residencial. É um quadro pra situar a ação, mostrando onde está acontecendo a cena. Tenho um pouco de vergonha ao ver esse quadro, por que a falta de tempo me fez desenhar um prédio bem feinho e mal feito, com problemas de perspectiva. Isso aconteceu por que eu fiz o rascunho todo a mão, sem réguas ou guias.

Usando a visão do prédio como guia da visão, seguimos para o quadro seguinte. Mais preguiça (a estante está metade vazia, o cenário é praticamente só retículas e linhas de régua) e dois personagens mal desenhados, apresentando Daniel e sua namorada, sem nome, já que sua atuação também não vai ser tão grande.

Pag1 Como história, o segundo quadro é importante, por isso ele precisava ficar nessa posição, no canto superior. O leitor tem o costume de dar mais atenção aos quadros que ficam mais próximos do canto da revista. Se a página ficar à direita, os quadros da direita. Se a página for da esquerda, os quadros da esquerda.

Pulando para os dois quadros do canto, mais vergonha. A sequência do quadro dois pro três está boa, os personagens recebem só um zoom, sem erros de posicionamento. Depois, temos um zoom out preguiçoso. Afastei beeeem a cena pra desenhar pouco e ainda assim, errei perspectiva e tudo.

Pag1 A idéia desse quarto quadro era apenas mostrar a mão de Daniel pegando alguma coisa na mesa. Tanto que no nemu (o rascunho da história) eu nem fiz fundo. Mas na hora, eu achei confuso fazer só isso. Teria sido mais feliz se não tivesse tido essa idéia. A mão de Daniel, em união com o rosto dele no quadro acima, encaminhariam perfeito para o quadro seguinte, usando a referência visual para a transferência.

Pag1O quadro seguinte, mostrando Daniel com um baralho (um ás de paus, detalhe importante, guardem na cabeca). Ele fala: Sorte? Eu não preciso disso!

Essa é a primeira referência a um conflito na história. Ele podia simplesmente ir à faculdade, fazer a prova e ir de encontro com a namorada. Mas assim, não teríamos uma história, teríamos só um dia normal na vida de Daniel. A trama começa aqui, e nós temos isso bem claro, quando percebemos que Daniel tem outras intenções. Por isso, é o maior quadro da pagina, além de ser o quadro de fechamento, que é o quadro que fica no final da segunda página, antes de virarmos a folha. Ele vai ter que ser sempre, sempre um quadro importante e com algum gancho, por que é ele que convida o leitor a virar a página.

O ângulo e a posição dos balões foram escolhidos para jogar a visão pra baixo. Isso corta a cena, mostra que é o final da cena sem precisar de um fade como poderiamos fazer no cinema. Isso é quadrinhos, isso é Tezuka, na verdade. Você não sente como se a cena estivesse sendo realmente cortada?

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Pois bem. Esse foi o primeiro de uma série que ainda vai longe. Serviu pra atiçar a curiosidade? Bom, talvez ainda não tenha tantos erros que eu mesmo perceba, porque é uma história recente e que eu já tinha noção do que fazer. Acho que vai ser mais interessante quando eu pegar histórias mais antigas, onde eu ainda errei muito e fazia as páginas apenas por gosto.

Imagina se eu pegar meu primeiro fanzine, de quando eu tinha quinze anos… Putz! (^___^)

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