O Japão que você devia conhecer – Chie Ayado, a força além da voz

JCChieAyado

Yo!

Uma figura simples, mas um grande exemplo de vida.

Chie Ayado é cantora de Jazz. Ficou famosa há alguns anos, por sua personalidade alegre e sua voz incomparável. Além de tocar seu piano e cantar, seus shows são repletos de momentos de conversa, onde ela usa sua simpatia típica de uma tiazinha de Osaka. Mas para poder sorrir e fazer sorrir, ela lutou muito.

Quando criança, Ayado sempre ouviu os discos de Jazz de seus pais, apaixonados por música. Ela descreve sua infância como um período de altos e baixos. “Um dia a gente ia comer carne em um restaurante caro, no outro passava dias comendo só pão”. Mas isso não a impedia de sempre tocar música em casa. E aos dezessete, ela decidiu ir aos Estados Unidos, estudar a música que tanto adorava, praticamente como mochileira. De sua mãe, só recebeu um conselho: “Se te assaltarem, entregue tudo. Se ficar com muita fome, roube um pão. Da cadeia, você pode sair. Mas ser assassinada ou morrer de fome não tem mais volta”.

Na verdade, ela foi mais com a intenção de rodar pelos bares e casas de show que só lia nas revistas e livros. Ouvir o som da música ao vivo, no berço do Jazz, da garganta de seus ídolos. Como ela ainda era menor de idade, ouvia do lado de fora o som que vazava. Aos poucos, o pessoal das casas passaram a chamar ela pra ouvir a música do backstage. Quando finalmente pode entrar como cliente, ela ficava por horas e até subia no palco para cantar às vezes. Sua juventude toda foi dedicada à música, cantando em igrejas e convivendo com os músicos locais, aprendendo com eles.

Durante essa época, ela passou pela primeira provação: teve câncer de mama, que a devastou mas lhe poupou a vida. Ayado descreve a experiência como o momento em que percebeu de verdade que as pessoas podem morrer. Por um bom tempo, ela sofreu os efeitos dos remédios e do tratamento, que a afastou da música e derrubou sua positividade.

Após se reerguer, ela teve uma alegria. Nasceu seu filho, metiço de etnia afro-americana e nipônica, de uma relação com um americano que iria lhe trazer a próxima provação de sua vida. Seu marido era violento e destruía sua auto-estima, e lhe negava a separação. Com um filho de colo, ela aceitou um acordo para não cobrar um centavo do ex-marido e saiu apenas com uma mala de roupas, de volta ao Japão.

Envergonhada e humilhada, tudo o que ela podia fazer era trabalhar para não ser um peso aos pais e para criar seu filho sozinha. Ela foi professora de música, vendedora de roupa e também usava o Jazz, cantando em pequenas casas. Mas não por prazer ou buscando algum sonho de ser cantora. Era só porque pagavam bem. “Eu não tinha tempo de pensar em sonhar, precisava de dinheiro.”

Chie Ayado sempre se considerou mais uma fã de Jazz do que intérprete. Fora suas aulas de piano, ela nunca fez um curso mais aprofundado de música e tudo que aprendeu foi de convivência com músicos e por sua paixão. Por isso, jamais pensaria em virar cantora profissional, ainda mais na idade que estava, mãe solteira e sem experiência nem currículo para sequer arranjar um trabalho decente. Foi nessa época que um pesadelo voltou. Seu câncer não estava erradicado.

Sem poder trabalhar e precisando do dinheiro para mais uma operação caríssima, ela sequer pensava em desistir. Ia sempre adiante, sorrindo e sendo positiva. Afinal, não foi a pobreza, nem a doença, muito menos a violência que a derrubou. E não seria esse problema voltando, sem a menor criatividade, que iria lhe impedir de continuar de cabeça erguida, fazendo suas piadas com a voz bem alta e uma risada fortíssima.

Recuperada e voltando ao trabalho à todo vapor, Ayado encontrou com o destino quando finalmente recebeu uma proposta para se tornar profissional. “E quanto eu vou receber?” Para ela, era mais importante ter o dinheiro do que alimentar um sonho que ela nem tinha de verdade. Cantar ainda era bom pra ela e saber que aquilo deixava as pessoas felizes também era prazeroso. E assim, em 1998, ela estreou como profissional, beirando os 40 anos. Mas sua cabeça ainda estava só no sustento de sua casa, por isso, continuou a trabalhar em seus bicos.

Com o tempo, sua voz marcante passou a chamar a atenção das pessoas. O Jazz, que não era tão popular assim no Japão, não era atraente em uma época em que a Eurobeat mandava nos gostos populares, em meio a uma bolha econômica que afetava o senso das pessoas. No entanto, Chie Ayado tinha muito mais a oferecer. Seu jeito alegre e sua música poderosa chegaram aos ouvidos de muita gente e seu carisma chamou a atenção da TV. E em 2003, ela participou pela primeira vez do Kohaku Utagassen, o maior evento musical do Japão, cantando Tenesse Waltz.

