As classificações japonesas

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Yo!

Desta vez vamos ver como ficam as classificações etárias japonesas, como são usadas nos mangás, em livrarias e editoras do mercado local.

 

Muito se fala que esse e aquele mangá é seinen ou josei ou shonen ou shojo. E em geral, sua classificação é estipulada pela classificação de sua revista de publicação. Nesse ponto, os próprios editores de mangá discordam. A classificação depende muito da época e dos valores sociais.

kamishibaiEm seu início, o mangá era a evolução natural do Kamishibai, o teatro em papel, que era levado ao público por contadores de história itinerantes, que narravam histórias apoiadas em sequências de ilustrações. Muitas vezes eram senhores de idade, com uma bicicleta ou um carrinho de mão, contando história para crianças, que na época, não tinham TV ou mesmo os quadrinhos para se distrair. Era um prazer de outra época, contar histórias para os netos. Muitos desses senhores eram os avôs que não contavam mais história para seus próprios netos, e muitos narravam para orfãos da Segunda Guerra Mundial.

Por isso, o início do mangá bebe muito do modo de operar desses senhores que contavam histórias tradicionais infantis, muitas vezes por prazer, em suas horas vagas.

Por anos, o quadrinho japonês foi sinônimo de diversão infantil e esse estigma não era nem discutido. Osamu Tezuka, considerado o Deus do mangá, sempre dizia que os mangás deveriam atender as crianças primariamente, mas que seus materiais eram universais.

Nessa época, brilharam os livros de atividade infantil, onde os mangás ganharam seus primeiros espaços de importância, e logo tomaram até mesmo o lugar do resto do material que saia, dominando a revista. A Shonen Sunday, maior revista da época, era um livro de atividades, que muito se assemelha à Recreio que temos hoje no Brasil, e contava com umas poucas páginas de mangá, basicamente material de comédia. A Sunday era conhecida como “Gag no Sunday”, a Sunday da comédia, por que nela é que estavam os maiores autores do gênero. E a comédia sempre foi um genêro forte entre as crianças.

Durante a década de setenta, o Japão passou por grandes transformações sociais, como a liberação feminina, os protestos estudantis e a maturação acelerada dos leitores de quadrinhos. Eram os filhos do Baby Boom pós-guerra japonês, que viravam adultos.

Nessa época, o público de quadrinhos, em sua maioria crianças até pouco tempo, não se renovava e tinha virado adulto. Esses adultos não tinham interesse em mangás infantis, muitas vezes somente toleravam os quadrinhos de sua infância, destratando os mais recentes. O clima tenso da época pedia temas mais realísticos e propostas diferentes.

Para acompanhar a época, revistas como a Shonen Magazine, em desdém ao nome, que remete às crianças, passaram a fazer quadrinhos com temáticas adultas. Nessa época, a pratica ainda era pouco frequente no país. Outras revistas, como a Sunday, mantiveram sua proposta infantil, mas na própria editora dela, a Shogakukan, surgiam propostas novas para esse público.

Do desmantelamento da Boy’s Life, revista que mantinha uma proposta parecida com revistas anteriores ao mangá, surgiu a Big Comic, uma revista para garotos, mas sem o estigma do “Shonen”, que pode crescer com seu público e hoje é considerada uma revista adulta.

Também nessa época nasceu o Gekigá, termo criado por um grupo liderado por Takao Saito, autor de Golgo 13, em repúdio ao nome “mangá”. Ele relacionava o mangá diretamente à Osamu Tezuka e sua maneira de fazer quadrinhos, um material infantil e fantasioso, que não condiz com o gosto de um público exigente, que busca realismo e protesto, característica da época em todo o mundo.

A intenção de Saito era de derrubar o termo mangá por completo, por remeter a uma visão imatura (mangá significa literalmente traços irregulares, tal qual o termo cartoon) e que não alavancaria a narrativa ao status de arte merecido.

No entanto, o sucesso da Shonen Jump viria a alterar o quadro. No final da década de setenta e principalmente durante a década de oitenta, a SJ provou que o quadrinho fantasioso era capaz de encantar um público vasto e que mesmo o Gekigá poderia ser adaptado para os termos do mangá.

Dessa forma nasceram séries como Cobra e Hokuto no Ken, consideradas adultas hoje, mas que bebiam do Gekigá ao fazer mangá, trazendo o traço realista e a temática adulta a um mundo fantástico. Outras séries, como City Hunter e mesmo Video Girl Ai e Dragon Ball misturavam os valores de um mangá do passado, mais inocente e fantástico, com o realismo em traços e temas, herança de uma época que começava a morrer.

