Naoki Urasawa, Schuiten e Peeters discutem quadrinhos. Não Shingeki no Kyojin.

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Yo!

Essa foi dica do JM Trevisan, vizinho de Genkidama, com o Ledd! Bora ver!

O site Nippon.com fez uma matéria (já de Maio) sobre o bate papo que rolou durante o Manga Fest, evento que aconteceu no Tokyo Big Sight. A primeira palestra foi de ninguém menos que Katsuhiro Otomo. A segunda foi esse bate papo com três artistas de uma nova geração de gênios dos quadrinhos, cada um em seu campo. Naoki Urasawa, um dos favoritos da casa (sempre digo que Masakazu Katsura é coração, Hiroshi Takahashi é alma, mas eu queria ser o Naoki Urasawa) é autor de 20th Century Boys e Monster, publicado no Brasil pela Panini. François Schuiten é autor belga, com passagem na Metal Hurland e conhecido por Les Cités Obscures, obra feita em conjunto com Benoit Peeters, amigo de infância de Schuiten e colaborador em diversas ocasiões, além de crítico de quadrinhos e arte.

Pensei em só traduzir pra português, mas o site já tem tradução pra uma porrada de línguas, inclusive o inglês que uma grande parcela se vira. Então, acompanhe o resumo da ópera, seguido dos meus comentários estilo Arnaldo César Coelho.

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O bate papo começa com a clássica boquetada. Peeters elogia Pluto e o talento de Urasawa em criar uma identidade pessoal sem matar o universo de Tetsuwan Atom. Schuiten diz que Monster é uma história muito bem construída. Lhe parece mais algo como as BDs, a banda desenhada, como chamam os quadrinhos europeus. E Urasawa fala que conheceu Les Cités Obscures (na edição japa se chama Yami no Kuniguni) por acaso. Entrou em uma livraria e viu aquela capa e pensou “isso não pode ser qualquer coisa” e levou o camalhaço de 400 páginas.

É legal que os três são grandes, provavelmente irão entrar no status de outros artistas, como Ishinomori, Tezuka, Hergé e Moebius em seu tempo e eles se respeitam e se conhecem o suficiente. Peeters ainda tem experiência com o Japão, fez um álbum com o prolífero Jiro Taniguchi, de Gourmet, e também já havia estudado o mercado japonês, mostrando mais desenvoltura para falar do processo com Urasawa.

 

Na parte seguinte, os três falaram sobre a diferença do tempo entre o BD e o mangá. Na produção, Schuiten comenta que leva cerca de dois anos por álbum. Urasawa comenta que no Japão, o padrão é fazer cerca de vinte páginas por semana, por isso o jeito europeu de fazer as coisas é invejável. Por outro lado, Schuiten diz que levou uma vida para fazer Les Cités Obscures e que fazer mais rápido poderia ter sido bom.

Além disso, Peeters citou a diferença da forma de leitura. O mangá cria uma grande história e prende o leitor em cada página, fluindo entre os quadros. O BD já faz o olhar parar em cada quadro por mais tempo, não precisando fluir tanto quanto o mangá.

Esse momento em que os autores apontam duas grandes diferenças entre as duas escolas é muito legal. Enquanto na produção de uma BD você tem o tempo de produção de um livro e o mesmo tipo de acompanhamento, no mangá você segue mais o esquema de produção de uma revista periódica, com prazos mais curtos, que exigem agilidade do escritor e do leitor, que vai consumir em minutos a história. Isso faz a diferença entre materiais europeus e japoneses, que mesmo sendo quadrinhos de qualquer forma, são completamente diferentes na forma de fazer e de receber depois.