Meu primeiro contato com a voz de Chie Ayado foi em uma participação dela em um programa do SMAP na TV japonesa. Isso aconteceu porque ela fez uma versão de Yozora no Mukou, música de Suga Shikao, famosa na interpretação do grupo pop. A música ganhava letra em inglês, um arranjo melancólico e um peso que impressionou a todos. Mas fora isso, ela fez o fanservice de tocar versões em Jazz de temas de anime, como Gegege no Kitaro e do tema original de Dragon Ball, Makafushigi Adventure, versões incríveis que eu nunca mais ouvi.

Uma coisa que sempre teve à seu lado, ela levou aos palcos. A presença dos pais, à quem ela era grata mais do que tudo. Em suas conversas, sempre vinha algum conselho de seu pai. E sua mãe, mesmo debilitada por um derrame, sempre acompanhou Ayado em seus shows, mesmo em cadeira de rodas. A doença de sua mãe se tornou uma nova provação. Ela cuidava de sua mãe vinte e quatro horas por dia, sem enfermeiros ou ajuda, levando ela pra cima e pra baixo nos shows, dando comida, banho, ajudando no banheiro. Chegou a pausar sua carreira em uma época de alta, para se concentrar em cuidar de sua mãe. Mesmo com os delírios frequentes, ela levava no bom humor, tirando risadas. Até mesmo os piores momentos, ela tentava fazer de tudo para sua mãe poder continuar a ter uma vida digna.

Depois de um bom tempo dormindo mal e cuidando da saúde imprevisível de sua mãe, Ayado exagerou nos seus próprios remédios e teve um ataque que a levou para o hospital. Os jornais da época apontavam uma possível tentativa de suicídio, levando em conta a vida dura da intérprete e sua atual condição. Recuperada, ela fez questão de negar os rumores. “A vida é muito importante, eu jamais tiraria a minha própria vida. Mas o melhor de se estar viva, no momento, é poder confirmar isso.”

Mesmo sem cantar, vez ou outra Ayado ia à shows de seus amigos. E quando sua mãe a viu saindo, disse certa vez “Você está linda. Devia se vestir assim novamente, voltar a cantar.” Foi o que fez a cantora voltar à sua carreira, contratando uma enfermeira para cuidar de sua mãe e aceitando mais a ajuda dos outros. Mesmo sendo uma mulher independente, que aprendeu a lutar pra ter sua vida e pra dar condições à seu filho, Ayado precisou aprender que podia contar com os outros. “O esforço é necessário para se ter sucesso em qualquer coisa. Mas a ajuda das pessoas que estão perto de você também pode ser um grande apoio. Juntando os dois, tudo sempre estará bem”.

Somente aí que Ayado sentiu que estava cantando bem de verdade e passou a curtir mais sua profissão. Foi também a primeira vez que ouviu um álbum seu. Ela começava a finalmente se reconhecer como cantora e se satisfazer com o que cantava. É muito comum hoje vermos Chie Ayado empurrando a cadeira de rodas de sua mãe pelos estúdios e casas de shows. Sempre com um largo sorriso e uma risada carregada de todo seu positivismo.

Sua lição de vida e seu poder musical já seduziram muitas pessoas. Mika Nakashima regravou Amazing Grace, primeira música que cantou em sua carreira, numa versão de Ayado. Shota Shimizu gravou junto com ela uma cover de Akiko Wada, Ano Kane wo Narasu no wa Anata. E o mangá Uchuu Kyodai faz uma referência à ela na forma da personagem Komachi, que toma conta dos astronautas japoneses na NASA. A personagem é exatamente como Ayado. A versão animada ainda conta com a própria cantora estreando como dubladora da personagem.

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Às vezes a vida é cruel e em alguns casos, nem é apenas às vezes. Mas é mantendo a cabeça aberta, o sorriso na cara e se esforçando dia após dia que se faz a diferença. “A dúvida é um lixo que não faz bem para a saúde. Sempre se mantenha positivo!”

3 ideias sobre “O Japão que você devia conhecer – Chie Ayado, a força além da voz”

  1. Fala mais chapel de cavalo essas materias alem de culturais são de auto estimas pra nos jovens futuros adultos….

    1. Vanessa.

      Valeu pelo elogio, mas o problema é que esses posts tem muito mais trabalho envolvido, eu pesquiso literalmente por semanas antes de postar. Eu tenho vários em um arquivo de ideias e outros já nos rascunhos do blog. Paciência, aos poucos eu vou terminando uns e colocando! Não perde por esperar!

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