O Japão que você devia conhecer: Antonio Inoki, um herói no mundo real

Yo!

Tem figuras da cultura japonesa que são aquelas peças do quebra cabeça que sempre faltam pra quem vê de fora. E aqui vai mais uma importante peça da cultura pop japonesa, cultuada por diversos mangakás e responsável por uma grande revolução no mundo da luta, o wrestler que enfrentou Muhamad Ali em um ringue: Antonio Inoki!

O Japão do pós guerra era um país meio perdido. A cultura ainda estava se renovando e pedia novas formas de entretenimento. Mais ou menos na mesma época em que o mundo conhecia a luta-livre pela TV, o Japão também iniciava uma paixão nacional pelas lutas televisivas. Só que isso caiu tanto no gosto do povo japonês que até hoje temos grandes eventos e celebridades da luta-livre. Na época, o maior nome no meio era o de Rikidozan, um ex-lutador coreano de sumô que virou lenda, sinônimo de luta-livre, a ponto de as crianças falarem que iam ver Rikidozan quando se referiam a ver luta-livre na TV.

E foi esse Rikidozan que voltou seus olhos a um jovem garoto que dispontava no atletismo e na luta-livre BRASILEIRA. Seu nome de ringue era Antonio Inoki, nascido Kanji Inoki, um imigrante japonês que foi trabalhar nas plantações de café do interior paulista e usou o karatê que aprendeu de seu irmão, junto com seu corpo privilegiado, para se tornar campeão nesse nosso país.

A convite da lenda, Inoki voltou ao Japão e passou a treinar com Giant Baba, que viria a se tornar seu parceiro em lutas de sistema de tag-team.

Inoki foi polêmico. Pra se promover, ele fazia muita coisa errada e tentou vencer um convidado americano, ignorando o roteiro. Foi nessa época que ele foi aos EUA e fez turnê, lutando contra americanos. Ao retornar, ele se focou em promover seu estilo de luta, o “Strong Style”, que ele alardeava como a união de tudo que é bom de cada estilo de luta do mundo. E não havia jeito melhor do que desafiar lutadores de outros estilos.

Ele enfrentou karatekas, judocas, lutadores de sumô, de wrestling… Em certa ocasião, já bem mais velho, ele enfrentou Renzo Gracie, da família Gracie. Mas sua luta mais histórica foi com o maior boxeador da história do mundo: Muhamad Ali!

As duas partes negociaram por meses e tinham interesses em comum. Os dois queriam provar que eram mais fortes do que tudo e do que todos. Eram até de certa forma arrogantes, de tanta certeza de que eram os melhores. Quando a luta começou, em Março de 1975, Inoki se defendeu por muito tempo e então passou a dar chutes baixos nas pernas de Ali, que como todo boxeador, tinha lá seu ponto fraco. Foram quinze assaltos que resultaram em empate técnico. O show repercutiu tanto que a TV passou a luta duas vezes no mesmo dia. Ao vivo, durante a tarde, horário normal das lutas, e no horário nobre daquela noite. No entanto, foi uma luta monótona e os jornais diziam que os dois não se empenharam e fizeram o resultado mais cômodo.

Seu orgulho era inspirador ao povo japonês, acostumado a ceder sempre e ser pequeno, desde o fim da guerra. Ele dizia coisas como “Se Inoki sorrir, o mundo sorri” e seu cumprimento clássico “Vocês estão ‘genki”? Se você tem ‘genki’, você pode qualquer coisa” (vou roubar pro Genkidama!). Genki no caso, a força de vontade, desejo de vencer. E ele resumia sua vida a essa palavra. Nascido em berço de ouro, em Yokohama, no Japão, perdeu tudo e foi passar seus dias colhendo grão de café no Brasil, lutou literalmente para sair da miséria, se tornou um campeão em um país estranho em menos de cinco anos e voltou de cabeça erguida ao Japão para se tornar um dos maiores nomes da cultura pop japonesa.

Claro que acompanhando sua carreira de brilho, tivemos que ver épocas tristes, como a sonegação de impostos durante a década de noventa, a péssima relação com seus companheiros que organizavam eventos e pra piorar, a acusação de pedofilia, com uma menina de 13 anos do Cambodia, feita por ex-associados e desmentida, mas que serviu pra provar que Inoki tinha inimigos que não estavam no ringue. Seus problemas com mulheres eram visiveis também. Em meio às polêmicas, Inoki se recusava a falar ou se retratar, atitude comum de pessoas públicas no Japão. Pressionado, ele respondeu: “Não tenho saco pra isso”.