E o negócio da narrativa que o Peeters falou é muito legal. O quadrinho americano bebe um pouco de cada um hoje em dia, tanto do BD quanto do mangá e é visível esses pontos, de usar quadros que te fazem parar o olhar, notar os detalhes… Por isso, alguns métodos do quadrinho europeu não funcionam pra mangá, como por exemplo, o posicionamento de balão, que no Japão é alvo até de estudos acadêmicos sobre como melhorar a velocidade da captação de informação e no quadrinhos europeu segue mais é uma ordem cronológica, organizando mais do que fluindo. Eu diria que a narrativa japonesa prima por uma fluidez parecida com a de um canal, que nunca para de correr e vai levando o leitor para onde for. A narrativa europeia já é mais lenta, com eclusas que se fecham, enchendo de água e levando para um outro nível, criando experiências de leitura diferente para o receptor.

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Continuando, eles começaram a rascunhar e conversar sobre as escolhas na arte, o uso das cores e do preto e branco, entre outras coisas. Em certo momento, Schuiten cita que usa cores para criar mais drama, em momentos chave. E ai ele fala sobre sua dúvida quanto aos mangás terem arte colorida no começo, que em geral não tem importância narrativa pra tanto. Urasawa fica até meio envergonhado de dizer que não tem motivo algum. Ele diz que já perguntou se poderia ter páginas coloridas no meio da história para seu editor, mas nunca foi atendido. E no fim, Katsuhiro Otomo fez isso antes.

Acho que o detalhe da página colorida é mais subjetivo do que funcional. Não tem muito a ver com narrativa e experiência de leitura, mas com um sentimento de valor do material. Por mais idiota que seja o conteúdo das páginas coloridas, os leitores tendem a se sentir mais satisfeitos quando o mangá tem essas páginas. Claro que se fosse tudo colorido seria ainda melhor, mas por diversas questões, principalmente o custo, isso é inviável.

Mas o que impossibilita de colocar essas páginas coloridas no meio da história? A resposta é: gráfica! Montar cadernos de papel diferente é mais complicado e exige algumas técnicas mais caras. E a melhor forma de unir um caderno de papel tratado, como o vergé, com um papel mais áspero e fibroso, como o jornal ou pólen é colocando na frente ou atrás, reduzindo erros. Mas e se imprimir as páginas coloridas no mesmo papel? Isso acontece em alguns casos. Recentemente, reparei que o Resident Evil da Panini teve isso. Mas a consequência é terrível. O papel jornal é um papel com pouco tratamento e chupa mal a tinta, borrando bordas por demorar demais pra secar. E quanto mais tinta, mais demora. Isso também leva a máquina a trabalhar mais devagar e aumenta a porcentagem de chance de sair erros. Afinal, quatro cores (que são usadas pra fazer as impressões coloridas) são quatro chances de dar erro, pra uma quando é tudo em preto. Ainda assim, alguns mangás fazem uso disso. Lembro de cara de Ghost in the Shell: Man-Machine Interface, que misturava páginas coloridas com páginas preto e branco por narrativa, representando em que mundo a história acontece. Mas nesse caso, foi usado um papel muito melhor que a média, encarecendo muito o produto. Mas era GITS, vende e vale a pena.

 

A relação com os editores é outra diferença clara entre Japão e Europa. Enquanto no Japão os autores trabalham com um editor sempre em cima, cobrando e analisando, na Europa o sistema livreiro continua, com editores que recebem só o material final para analisar e ainda tem um agente entre eles, que é quem cuida de vender o peixe e em geral faz o papel de revisor. Peeters parecia saber do que falava, usando até a palavra japonesa “Tantosha” para falar disso. Urasawa explicou que o artista fica sempre desenhando em uma folha em branco e acreditando estar no caminho certo. Um editor competente é aquele que consegue apontar esse caminho. Ainda usa a analogia dos Beatles e George Martin, o produtor, que ajudava a banda a acertar as músicas. No caso de Urasawa, o editor é realmente um segundo par de braços. Tanto que Takashi Nagasaki, seu editor de longa data e hoje produtor de quadrinhos, assina quase todas as obras de Urasawa. Em Billy Bat, a mais recente, ele é co-autor. Os europeus invejam essa relação e falam que chegou a hora da Europa revisar sua forma de trabalhar.

