Antologias, segunda parte

Yo!

Segunda parte da matéria sobre antologias, agora, descrevendo cada uma das principais antologias de mangá japonesas, inclusive com curiosidades e a história de cada uma.

MSS_07A Shonen Sunday.

Nasceu apenas como “Sunday” e seu nome vem de sua missão editorial. “Fazer os leitores sentirem como se fosse domingo ao ler”.  Nascida em 1959, a revista foi um ícone de gerações. Seu mascote, um “namazu”, conhecido como “catfish” em inglês, foi herdado de uma antiga revista da mesma editora, chamada “Chuugakusei no Tomo” (Amigo do Ginasial – curiosamente, ela se tornou a Big Comic, hoje, revista adulta da editora). Ele tem um significado, de que um dia ela vai ser grande, representando a vontade de crescer, que se realizaria na década de setenta, quando foi a revista mais vendida.

SSS6439_HSeu grupo editorial era completamente formado por editores de revistas para estudantes e eles trouxeram muito conteúdo parecido, criando o estigma de “a revista dos estudantes”, não apenas com mangás, mas contos, matérias, passatempos, e tudo que interessasse os jovens da época. A própria editora, Shogakukan, leva no nome o “shogaku”, ensino básico, por ter nascido como uma editora de material voltado aos estudantes. Para os estudantes da época, domingo era o único dia que não tinha escola, o dia de sair pra brincar com os amigos. Isso explica a profundidade do nome da Shonen Sunday, uma revista de entretenimento em uma editora de revistas escolares.

282556228cc4f357abbbedc0c044fe85Ao contrário da Shonen Jump, que usa o resultado de pesquisas de público para definir sua grade, a Shonen Sunday mantém uma linha editorial baseada no conhecimento de seus editores e no talento de seus autores. Por isso, temos muitos artistas “da casa”, que publicam sempre seus títulos lá, como Rumiko Takahashi, Gosho Aoyama e Adachi Mitsuru. Novatos só entram em espaços entre os trabalhos dos consagrados.

Pode parecer que isso vai contra o que muitos ouviram sobre as antologias japonesas, mas fora a Jump, são poucas as revistas de mangá que realmente levam tão a sério as pesquisas de público. Essa impressão de que as revistas japonesas interagem mais com seu público é errada, são poucas as revistas que realmente ouvem os leitores, as pesquisas de público são apenas mais um dado para se avaliar, que tem importância maior ou menor, dependendo de cada revista.

 

MSS_10A Shonen Jump

Responsável pela imagem das antologias japonesas de quadrinhos no mundo afora, ela já foi até mesmo uma lenda pro mercado editorial, quando vendia semanalmente quase 7 milhões de cópias, entrando pro Guiness.

Ela nasceu em 1968, com o grupo da extinta antologia Shonen Book, sendo considerada sua sucessora direta. No programa de TV da SJ, Sakiyomi Jumbang, um papagaio de pirata dirige o programa junto dos apresentadores. O nome desse papagaio é Capitão Book, alusão à Capitão Gancho (Hook, em inglês) e ao título-pai da SJ.

4009-1Da Shonen Book também vieram os ideiais, representados por três palavras “Amizade”, “Esforço” e “Vitória”, resultado de uma pesquisa com os garotos da faixa do público almejado, perguntando que palavra lhes vinha a mente quando pensavam em “a palavra que mais toca seu coração”, “a palavra mais importante pra você” e “a palavra que você mais deseja”.

Herdou também alguns de seus autores e até alguns títulos, como Harenchi Gakuen, de Go Nagai, ainda novato. Mas todos os maiores medalhões da época tinham contratos com as outras revistas ou não tinham mais tempo para preparar novas séries para a revista. Esse foi o grande problema inicial da Shonen Jump.

Para contornar esse problema, a Shonen Jump começou recrutando novatos que nunca haviam publicado, assistentes de artistas e insistentes pretendentes, dando chance a eles.

Além disso, uma coisa que poucos comentam, é que a Shonen Jump publicou material americano na época, como Mandrake e Flash Gordon, para preencher espaço.

jump200913Com o tempo, a Shonen Jump ficou conhecida como celeiro de novos talentos, de onde sairam vários dos grandes nomes do mangá. Por ser uma revista aberta a amadores, era uma das poucas que poderia publicar o trabalho de gente que não tinha conexões. Se tornou o sonho dos amantes de quadrinhos, que nessa época, já passavam de leitores a aspirantes de autores de mangá.

