Yo!

Decidi falar desta vez do final proibido de Doraemon, obra mais popular de Fujiko F Fujiyo. E esse final proibido tem realmente o que falar.

Pra começar, eu preciso fazer algumas explicações.

Antes, pra quem não conhece Doraemon. A serie foi exibida no Brasil pela extinta Manchete mas não vingou. Acho que quase ninguém se lembra dela. Mas no Japão  Doraemon é um titulo forte, que manteve revistas praticamente sozinho, tem um dos animes mais longevos do pais e produtos licenciados de todos os tipos.

Na historia, o preguiçoso e covarde Nobita encontra com Doraemon, um robô criado por um neto seu para voltar no tempo e ajudar a salvar sua linhagem. Doraemon tira de seu bolso vários itens do futuro para ajudar Nobita a se tornar uma pessoa melhor, vencendo o valentão da escola e casando com sua paixão de infância.

A série original de Doraemon nunca teve um final de verdade. Existe uma historia oficial com um final, mas que na semana seguinte, foi ignorada e a historia seguiu em frente. É uma ótima história, um final digno, mas foi feito na época (1974) simplesmente por que era publicado na revista “Shogakou Ninensei”, uma revista feita especificamente para alunos do segundo ano do primário. Então, como os leitores iriam largar a revista (e pular para a de terceiro ano), Fujiko F decidiu dar um final para os leitores. Mas na edição seguinte, a história continuou como se nada tivesse acontecido.

Mas em 1996, o autor, Fujiko F Fujiyo, morreu e deixou a serie sem um fim. Na verdade, isso tem uma explicação  Doraemon era a história de vida de Fujiko F, e sua vontade era a de nunca dar um final pra ela. Doraemon é uma fantasia para crianças, dar um final seria obrigar os leitores a fechar e esquecer essa fantasia.

Os leitores cresceram e alguns deles, claro, se tornaram otaku em algum ponto da vida. E como todo fã, eles começaram a imaginar como seria o final da história. A discussão ocorreu num thread do 2Channel, fórum japonês de qualquer assunto, que ficou famoso por causa de Densha Otoko.

Várias ideias foram expostas e um dos leitores decidiu passar a melhor delas para o papel. Mas o diferencial é que ele não era só um leitor que desenha bem. Yasue Tajima já havia publicado como profissional e participava de um grupo de fanzineiros. Buscando na net, achei até capas de games que ele desenhou.

Tajima emulou o traço de Fujiko F e não só isso. A história, a diagramação até mesmo o design da revista eram idênticos aos tankohons originais. Se não houvesse pistas por toda parte, poderia se passar por uma história não publicada do próprio autor.

esquerda: Capa do fanzine; direita, uma das capas originais de Doraemon

Isso levou a Shogakukan, que detinha os direitos de Doraemon, a processar o autor por plágio e uso indevido de marca.

Mas por que processar um fanzine, sendo que o Japão é o pais que roda mais fanzines no mundo todo, com as editoras fazendo vista grossa?

Isso porque esta história vendeu 130 mil cópias! Mesmo que existam fanzines que vendem bem no Japão, a maioria não passa das 2000 cópias. Cada edição era vendida por 500 ienes, algo em torno dos dez reais, com apenas 16 páginas e a capa colorida. Depois de sair de circulação, as edições existentes passaram a valer ouro e talvez seja o fanzine mais caro nos leilões online japoneses, chegando a 50 mil ienes, cem vezes o valor original.

Parece simples, mas isso eh muito mais difícil do que parece.

A história se chamava Doraemon – Time Paradox e mostrava Nobita voltando pra casa novamente, apos apanhar de Jyaian, o valentão  Só que desta vez, ele encontrava Doraemon paralisado. Tentando descobrir o que aconteceu, ele entra em contato com a irmã de Doraemon, Dorami, e descobre que a bateria de Doraemon acabou. Seria fácil resolver isso, mas Doraemon teve suas orelhas roídas por um rato e nessas orelhas que ficava a memoria do gato-robô. Se Nobita trocar a bateria, Doraemon vai voltar a se mexer, mas vai esquecer tudo o que passaram juntos.

Nobita pede pra que Dorami o leve para o futuro pra consertar, mas a rota para ela voltar ao passado está fechada e até mesmo as invenções do bolso de Doraemon estão confiscadas enquanto ele mesmo não puder tirar elas. Resta a Nobita descobrir um jeito de salvar seu amigo.

O preguiçoso Nobita passa a estudar, cresce e se torna um engenheiro respeitado no ramo da robótica e depois de anos, ele finalmente consegue arrumar as orelhas de Doraemon e fazer ele voltar a se mexer. A história termina com a letra do famoso tema da serie. E ela casa tão bem com o momento que parece que foi feita para essa história.

A história está tão bem estruturada e funciona tão bem que é quase impossível não se emocionar com ela. A última página é perfeita, perfeita em todos os sentidos. A história funciona tão bem que eu me pergunto o que Tajima faz hoje em dia. Busquei, mas fora alguns trabalhos de ilustração, parece que ele não fez nada.

Uma pena, por que mesmo se destrincharmos friamente a historia, podemos ver o cuidado em criar as cenas, passar as emoções e preparar os leitores para o final. E mesmo não sendo um final imprevisível, é o final perfeito.

Não sou o único a achar a história tão boa. A Shogakukan foi procurada pela equipe que prepara os livros escolares, por que eles queriam incluir a historia como material didático, por mostrar Nobita buscando no seu próprio esforço e nos estudos, uma forma de salvar seu amigo. E levando em conta que Doraemon sempre mostrou Nobita usando trapaças para tentar se dar bem, isso pesa ainda mais na lição moral da historia. Óbvio, a Shogakukan negou, afinal, não é nem material oficial.

Sei lá se Fujiko F iria aprovar ou não. Mas como mangaká, seria difícil negar que é uma boa historia e que soube usar o enredo e os personagens e até evoluir eles. No final das contas, o que importa é que assim nasceu uma boa historia!

Abaixo, um video com a historia completa, com trilha sonora. Mesmo que você não consiga ler, a historia está tão bem estruturada que dá pra entender de boa.