A Shonen Jump pode ser considerada a grande responsável por impedir o mercado japonês de quadrinhos a atender uma geração e morrer com ela. Por mais certo que parecesse naquela época atender ao maior público, que era de adultos nascidos no Baby Boom, um dia eles iriam morrer e as novas crianças nunca teriam tido contato com os quadrinhos, e isso iria marcar a morte do mercado. Porém, mesmo que a importância da Shonen Jump seja incontestável, outras revistas, como a Sunday, desempenharam o papel de manter acesa a chama dos quadrinhos infantis.

O formato Shonen Jump de fazer quadrinhos vigorou por anos e praticamente criou os alicerces de tudo que lemos hoje. Um editor dela, Kazuhiko Torishima, pode ser considerado a grande figura por trás dessa época. É o editor de títulos como Dobberman Keiji, Video Girl Ai, Dr Slump e, claro, de Dragon Ball. Como editor-chefe da revista, alavancou séries como Yu Gi Oh, Naruto e One Piece, ao voltar a acreditar em autores novatos, salvando a revista de uma época de crise.

Torishima acreditava muito no valor do mediamix, criar títulos que poderiam virar anime, games, filmes, e vice versa. Foi quem levou Toriyama a fazer designs para a Enix, e depois, trouxe Dragon Quest para a Shonen Jump como contraproposta. Se Tezuka ampliou o mangá em sua época, Torishima multiplicou isso durante a década de oitenta.

Com o aumento considerável de interesse no mangá, o mercado passou a derramar milhares de títulos, em centenas de revistas. A Shonen Jump chegou a marca inacreditável de 6 milhões e 800 mil cópias vendidas por semana, recorde imbatível no Guiness. Nesse cenário, cada revista buscava seu espaço e foi quando nasceram as mais diversas divisões dos mangás. E isso se confunde cronológicamente com o inicio do movimento Otaku, quando os fâs de mangá e anime começaram a ficar mais fortes na cultura japonesa.

Hoje, sob um status mais sólido em um mercado mais retraido, os mangás são normalmente divididos por estas categorias etárias

 

Younen – Infantil.

Conhecido no exterior como Kodomo (uma forma chula de descrever a categoria, algo como falar mangá de criança, não mangá infantil), atende primariamente os leitores até o primário, sem diferença entre garotos e meninas.

 

 

 

Shonen – Juvenil para garotos.

Atende primariamente garotos do primário até o colegial e é considerado o mangá de base. Também é a categoria mais lida, normalmente atendendo até leitores mais velhos e também do público feminino.

 

 

 

Shojo – Juvenil para garotas.

Atende primariamente garotas do primário até o colegial e é considerado a base para suas leitoras, como o Shonen.

 

 

 

 

Seinen – Masculino para jovens.

Josei – Feminino para jovens

Atende leitores do colegial até a idade adulta, podendo conter temas mais densos e um nível de violência e sensualidade maior, mas ainda limitado.

 

 

 

 

Young Ladies – Feminino para adultos.

Algumas revistas femininas excluem o público em idade colegial, como a Feel Young, Kiss e mimi, e categorizam esses títulos como para jovens mulheres solteiras. Mesmo havendo revistas “Young” masculinas, elas são categorizadas como seinen, pois o foco não muda nessas revistas.

 

 

 

 

Seijin – Adultos, em geral masculino.

Revistas voltadas extritamente para adultos, que podem conter violência, sexualidade e conduta anti-social. Em geral, se refere à quadrinhos eróticos, mas também abrange materiais que simplesmente abordam temas de interesse adulto.

 

 

 

 

Ladies – Adulto feminino.

Revistas voltadas extritamente para adultos. Diferente do Seijin, que as vezes atende o público feminino também, esta categoria se refere somente à material feminino erótico, Boys Love ou homossexual.

 

 

 

Essas categorias são as usadas oficialmente pelas editoras e distribuidoras, sendo muitas vezes seguidas pelas livrarias e revendedoras. Existem controvérsias sobre certos títulos dentro de algumas revistas, e seu conteúdo, que parece inapropriado. São casos isolados, mas muitas vezes, isso acaba influindo em como este título sai para as encadernações, ou até mesmo para novas tiragens da encadernação, como é o caso de Hokuto no Ken, que saiu como Shonen, pela Jump, mas hoje é categorizado como Seinen, por sua violência e temas considerados fortes demais.

Algumas peculiaridades, como as revistas Young, trazem confusão. No geral, as revistas Young japonesas se referem a um público jovem saido do colégio, ou seja, adultos mas ainda com interesses próximos ao Shonen ou Shojo. Porém, no mercado feminino isso é mais acentuado, as editoras deixam bem claro que as revistas Young são para adultas em fase universitária ou já no mercado de trabalho. No segmento masculino, isso não é tão claro, revistas Young e Seinen se misturam e têm o mesmo grau de controle criativo para temas mais pesados.