Mas treinar e profissionalizar os artistas não é fácil e como qualquer empresa esperta, a Shonen Jump criou um sistema onde os artistas são contratados exclusivos da editora, não podendo criar nada para outras editoras além da Shueisha, mesmo depois de sua série ser cancelada. É por isso que uma frase recorrente da Jump diz “o trabalho de XX autor você só encontra na Shonen Jump”. Isso é verdade! Por que o autor da Jump não pode publicar fora da editora.

Por causa disso, a Shonen Jump é uma das poucas revistas que pagam um valor por contrato além do valor por página. Alguns artistas reclamaram publicamente disso, principalmente porque depois de ter seu trabalho cancelado, eles precisavam pedir permissão pra poder trabalhar em outra revista.

diary20100315-04Outra peculiaridade famosa da revista é o esquema de pesquisa de público. Várias revistas adotam as pesquisas, mas no final, é o corpo editorial que decide o que vai ser feito. Na Jump é diferente. O público vota e decide o mangá que deve ser cancelado, dando espaço para outro entrar.

Ela é a única a dar tanto valor às pesquisas e isso já criou coisas como o final controverso de Saint Seiya (Cavaleiros do Zodiaco) e Shaman King, que foram votados pelo público para saírem, mesmo depois de terem feito um sucesso muito grande.

Outros, como Hadashi no Gen (Gen – Pés Descalços) e Boy foram votados para sair, mas voltaram pra revista em continuações. E existe o caso de Kinnikuman (Músculo Total no Brasil) que foi votado pra sair, mas os editores apostaram pra continuar e acabou virando um grande sucesso. Outros mangás foram cancelados na revista mas continuaram em outras, como Besharigurashi.

images (1)A pesquisa ainda decide a ordem em que as histórias entram na revista. Quanto mais votos, mais a frente ela fica. Porém, casos especiais como os de Pyu to Fuku Jaguar, que sempre fechava a revista, independente do voto, existem. E os editores também influem as vezes, ignorando os votos para dar destaque a alguma aposta da revista. Isso por que muitas vezes, os leitores abandonam os títulos que vão pra segunda metade da revista, matando qualquer chance de subir de volta.

Os votos não têm valores iguais. A idade influi, votos de garotos da faixa de idade dos leitores da Jump valem mais pontos, votos de homens adultos valem um pouco menos, votos de garotas um pouco menos e votos de mulheres adultas, menos ainda. Isso por que a Shonen Jump é uma revista criada para garotos, e mesmo que tenha um público fora de seu nicho, ela deve priorizar sempre eles.

js1Ao contrário de suas atuais rivais, a Shonen Jump não tem a tradição de colocar ensaios fotográficos. Também nunca deu capa à um esportista, prática comum da Shonen Sunday e Shonen Magazine em suas primeiras décadas. Somente em um periodo confuso durante a decada de noventa a Shonen Jump aderiu a isso, mas hoje já não faz isso. Porém, ainda mantém matérias sobre esporte, com entrevistas. Mas só no miolo da revista.

De todas as antologias, se tornou a única considerada pelos seus leitores um marco, sinônimo de bons mangás.

 

MSS_08A Shonen Magazine

Nasceu no mesmo ano, mesmo mês e mesmo dia da Shonen Sunday e de sua parceira de editora, Shukan Gendai, esta, de variedades para adultos, em 17 de março de 1959. Sua editora é a Kodansha, uma tradicional editora de livros, especializada em criar bestsellers. Até hoje, dentro do mercado livreiro japonês, a Kodansha e a Kadokawa são consideradas as maiores do ramo.

A Magazine foi uma revista de variedades, com matérias esportivas, de atualidades, ensaios fotográficos, dicas de música, brincadeiras, etc. Como diz o seu nome, Magazine, era uma revista onde você encontrava tudo que procurava, com muita variedade, onde nenhum leitor sairia sem encontrar algo de seu interesse.

