O rei dos mangás, Shotaro Ishinomori

ShotaroIshinomori

Yo!

Essa semana, no Genkidama, iremos falar sobre Ishinomori Shotaro, considerado o segundo maior nome dos quadrinhos japoneses. Bora ver!

still_ishinomoriPara quem lê mangá, o nome de Osamu Tezuka é quase uma certeza absoluta quando falamos sobre a importância da obra. Quase, pois tem um único autor cuja importância ressoa tanto quanto a do Deus do Mangá. E é por isso que ele é chamado de Rei do Mangá. Seu nome é Shotaro Onodera, nascido na cidade de Tomegun, província de Miyagi. Bairro de Ishinomori. Conhecido pelo seu nome de profissão, Shotaro Ishinomori.

Apaixonado por livros e cinema, o segundo filho de cinco crianças da família Onodera sempre dizia que seria diretor de cinema. Somente quando sua irmã mais velha adoeceu e não podia sair de casa é que ele tomou gosto pelo desenho, quando passou a fazer ilustrações do mundo de fora para sua irmã. No ginásio, ele publicou dois volumes de um fanzine com amigos, Bokuju Itteki (Uma gota de nanquim). Publicou como amador por um tempo, até conhecer a redação da revista Manga Shonen, onde seu ídolo na época, Osamu Tezuka, publicava. Ishinomori conheceu o trabalho de Tezuka em Shin Takarajima, obra que o encantou com as possibilidades do mangá. Naquele tempo, ele ficou conhecido por todos no mercado, que diziam que “havia um gênio do mangá em Miyagi-ken”.

Atarefado como sempre, Tezuka acabou vendo talento em Ishinomori e o contratou como assistente durante a produção de seu maior clássico, Tetsuwan Atom. Nessa época, ele iria conhecer vários outros mangakás de sua geração, como Fujio Akatsuka e a dupla Fujiko Fujiyo, que também trabalharam para Tezuka. E logo em seguida, iria entrar com seu próprio material na revista, por indicação de seu mentor. Com “Nikyu Tenshi” (Anjo de Segunda Categoria), Ishinomori estreou como mangaká enquanto ainda cursava o colegial, em 1954.

Trailer de “Tokiwa-sou no Seishun, filme de 1996, com Masahiro Motoki (Departures) protagonizando. Ishinomori foi interpretado pelo ator teatral Koji Sato.

Yoshie

ryuujin_numaIndo contra a vontade do pai, ele se mudou para Tóquio junto da única pessoa que o apoiou na família, sua irmã mais velha. Yoshie Onodera sofria de asma e seu irmão era muito ligado à ela, que foi quem o fez se interessar por desenho e mangá, quando sua doença a impediu de sair de seu quarto e Ishinomori aprendeu a desenhar para lhe mostrar cenas do mundo de fora. Era uma mulher muito bonita, que logo se tornou a paixão de Tokiwa-sou, o lendário lar dos primeiros mangakás. Todos os artistas da geração de Ishinomori foram apaixonados por Yoshie em algum momento, e isso chegou a ser retratado no mangá autoral de Fujiko Fujiyo A, Manga Michi. No entanto, Yoshie Onodera teria uma complicação com sua doença, falecendo em Tokiwa-sou enquanto seu irmão não estava em casa, com apenas 23 anos. Ainda muito jovem e apegado a ela, isso mudaria toda a forma de ver o mundo que Shotaro Ishinomori tinha e repercutiria em sua obra até o fim de sua vida.

