Quando analisamos produtos como se fossem obras de arte

Navegando pela internet encontrei uma curiosa série de pinturas do artista Hiroshi Mori e elas me fizeram questionar algumas coisas que abordarei nesse texto.

Em suas pinturas intituladas “Religious painting” o artista nascido em Tóquio imagina uma combinação estética entre as pinturas religiosas da época do renascimento e os personagens com traços característicos dos mangás. O pintor diz querer mostrar com esse trabalho a distância que existe entre as artes clássicas da Europa, e até do japão mesmo, se comparadas com o trabalho feito pela cultura pop japonesa e seus animes e mangás. Se pararmos para pensar isso levanta questões bem interessantes.

Na minha visão, e na de muitas outras pessoas, essas pinturas chegam até a ser engraçadas, não é nada profano ou desrespeitoso, é quase como se um Michelangelo tivesse a intenção de ser um Echiiro Oda ou vice-versa. Mas se formos além dessa brincadeira óbvia o poder questionador desse trabalho é realmente muito forte. Existe sim um abismo entre a arte tradicional e a arte que vemos hoje sendo feita como forma de entretenimento. Toda arte é para nos entreter de alguma maneira, mas nem todo entretenimento é realmente arte e isso não deve ser visto como algo ruim.

arte
Não vou entrar no mérito do que é arte, existem livros no mercado que podem fazer isso com mais propriedade do que eu, mas muitas vezes vejo as pessoas querendo fazer análises tão profundas sobre séries, mangás e qualquer outro meio da cultura de massa que parece que elas acabam esquecendo a real função desses produtos. O que era para ser a mais alta crítica erudita acaba se tornando algo risível e nem nós mesmos percebemos isso as vezes. Não quero dizer que tentar entender a fundo algo que gostamos seja inútil, mas as vezes poderíamos nos ater apenas no que a obra realmente é ao invés de ficar tentando encontrar complexidade e genialidade no que não possui.

Estamos em uma época em que tudo precisa ter um motivo e ser claramente inovador e bem idealizado, do contrário parece que todo mundo tem vergonha de expor que gostou, quando na verdade até os grandes artistas clássicos faziam muitas de suas obras apenas pensando nos trocados que iriam ganhar e não na genialidade que depois lhes seria atribuída. Devemos levar as coisas menos a sério, curtir sim, mas sem a necessidade de tentar agregar muito valor ao que se está assistindo, ouvindo, lendo ou jogando, divirta-se e ponto.

Entendo que a quantidade de informações que temos acesso todos os dias é gigantesca, absorvemos tudo muito rápido e absorvemos muita informação, obras simplórias e/ou lineares mostrando apenas um acontecimento fechado não nos interessam mais tanto, queremos criações com um nível de informação tão amplo quanto aquele que um mundo tão vasto como o nosso possa proporcionar. Mas de vez em quando é bom retroceder um pouco e tentar encarar tudo com um olhar mais simples.

Confira alguns trabalhos do artista Hiroshi Mori:

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Fonte imagens: Hiroshi Mori

Sobre Wagner

Wagner é o manda chuva do Troca Equivalente. Formando em algo sem relação alguma com o universo dos animes e mangás, está sempre por aqui dando seus pitacos. Pelo nome do blog já dá para imaginar qual é o seu mangá/anime favorito.

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5 thoughts on “Quando analisamos produtos como se fossem obras de arte”

  1. O que é arte é uma questão que está longe de ser respondida. Nenhum livro tem a resposta definitiva, são apenas interpretações fundamentadas em estudo, conhecimento e experiência própria. Eu tendo inclusive a achar um pouco arrogante quem tenta dizer “isso é arte”, “isso não é arte”, ou “isso é alta arte” e “isso é arte popular”.

    A arte clássica japonesa já era bastante caricata, como são hoje mangás e animes. Não estou sugerindo a existência de uma continuidade, apenas colocando em perspectiva a noção que temos de que “artes plásticas de verdade tendem a ser realistas e anatômicas”. Claro que se colocar personagens de anime em pinturas renascentistas o contraste de estilos vai ser grande. Cômico até. Mas isso não diz o que é e o que deixa de ser arte. Se colocar personagens da fase cubista de Picasso em quadros renascentistas também haverá um grande contraste, e eu duvido que você ou qualquer um aqui se atreva a dizer que Picasso não é arte.

    Há duas coisas em comum entre o que costumamos chamar de arte clássica e mangás e animes. A primeira é o fato óbvio de ambos serem trabalhos criativos. A segunda é menos óbvia: ambos são produzidos por especialistas, pessoas que se treinaram no ofício e o estudaram, conhecendo-o com maior ou menor maestria.