SSM47_HAté o segundo editor-chefe, a Shonen Magazine tinha apenas 1/4 da revista destinado aos mangás e muitos autores de shojo mangá, o mangá feminino. O quadro foi mudando aos poucos, principalmente quando um editor mais ousado chamou Tetsuya Chiba para fazer um mangá de beisebol encomendado.

Depois dessa época, a Shonen Magazine se tornou a revista de quadrinhos mais vendida no Japão, com 1 milhão e meio de cópias, ao se desvirtuar, sendo mais lida por universitários, mesmo mantendo o título de “shonen” (para garotos). Isso aconteceu no primeiro fenômeno de envelhecimento de público, como acontece hoje no mundo, e foi uma solução para manter as vendas. Funcionou, até a Shonen Jump desbancar a fórmula e a crença de que o mangá comum acabaria pra dar lugar ao gekigá.

Desde então, a Shonen Magazine tirou os olhos de sua antiga rival, a Shonen Sunday, para olhar diretamente sua nova presa. E ao contrário da Shonen Jump, que se gabava de ser a revista que respeita a pesquisa de público, a Magazine passou a se alardear como a revista dos editores, onde um grupo de bons editores pesquisava diversos fatores, como a venda de tankohons, os encadernados, as vertentes do mercado, os interesses do público, tendo as pesquisas de opinião somente como mais um dado.

SSM69_HIsso tornava a revista muito mais estável que a Shonen Jump, que trocava títulos, que muitas vezes ainda tinham um público, deixando-os orfãos. Por outro lado, essa estabilidade muitas vezes criava a má fama de revista de tendências, sempre fazendo títulos que perseguem sucessos de outras revistas.

Durante suas primeiras duas décadas, a Shonen Magazine foi aclamada pelo público por suas criativas áreas de interação com o leitor, mostrando o poder de um grupo editorial forte. No entanto, a Shonen Jump, de novo, criou sua seção de leitores e foi muito bem recebida. A Sunday também seguiu o caminho e hoje, a Shonen Magazine é a única que não tem essa seção.

A Magazine também é conhecida por sua flexibilidade com os autores. Muitos autores de sua linha passam para outras revistas, como a Afternoon, e até para outras editoras, sem grandes problemas, como acontece com a Shonen Sunday ou com a Shonen Jump. Ela também aceita muitos autores de outras editoras de forma mais aberta, e é a única grande que sempre foi assim.

SSM38_HTambém sempre teve a tradição de aceitar autoras, mulheres para fazer seus mangás, contradizendo a linha de homens fazerem mangás para homens e mulheres para mulheres do passado. No entanto, sempre fazia as autoras assinarem como homens, mesmo no caso de autoras vindas de algum sucesso, como é o caso de Mitsurou Kubo, nome real: Mitsuko Kubo, de Moteki, que estava na revista feminina “Mimi” e foi para a Magazine quando seu editor foi transferido pra lá, criando seu primeiro sucesso, 3.3.7 Byoshi.

Outra caracteristica da Shonen Magazine é a de sempre ter temas atuais em suas revistas, inclusive explorando crítica social e temas polêmicos, como em GTO, que quando publicado, era considerado um mangá que somente a Shonen Magazine poderia publicar. Mas essa sua postura também limitou o mediamix, fazendo poucos de seus mangás migrarem para animes e outras mídias, que não poderiam aceitar temas tão fortes em sua época.

Outro fator é que até hoje, muitos títulos são criados dentro da editoria, e encomendados a autores. Existe até caso de editores que se tornaram autores, como o criador de Get Backers, Bloody Monday e muitos outros sucessos atuais da Magazine, Shin Kibayashi, que assina com outros nomes, dependendo do tema, como Tadashi Aki, Yuma Ando, Joji Arimori, Ryumon Ryo, etc.

 

4131-1A Nakayoshi

Tal qual as revistas jovens masculinas, a Nakayoshi, da Kodansha, mantém sua rivalidade com a Ciao, da Shogakukan e com a Ribon, da Shueisha. Ela não só está entre as maiores revistas de mangá no país como é a mais antiga ainda em publicação, nas livrarias japonesas desde 1954.

Ao contrário das revistas masculinas, que miram numa idade ginasial, as revistas femininas miram no periodo entre o primário e o ginásio, e também nasceu como uma revista de variedades, onde o mangá era mais uma atração.