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Nascido para o mangá

news_large_kikaiderHoje nós falamos sobre autores que nasceram para o mangá, retratado no personagem de Bakuman, Eiji Niizuma, mas Ishinomori foi o precursor de todos. Ele era o mais jovem de sua geração, mas também o mais talentoso, o primeiro a publicar profissionalmente e sempre atarefado, empregando seus colegas como assistentes em seus vários trabalhos. E sua velocidade assustaria até Eiji. Relatos de outros mangakás da época dizem que Ishinomori produzia cerca de 20 páginas em um único dia de trabalho, onde a média era de 2 à 5 páginas, mesmo com autores cooperativos, como a dupla Fujiko Fujiyo. O próprio comentou em extras de Cyborg 009 que chegou a produzir, com a ajuda de seus amigos, 650 páginas mensais de quadrinhos, mas que aquilo era loucura. Com “apenas” 300, ele já suava. Apesar das páginas da época terem uma arte mais caricata, ângulos mais simples e narrativa corrida, cada uma continha mais quadros e texto do que hoje. Desenhar e finalizar essa quantidade de páginas é impossível para um artista de hoje, onde a média é de 30 páginas por mês.

Ele também era um autor muito interessado pela literatura mundial. Dono de uma habilidade incomum de leitura dinâmica, se dizia que ele lia livros enormes em apenas um dia. Era seu hobbie, e como tinha pouco tempo, tentava ler rapidamente. Seu gosto sempre foi pela ficção científica, de onde tirava muitas ideias para seus mangás e que compartilhava com Tezuka. Enquanto o Deus do Mangá ficou conhecido como quem inseriu a ficção científica nos quadrinhos do Japão, Ishinomori ficou conhecido como quem mais popularizou o estilo, usando suas influências literárias mais obscuras para o Japão na época. Muitos de seus mangás são versões muito particulares de histórias da literatura, como o ciborgue que quer virar humano, Kikaider, que é uma versão dark de Pinóquio.

Toei

Muito interessado nas possibilidades que se abriam na animação, Ishinomori recebeu sua chance de ouro, novamente de Osamu Tezuka. Na época, Tezuka era um dos maiores nomes da indústria e a Toei Douga (o nome original da Toei Animation) o chamou para participar da produção do anime Saiyuki (uma das adaptações da lenda chinesa Jornada ao Oeste, de onde saiu o personagem Son Goku, que inspirada Dragon Ball). Tezuka mandou Ishinomori em seu lugar, junto de um novo garoto gênio, Sadao Tsukioka. O jovem gênio já trocava cartas com Osamu Tezuka desde o primário e ao se formar, se tornou assistente dele. Nunca se sabe se foi pensado, mas ao fazer isso, Tezuka iria iniciar um processo que ajudou a transformar a indústria no que ela é hoje. Tsukioka se interessou muito pela animação, se tornando funcionário da Toei e diretor de animes com apenas 24 anos. Depois, iria para a empresa de animação de Tezuka, a Mushi Pro, e fundaria sua própria, a Knack, que se tornaria ICHI, e não se limita apenas à animações, fazendo filmes com atores também.

Já Ishinomori, que também havia se interessado pela Toei, foi recusado. Seu traço era incompatível com animação.

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Daisaku Shirakawa, que viria a ser Presidente da Toei Animation, na época era apenas um dos animadores e foi quem os recebeu. Ele aceitou Tsukioka e o treinou, mas para Ishinomori, precisou recusar. Ishinomori tinha talento de criação, não poderia se prender a ser apenas animador. Em troca, Shirakawa disse que compraria seus mangás como originais para suas animações, e cumpriu essa promessa, sendo o estúdio que animou as primeiras versões de mangás de Ishinomori. E esse elo ainda iniciaria outra aliança forte entre o poder criativo de Ishinomori e a Toei. O projeto “Programa de Tokusatsu”.

Tokusatsu

À época, os filmes de efeitos especiais, chamados de Tokusatsu Eiga (ou apenas Tokusatsu) estavam em uma crescente de sucesso. Para aproveitar isso ao máximo, a Toei, que já era conhecida por seus seriados de samurai e novelas, criou o “Tokusatsu Bangumi Kikaku” (Projeto Programa de Efeitos Especiais), onde iria passar programas voltados para as crianças que se interessavam pelos filmes de ficção científica. O que hoje é o Super Hero Time, programa da Toei que passa Super Sentai e Kamen Rider, trocando anualmente os heróis de cada franquia.