Tempos depois, ele ajudou a levantar eventos diversos de MMA, como o UFO, Jungle Fight (no Brasil) e o PRIDE, que foi por anos o evento mais respeitado de MMA, onde cresceram nomes como Kazushi Sakuraba, Wanderlei Silva, Minotauro, Shogun, Anderson Silva, Quinton “Rampage” Jackson, Don Fry e Nobuhiko Takada, que era discípulo de Inoki e se tornou produtor do evento. Aliás, bom notar que o último discípulo reconhecido de Inoki é Lyoto Machida, brasileiro campeão do UFC.

Sua marca registrada era a toalha vermelha em seu pescoço e seu calção preto, além do queixo enorme. Sua música de entrada foi cedida por Ali depois da luta (Inoki diz que foi espólio da luta, Ali diz que foi um presente) e foi adaptada com um “Inoki Bombaie”, frase que ficou na cabeça dele depois de sua luta no Congo, contra ninguém menos do que George Foreman, aquele que virou bife de orelha do Tyson (e também o do Grill). As pessoas gritavam “MATE INOKI, PEGA ELE!” à Foreman, mas sem entender, Inoki achou aquilo bacana.

Outra marca registrada é sua coragem estúpida. Ele diz não ter medo de nada e por isso, já fez entradas em queda livre de avião (depois de velho), nadou com piranhas no Amazonas (e isso foi televisionado, com a cara desesperada do guia quando Inoki pulou no Rio e voltou sorrindo), mas a mais memorável foi quando ele enfrentou o que os americanos só enfrentavam nos gibis. Ele bateu de frente com Saddam Hussein!

Por decreto, Hussein mandou prender os estrangeiros em seu país, sequestrando todos eles. Ninguém, no mundo, sabia o que fazer e se falava em levantar armas. Na época, Inoki atuava como senador e, ignorando todos os avisos, juntou os amigos da Federação Shin Nihon de Luta-Livre e fez um evento em Bagdad, chamado Festival de Esporte e Paz, que levou música, futebol e luta-livre para o povo do Iraque, e conseguiu que os japoneses fossem libertados, sem guerra, sem dinheiro, sem acordos internacionais. Ele dobrou o ditador somente com seu “genki”. Perguntado antes da viagem se ele tinha medo, Inoki disse “Se fossem soldados, eles iriam correr o mesmo risco que eu. Aqueles japoneses precisam de mim e no momento, é só o que eles têm”. Herói do mundo real.

Ele acreditava que poderia mudar o mundo inspirando as pessoas e realmente foi muito bom no que fez. Existem milhares de pessoas que realmente seguem sua lição de vida e o respeitam como mestre espiritual, até mesmo entre famosos. Nos mangás, ele foi reverenciado em diversos títulos, mas o exemplo mais fácil é em Air Gear, onde o protagonista é claramente fã de Inoki e usa seus golpes em boa parte das lutas. Inoki ainda aparece como ele mesmo em BECK, Tiger Mask, Kenka Shoubai e mais uma porrada de mangás, nem sempre de luta. Ele é claramente uma das inspirações de Mister Satan, do Dragon Ball.

A história da bizarra tradição da “fila para o tapa” é o que torna humano o personagem. Em uma de suas exibições, ele pediu para que as pessoas presentes dessem socos em sua barrriga, que ele não sentia. Mas no meio de vários garotos, tinha um jovem lutador de Kung-Fu Shaolin, que não se conteve e fez Inoki arregalar os olhos de dor. Logo em seguida, ele ficou bravo e virou um tapa, um de seus golpes mais famosos, jogando o garoto pro outro lado, que agradeceu em voz alta. A cena foi televisionada e logo as pessoas passaram a buscar esses eventos, como uma forma de receber o “genki” de Inoki para injetar coragem em suas vidas. Às vezes, ele dá dois tapas, principalmente se a pessoa tenta fugir. “Você veio para ter coragem”.

O Japão tem um herói de verdade, em carne e osso. E quando ele sorri, o mundo sorri.

6 ideias sobre “O Japão que você devia conhecer: Antonio Inoki, um herói no mundo real”

  1. Genki desu ka?!
    Esse cara é massa!

    Mas algumas coisas: ele não foi campeão de karate no Brasil e sim de atletismo.Arremessava um martelo tão longe que chamou a atenção pela força.

    Outra coisa: o Tyson arrancou a orelha do Evander Holyfield e não do Foreman!
    Aliás, o Foreman nada tem a ver com o Inoki. O episódio do surgimento do ‘Bomba-Ye’ foi na luta entre o Ali e o Foreman no Zaire, considerada a maior luta de boxe da história.As pessoas gritavam “Ali, Bomba-Ye”! Depois, o Inoki acabou adotando esse grito de guerra.

    Abraço!

    1. Rafael,
      Obrigado pelas correções, vou acertar o texto! Peguei muita coisa de cabeça, outras de alguns sites japoneses… Quanto ao Holyfield, você tá certo, eu devia ter pesquisado e não replicado ai! Valeu!

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