 

Quanto aos Seijin, o termo se refere aos adultos que alcançaram uma idade em que se considera resposável por si mesmo. É uma característica japonesa. No Japão, os jovens que fazem 20 anos são oficialmente emancipados e considerados plenamente responsáveis por si mesmos. Uma cerimônia pública celebra essa passagem, o Seijin Shiki, Cerimônia da Maioridade, onde todos os jovens de sua região são aceitos no mundo adulto.

Portanto, os quadrinhos para esse público leva em conta que eles são plenamente responsáveis por seus atos, leem o que quiserem e compreendem que mesmo os temas mais fortes e sujos fazem parte de um contexto fantasioso.

É dai que saem as revistas sobre perversões sexuais, e a liberdade de escrever até mesmo sobre temas tabus. Mas não se limita a falar sobre sexo e violência, o mangá seijin também fala sobre mercado de trabalho, relações sociais, comida, carros e até mesmo mangás técnicos, que tratam com mais seriedade assuntos específicos, como um mangá que fale de carros com um aprofundamento mecânico ou uma história gourmet, que se aprofunda na teoria do paladar e no uso de temperos.

Sua variação feminina, as revistas categorizadas como Ladies, são um caso à parte. Seijin, na verdade, não se limita a feminino ou masculino, sendo uma revista simplesmente para adultos.

As revistas para “Ladies” surgiram por causa das histórias femininas cada vez mais temperadas por personagens andróginos e relações homossexuais veladas. Para que essas histórias, que permeavam a fantasia feminina, fossem expostas, teriam que sair em revistas específicas, para que não afrontassem o público que não compartilha desse desejo nas revistas femininas com uma linha editorial mais conservadora.

Nessas revistas surgiu o Boys Love, quadrinho sobre relacionamento entre garotos aparentemente heterossexuais, além de quadrinhos simplesmente voltados a um público homossexual, que no Japão, já consumia revistas shojo que produzissem material com o qual pudessem se identificar. E apesar de todo o apelo erótico, muito desse material é apenas de relacionamento e simplesmente tratava de personagens homossexuais em contexto adulto.

Recentemente, muitas novas revistas atendem públicos por assunto, não por sexo, idade ou escolaridade, como as mais tradicionais, mas são revistas estritamente de nicho e com vendagens limitadas, como a G Fantasy, única revista expressiva dessas.

O quadrinho segmentado do Japão responde imediatamente à Revolução Cultural que ocorreu no Japão na época, onde as mulheres conquistavam seu espaço na sociedade, os valores sociais eram revistos, os estudantes contestavam a sociedade programada por pessoas que não os representavam, e o resto do mundo mesmo acompanhava esse mesmo pensamento.

Muito disso também depende da demanda e de uma certa coerência editorial. Fazer uma revista ampla em gêneros pode aparentemente atrair um público maior, mas também pode tornar a revista desinteressante como um todo. O ideal é fazer uma revista que respeite ao máximo o público a que se pretende atingir, e receber os leitores eventuais, sim, mas nunca desvirtuando sua proposta de entreter seus leitores primários.

 

Abaixo, fique com mais imagens de antologias. Na verdade, é o resto das imagens que eu peguei no Google pra ilustrar aqui…

9 ideias sobre “As classificações japonesas”

  1. >As vezes posso ter lido algo de lá, mas nunca lia a própria Ikki, só em tankohon. É uma revista antiga e com vários clássicos, mas eu não sou muito o perfil do leitor da Ikki mesmo, curto coisas mais light.

  2. >Interessante você dizer que nunca se interessou por um mangá da Ikki, pois encontrei muitos mangás que considero "pérolas" que percebi ter sido publicado lá.Questão de gosto.

  3. >Valeu, TBO!Conduta anti social seria tipo estupro, terrorismo, lolicon, etc. É o termo técnico pra "ser um filho da mãe".

  4. >Muito legal o texto, gostei como deu todo um panorama histórico no assunto, sem contar a nostalgia que senti ao ler a parte sobre gekigá… Tenho quase certeza de ler em alguma revistinha quando eu era mais jovem alguém falando sobre Lobo Solitário e sobre isso de gekigá tomar o lugar do mangá… Mas não lembro muito mais a respeito. Só fiquei meio curioso com a parte a respeito do que seria especificamente a tal "conduta anti-social" mencionada na parte do Seijin… (falando assim me dá muito margem a imaginação xD)

  5. >Yuri? Ela nunca me enganou, ela e a Dilma! Hehehe! Mas deixando a piada de lado, tô ligado, eu até via a Ikki de vez em quando lá, mas acho que nunca me interessei por nenhum mangá de lá. Esse mangá em específico, eu achei que era a cara da Marina Silva desde a primeira vez que vi a capa! Fiz questão de colocar essa imagem agora pra não perder a piada!

  6. >hehehe não é a Marina Silva ali não, mas lembra bastante não é!? Essa menina é protagonista de Gunjo, mas esqueci o nome dela. Gunjo é yuri

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