Pensado pelo produtor Yoshinori Watanabe, o Projeto Tokusatsu foi criado para ser um sucesso. Juntando os maiores talentos que conseguiu, o produtor, vindo do setor comercial como o maior vendedor da empresa, preparou o terreno para algo gigantesco. Ishinomori, ao contrário do que se pensa normalmente, não criou Kamen Rider e mostrou para a Toei. A equipe de criação do estúdio, da qual Ishinomori fazia parte, decidiu o personagem, a história e tudo o que fosse necessário e somente depois Ishinomori criou seu mangá com base no que havia no começo. As divergências entre o mangá e a série de TV foram aparecendo à medida em que a necessidade da televisão obrigava mudanças de rumo, enquanto Ishinomori tinha liberdade para fazer a história como queria.

Apaixonado pelo cinema, Ishinomori sempre sonhou em dirigir um filme. No tokusatsu, ele se realizou, dirigindo episódios de Kamen Rider e Inazuman.

Ishinomori falando sobre os 22 anos de Kamen Rider.

Apesar de assinar a criação de todas as séries de tokusatsu da qual participou, Ishinomori só fazia os designs dos personagens centrais e criava o plot geral, muitas vezes, nem participando da criação de episódios. Somente após algumas criações no horário de Tokusatsu da Toei é que ele começaria a criar os monstros e algumas histórias de episódio, começando em Kamen Rider Stronger. Também foram poucas séries de tokusatsu que ganharam mangá pelas mãos de Ishinomori. Dos Kamen Riders, somente o primeiro, Amazon e Black tiveram mangá de Ishinomori, por exemplo.

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Depois de sua morte, muitas séries ainda saíram com seu nome como criador. Por exemplo, os Kamen Riders mais atuais sequer haviam sido concebidos enquanto ele estava vivo e no entanto, ainda existe o nome de Shotaro Ishinomori em cada episódio de todas as séries. Outras franquias que aproveitaram seus heróis também estampam seu nome. E temos até como curiosidade o longa metragem de Gokaiger. A série, uma grande homenagem à toda a história dos Super Sentais, apresentava todos eles durante sua estada na televisão japonesa. Dentre eles, os primeiros, criação de Ishinomori. E seu filme para os cinemas recebe o nome de Sora Tobu Yureisen, nome de um longa metragem antigo, baseado no mangá de mesmo nome, de autoria de Ishinomori, que já recebeu diversas homenagens em animes como Lupin Sansei, Mazinger Z, Evangelion e Skullman.

Gekiga

Durante a década de 70, uma revolução social acontecia no Japão. Se por anos, os japoneses buscavam sonhos para se agarrarem, agora eles questionavam a realidade. Em meio a esses acontecimentos, Takao Saito criava o movimento do Gekigá. A palavra Gekigá deriva do próprio mangá, mas retira o “man” que signigica caricato, trocando por “geki“, que significa extremo. Não só o nome mudava, mas o foco. Saiam as fantasias e histórias de aventura e comédia e entravam dramas psicológicos, histórias de suspense e violência. Saito criou Golgo 13, um assassino perfeito, que completava suas missões no mundo todo, sempre acompanhado de alguma bela mulher. Ele dizia que o mangá de antigamente não refletia os desejos dos jovens de sua época. Tezuka era usado como a imagem de tudo que era antiquado e que devia se aposentar, num distante asilo longe das prensas dos periódicos.

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Nessa época, Ishinomori se adaptou bem ao mercado. Enquanto seu mentor passava por dificuldades, perdendo todos os seus trabalhos, ele se sagrava como o maior nome da indústria, com os tokusatsu fazendo muito sucesso com as crianças, e os mangás HOTEL e Manga Nihon Keizai Nyumon (Introdução à Economia Japonesa em Mangá) ganhando prêmios.

Foi nessa época que Ishinomori foi além do Gekigá. Um discípulo de outra época, maior nome daquela, ele repensou o nome dos quadrinhos japoneses pela mesma ótica de Saito, mas com uma resposta diferente. A pronúncia de mangá continuaria a mesma, mas a letra “man” mudaria. De caricato, ele usaria o ideograma para “10 mil”, pois o mangá não é apenas caricato, nem somente sério e realista. O mangá tem mais de mil faces, tem 10 mil delas, e nenhuma está errada ou precisa morrer.