As revistas femininas têm periodicidade mensal, e não semanal, e sua briga pelas primeras posições atualmente, também diferindo do material masculino, têm sido a de quem cai menos, com tiragens cada vez menores.

10085892501O grande problema das revistas femininas  tem sido que seu público se restringe ao feminino jovem, enquanto as revistas shonen conseguem agradar homens, mulheres, e em várias idades. Para contornar isso, muitas revistas femininas têm mudado sua fórmula e colocado materiais quase próximos ao shonen, mas ao shonen que atrai as garotas.

Isso muda um quadro de anos, onde sempre foi claro que o mercado de literatura feminino em geral sempre foi estável e fácil de lidar, pois as mulheres tinham hábitos de leitura mais fieis. As revistas femininas passavam por poucos problemas de mercado e mesmo a competição entre elas sempre foi mais amena que a calorosa rinha de galos shonen, onde todo mês alguma novidade precisava acontecer.

 

img_92228_17140483_3A Big Comic

Nascida da Boy’s Life, a revista era mais uma da Shogakukan a publicar mangá para garotos, sucesso absoluto em 1968, época de sua estréia. Vinha na sequência do sucesso da Shonen Sunday, maior revista da época no ramo.

Ela mudaria de nome e essência na mudança que ocorreu no mercado na década de setenta, transformando a Boy’s Life em três revistas distintas, sendo a Big Comic, voltada aos garotos mais velhos, e hoje, para adultos.

 

20090211121205Em sua época de Boy’s Life, ela flertou com o Kamui Den, de Sampei Shirato, publicado na Manga Garo. Shirato chegou a publicar o Sampei Gekijou (Teatro Sampei) na revista, único mangá dela, que era especializada em contos, mas foi na Big Comic que ele achou seu lar, sendo o principal nome dela durante seus primeiros anos. E onde ele continuou a saga de Kamui.

A linha foi tão bem sucedida que gerou vários devirados, como a Big Comics Spirits, Big Comic Superior e Big Comic Original, que continuam sendo publicados com sucesso.

 

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O Japão publica dezenas de antologias de mangá, para todos os públicos, em várias periodicidades, com milhares de títulos de mangá disponíveis. Eles são os alicerces desse mercado tão forte e sólido, onde a Shonen Jump continua vendendo milhões e gerando franquias lucrativas para várias empresas.

Leia a primeira parte também

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6 ideias sobre “Antologias, segunda parte”

    1. A Sunday e a Magazine brigaram pau a pau. Mas a Sunday vendeu mais por mais tempo, ela foi a Jump de sua época. Mas a Champion foi a única que chegou a passar a Jump.

  1. >Ando mt mais interessado em seinen ultimamente, ou vai ver ateh em seijin, ja q soh descobri que existia essa denominacao agora. xD Vai ser bom ler mais a respeito.Valeu pela resposta, vou ficar esperando pelo tal outro post entao!

  2. >TBO,Valeu o elogio!Seinen mesmo seria as revistas "Young", tipo a Young Jump, Young Magazine… A Big Comics é considerada Seinen (jovem adulto sexo masculino), apesar de seu material ser pra adultos, Seijin (acima de 18 anos). Aliás, essas divisões é assunto pra um outro post, que eu tô anos postergando. Quem sabe um dia…Respondendo a pergunta, a principal seria a Morning, da Kodansha, onde sai Vagabond. Mas a Big é uma instituição aos adultos não-otaku no Japão, vende muito também. Não sei de cabeça as vendas, mas acho que por elas, a Morning está na frente.E um outro obrigado pela Ação!Abraço!

  3. >Terminei de ler agora as duas partes e agradeço mt a iniciativa de explicar tao detalhadamente assim sobre antologias no Japão (falou até do Brasil um pouco, isso foi realmente mt informativo).Voce diria que a principal antologia de mangá seinen seria a Big Comic? (me lembro q Naoki Urasawa publicou Monster e 20th Century Boys em revistas de lah…)Bem de qq forma, mt legal o texto, to torcendo pra vcs na Ação Magazine conseguirem fazer esse mercado de quadrinhos nacional funcionar de vez! (por assim dizer) Boa sorte ae!

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