    Mas vá lá, há muito de opinião aí ainda. Um é “só entretenimento” e o outro é “arte”, não é? Eu discordo. Mas ok, até aí é inofensivo.

    O que realmente me incomoda no seu texto é sua tentativa de pautar a crítica alheia. Olha, se você não gosta de “fazer análises profundas”, se as acha “risíveis”, tudo bem. Não escreva nem leia nenhuma. Mas saiba que isso faz parte da “diversão” de outras tantas pessoas, coisa que você parece ter em maior estima. Eu passei uma hora durante a última madrugada analisando como estão transformando a Kudelia de Gundam Orphans em uma personificação do conceito de liberdade, como é feito desde a antiguidade em templos e na arte. E na arte. Gundam é arte? Eu não sei. Mas certamente o episódio em questão tinha material que o permitia ser comparado com obras que sem sombra de dúvida são consideradas “arte” – e foi intencional.

    Se estiver curioso, o artigo (na verdade apenas um comentário curto, meus artigos de verdade são maiores) é esse: http://anime21.blog.br/2016/01/27/uma-cena-gundam-iron-blooded-orphans-ep-16-forjando-a-deusa-da-liberdade/

    1. Oi Fabio obrigado pela mensagem e parabéns pelo blog, achei bem legal. Vocês analisam mais seriamente episódios a episódios, raro isso hoje.

      Eu gosto de analises profundas sim e até tento fazer algumas as vezes hahaha. A questão não é essa, esse texto foi mais para tentar mostrar meu ponto de vista sobre a exagerada busca por gostar de algo que seja incrível e super relevante. Queria mostrar que temos e podemos gostar e elogiar coisas que muitos consideram ruins ou de menor importância. E que elas não serem obras de arte, não são demérito nenhum. Só isso.

      1. Entendi. Digo, acho que entendi. Está tentando dizer algo como “Nem sempre o que a gente gosta é bom; às vezes é uma merda grande e fedida. E está tudo bem ser assim! Podemos gostar de qualquer coisa!”? Se for isso, eu concordo.

        Mas realmente me incomoda usar arte/não arte para dizer bom/ruim, complexo/simples, obra-prima de uma vida/rabisco no guardanapo. Lembro de quando eu estava no médio e a professora de artes plásticas nos mandou ver uma exposição do Basquiat. Conhece Basquiat? Foi um grafiteiro, pesquise no google imagens sua arte se precisar. Parece rabisco de criança! A professora realmente queria que refletíssemos sobre “o que é arte”. Não que eu tenha entendido isso na época =D

        Enfim, não acho que dê para definir o que é arte. Acho que o melhor critério é o Teste do Pato. Se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então deve ser um pato. Assim quase tudo vira arte. E eu não tenho problema nenhum com isso: ser ou não ser arte não torna algo melhor ou pior, mais complexo, nem muda o esforço gasto para produzi-lo. E quanto à crítica, vale tudo também. Se for ruim, é ruim, fazer o quê. Mesmo se a obra em questão não “merecer” qualquer crítica, serve como um exercício para o crítico treinar sua habilidade dissertativa/argumentativa =)

  2. Olá, isso dá um ótimo debate!
    Acho que o ponto de partida da ideia é perfeito: entretenimento não pode ser analisado como arte. Mas aí você também tira o mérito de quem consegue transformar entretenimento em arte. Um exemplo de mangaka que eu vejo como um artista é Naoki Urasawa. Monster tem tantas camadas de significado que superam a simples diversão, o mangá/anime diz alguma coisa de maneira profunda etc., etc. Então, pra mim, dizer que as obras do Urasawa são só entretenimento e não podem ser “analisadas” com mais profundidade é diminuir o trabalho do cara.

    E você pode estender o debate também para os quadrinhos ocidentais, que já alcançam status de arte na crítica especializada. Ou seria um quadrinho como “Maus” apenas entretenimento?

    Acho que simplesmente depende da obra em questão, não dá pra generalizar todo o gênero dos mangás/animes como entretenimento. Não sei se consegui me fazer claro, é meio ruim fazer uma discussão aprofundada pela internet. Mas de qualquer jeito valeu pela postagem, é legal pensar nessas coisas.

    1. Oi Phillipe, consegui entender sim seu raciocínio. Mas não estou dizendo que muitos quadrinhos não possam ser classificados como arte, até acredito que algumas obras como o próprio Maus que você citou realmente estão nesse patamar. O texto foi mais para tentar mostrar meu ponto de vista sobre a exagerada busca por gostar de algo que seja incrível e super relevante.

      Não é desmerecer Maus, mas sim dar merecimento para trabalhos considerados mais simplistas.

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