O termo “manga” com o ideograma trocado foi destaque cultural naquele ano, mas como sua letra era antiga e em desuso (atualmente se usa uma forma muito mais simples para se representar 10 mil), a palavra não pegou e muitos passaram a simplesmente não usar kanjis, que continham significados, usando apenas o katakana, que contém apenas a sonoridade. No entanto, com o tempo, o mangá em sua forma original voltaria a ser comum e somente alguns lugares relacionados à Ishinomori, como seu Museu do Mangá, usam a forma criada por ele.

Ishimori

image10583_1Durante anos, Ishinomori usou a grafia de seu nome idêntica à de sua terra natal, de quem se apossou do nome por vergonha de seu próprio sobrenome, por remeter à outro artista de mangá, Shufu Onodera, que ficou famoso por ilustrações militaristas durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, por um detalhe da grafia, todos liam apenas Ishimori, porque o “no” não é escrito. Alguns nomes de bairros e cidades no Japão tem essa peculiaridade, que causa uma certa confusão. Isso sempre incomodou o artista, que precisava corrigir o nome pelo qual era chamado.

Somente nas comemorações de seus 30 anos de carreira, em 1985, é que ele decidiu colocar um pequeno “no” em katakana, que tornava sua grafia idêntica à sonoridade pretendida. Ele fugiu disso por anos porque uma mudança dessas poderia enterrar sua carreira, confundindo seus leitores. Por isso, a decisão foi tomada junto de uma decisão: ele seria um novo mangaká. Recomeçando sua carreira à partir daquele ponto, Ishinomori também passou a se tornar mais recluso, não atendendo nem ao menos seus amigos mais próximos, ficando mais e mais tempo com seu trabalho. E, aos poucos, os mais próximos diziam que Shotaro Ishinomori estava morrendo.

Em 1998, Shotaro Ishinomori falecia de uma parada cardíaca causada por um linfoma.

Seu lado mais genial sempre se destacava, mas os mais próximos à ele sempre diziam que sua principal característica era o apego afetivo por todos que o rodeavam. Ele começou a fazer seus mangás por seu apego à sua irmã. Era um amigo de todas as horas, sempre presente em festas e velórios. Sempre trabalhou com seus amigos, que foram seus assistentes, seus mestres, animadores, diretores, professores… E de todos os nomes de sucesso, ele foi o último a sair do antigo prédio do Tokiwa-sou, onde fez amigos, criou mundos e viveu com sua irmã os últimos dias dela.

Ele disse uma vez:

Amigos, enquanto seu corpo puder se mexer, este será o seu auge. Porque se continuar mantendo apenas em sua cabeça, você só vai ver o tempo se acabar. O talento é 80% vitalidade.

Ishinomori, assim como Osamu Tezuka, morreu sob sua prancheta, trabalhando, desenhando. O Guiness o considera o recordista de maior número de páginas de um único autor. E ainda assim, somente o fim de sua vitalidade acabou com seu caminho, um horizonte ilimitado depois de conhecer o mangá.

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No Gyabbo!, leia sobre Skullman.

4 ideias sobre “O rei dos mangás, Shotaro Ishinomori”

  1. Excelente texto, Fabio. Dá gosto ver uma matéria sobre Ishinomori em que realmente se percebe um esforço para uma pesquisa mais apurada e não faz difundir mitos infundados como a maioria das demais. Que por sinal tem o mal hábito de focar apenas em um lado de sua carreira, o que também não acontece aqui. Meus parabéns!!

    1. Valeu, Onodera! Aliás, linka o seu aqui, é muito importante o pessoal que se interessar poder se aprofundar no assunto e aquela sua matéria é provavelmente a melhor em português. E daqui a pouco vai ter uma sua, né? Hehehe!

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