Eu concordo e muito. Sei que o sistema livreiro tem seus méritos, mas acho que isso acaba criando um mercado para poucos mais versados e talentosos e não dá espaço para o material médio e para artistas iniciantes. O mangá, já foi falado uma vez por um editor, pode transformar um garoto com algum talento em uma grande estrela, só com potencial. E, ao contrário do que muita gente que nem é estrela ainda pensa, trabalhar com um editor te apoiando pode engrandecer o trabalho e te fazer ver coisas que sozinho, jamais veria. O editor é o primeiro leitor, e é pago pra ser aquele mais chato, que vai apontar erros e incoerências e também o mais apaixonado, que vai sempre ter a sua obra como especial e querer o melhor para ela, custe o que custar.

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No final, é apontado que diversas vezes, o trio comentou Osamu Tezuka e Moebius, ambos os maiores nomes de suas vertentes. Urasawa diz que sempre que vai pra França, volta com uma pilha de livros de Moebius, ele cita o termo “otona gai” (compra de adulto. Criança ganha mesada e não pode comprar tudo o que quer. Adulto pode comprar uma coleção completa de uma vez, por exemplo). Moebius o inspira, cada traço parece dizer para ele desenhar. Peeters completa dizendo que os dois não são apenas autores superiores, mas pessoas com biografias interessantes e inspiradoras. Vidas que nos inspiram a sair do cotidiano e ver o ofício de fazer histórias como uma aventura. No fim, ainda é citado o “Moebius Line”, que Tezuka usava para falar do sombreado de linhas, que ele passou a usar inspirado por seu companheiro francês.

 

Entre no site original para ver uma montanha de fotos e imagens de páginas do material. CLICAQUI

Dia 20 de Outubro, o segundo evento Manga Fest promete reunir mais artistas europeus e japoneses em Tóquio. Diferente da maioria dos eventos, este é voltado ao lado da produção, com painéis e a chance de ter essa troca de experiências com artistas consagrados. Ficar de olho nisso. Tá na minha agenda.

 

PS: A zueira com Shingeki no Kyojin é uma brincadeira interna. Malz ae quem foi fishado.

 

O que eu acho? Evento só sobre produção de mangá, com artistas fodas, convidados internacionais de alto calibre, painel bacana… Pode isso Arnaldo?

8 ideias sobre “Naoki Urasawa, Schuiten e Peeters discutem quadrinhos. Não Shingeki no Kyojin.”

  1. Cara meus parabéns pela matéria, inclusive pelos comentários só agregou mais valor ao post! Ver a conversa desses autores, com suas peculiaridades e seu respeito mútuo, foi incrível, a energia deste encontro fez até a luz cair aqui! rsrs

  2. Muito bom (abre o olho, Anime Friends!). Ver Urasawa (fez permanente? hue)
    comentando seu método de criação é um sonho. Essa troca de ideias entre
    diferentes culturas é sempre construtiva, Otomo é a prova
    disso (mencionaram Moebius e Tezuka, tio Katsuhiro é o semideus que surgiu da junção desses dois gi-gan-tes).

    Interessante também a análise do trabalho do editor. Com relação aos mangás, penso neles sempre como facas de dois gumes (você bem que podia dedicar um post a esses malandros, hein, Sakuda? ;)).

  3. Aê Xil, valeu por passar o geral! Acho interessantíssimo essa conversa entre mercados completamente diferentes… Seria interessante se os mercados fossem ainda mais próximos, com maior troca de culturas e valores. Acho que isso agregaria muito para os quadrinhos worldwide.

    PS: Sakuda double-fishing… chamou pra postagem com piada interna sobre Kyojin, e solta a barbada no final, como quem quer dizer:
    “Me perguntem o que é a piada interna.”

  4. Mestres conversando sobre suas grandes obras, e sobre os deuses que são suas referências. Isso não é só para quem curte mangá ou banda desenhada, isso é para quem gosta da arte de desenhar uma história. E como eu já ouvi falar, é a forma de arte mais antiga, que começou com pinturas em paredes de cavernas.

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