Yuri On Ice – Conclusão

Afinal, Yuri On Ice fez história?
Depois de uma excelente estréia, Yuri On Ice encerra depois de conseguir o impressionante feito de derrubar o Crunchyroll por conta da quantidade de acessos. A própria equipe do site fez uma live no Periscope mostrando suas reações ao assistir o último episódio. A repercussão no ocidente foi grande, levando em conta que se trata de um anime. Teria a série correspondido às expectativas criadas no primeiro episódio?

Tecnicamente, houve uma queda na qualidade das sequências de patinação no correr dos episódios. Entretanto, seria injusto exigir perfeição de um anime feito para televisão, com orçamento e prazo apertados. Isto sem falar na dificuldade extra de retratar um esporte onde não apenas o corpo inteiro se mexe, mas também o rosto tem que estar expressivo. Poderia ter sido muito melhor? Sim. Era possível fazer melhor? Não sabemos. Provavelmente não.

“Poderia ter sido melhor, mas…”

Para compensar essa questão na animação, a trilha sonora e o design seguiram impecáveis por toda a temporada. Os patinadores se apresentaram ao som dos mais variados tipos de música, algumas interpretadas por artistas estrangeiros. A trilha funciona muito bem não apenas dentro do anime mas também isoladamente. Mesmo quem não se interessou por Yuri On Ice pode gostar das músicas.

O design também foi feito com muito capricho. Os personagens têm uma grande variedade de tons de pele, cabelos, tipos de rosto. O figurino dos atletas foi criado por um atelier especializado. Um detalhe bacana é que o brilho das roupas e das lâminas dos patins “pisca” e reflete de acordo com o movimento. Os uniformes de cada país são fiéis aos verdadeiros, assim como o visual das cidades onde acontecem as competições.

Um comparativo entre a Barcelona do anime e a da vida real.

A dublagem de cada episódio do anime levou de 6 a 7 horas, o dobro do normal. Isto porque as cenas eram refeitas várias vezes até que as falas alcançassem as nuances apropriadas. Os dubladores foram instruídos a evitar ao máximo o histrionismo e cacoetes típicos dos animes e a dar uma interpretação mais realista aos personagens. Aplausos para Toshiyuki Toyonaga no papel de Yuri Katsuki que conseguiu exprimir muito bem a complexidade de um personagem atormentado pela ansiedade e baixa autoestima. Tanto que muitos fãs descrevem Yuri como “parecido com o Shinji de Evangelion, só que mais divertido”.

Um dos seus principais pontos altos, no entanto, é sua história. Embora não seja especialmente original, ela é muito bem contada. Com leveza e excelente timing cômico, a série consegue entreter como poucas. Isto não quer dizer que não houve problemas. Em alguns momentos o foco excessivo nas apresentações de personagens não tão interessantes atrapalhou. O final pareceu corrido, como se acrescentassem muita coisa de última hora. Entretanto, ao pensar no anime como um todo, as qualidades superam os defeitos.

Yuri surtando antes da apresentação. A semelhança com o Shinji de Evangelion foi apontada por alguns fãs.

A autora, Mitsurou Kubo, acertou em cheio ao ampliar os horizontes de sua história. Enquanto a maioria se volta para dentro, produzindo animes pensando apenas no público japonês e para nichos cada vez mais específicos, ela se voltou para fora, para o mundo e para o mainstream. Procurou contar sua história evitando excessos de referências culturais japonesas que poderiam dificultar o entendimento da história para o público não-otaku.

Além disso, Yuri On Ice se passa em várias partes do mundo e tem personagens de várias nacionalidades, que não são nada estereotipados. O atleta americano, por exemplo, tem nome latino pois é descendente de mexicanos.

Personagens com vários tipos físicos, diferentes tons de pele, diversas nacionalidades.

Por causa disso, Yuri On Ice conseguiu causar um grande impacto fora do Japão, chegando a ser a ser mencionado em um episódio do desenho South Park. Pessoas que nem sabiam o que era patinação artística começaram a assistir competições. Patinadores de vários países, inclusive alguns que nem se interessavam por animes, passaram a acompanhar e comentar sobre a série nas redes sociais.

Aliás, as redes sociais marcam presença de maneira muito orgânica, coisa raríssima de acontecer em animes – se é que alguma vez chegou a ocorrer. São as redes sociais que dão o pontapé inicial para a história de Yuri e Victor, é através delas que descobrimos um quasi-plot twist no episódio 10.

Viktor e o seu vício em Instagram.

Entretanto, a maior qualidade de Yuri On Ice é a forma leve, bem humorada, e ao mesmo tempo delicada e respeitosa com que desenvolveu o relacionamento entre Yuri e Victor. Tudo acontece de maneira natural e divertida, alternando comédia e drama na medida certa. Pode-se dizer que foi uma das melhores histórias de amor com um dos casais mais simpáticos dos animes.

Algumas pessoas criticaram a série por não assumir totalmente que se tratava de um relacionamento homoafetivo. Fazer isto, entretanto, poderia levar Yuri On Ice a ser rotulado oficialmente como yaoi, transformando-o em anime de nicho – algo que seus criadores queriam evitar. E quais seriam as razões para não querer a classificação de yaoi? Preconceito? Com certeza não.

Com ou sem beijo, Viktor e Yuri são um casal bacana.

Em seu Twitter, Mitsurou Kubo postou o seguinte comentário:

no mundo de Yuri On Ice, as pessoas não sofrem preconceito por causa do que amam. E eu quero proteger/respeitar este mundo de todas as formas possíveis.

Isso indica que ela realmente quer passar uma mensagem contra a intolerância em sua história. Ainda que não seja o seu ponto principal, é algo que Kubo provavelmente gostaria que alcançasse o maior número possível de pessoas, sem ficar limitada a um nicho.

É claro que também há motivos menos nobres – animes mainstream, com um público maior, lucram muito mais. E Yuri On Ice está vendendo muito bem. Porém, o carinho e dedicação sinceros na produção do anime são evidentes na atenção a pequenos detalhes. São olhares, gestos, uma coisinha aqui e ali que foram pensados e cuidadosamente colocados. Quem diria que um anime sobre patinação artística conquistaria tanta gente ao ponto de derrubar o Crunchyroll?

Amostra de ilustração para Blue Ray e DVD de Yuri On Ice. Praticamente a “foto do casamento”.

Portanto, podemos dizer que sim, Yuri On Ice fez história. Se esse feito terá reflexos duradouros, só o tempo dirá.

Sobre liviasuguihara

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).

Afinal, Yuri On Ice fez história? Depois de uma excelente […]

6 thoughts on “Yuri On Ice – Conclusão”

    1. Pode ser um primeiro passo para uma visão menos preconceituosa do esporte (no caso, especificamente a patinação artística masculina) e um aumento de popularidade, talvez. Vai depender de como vão fazer o marketing da série, e se vai mesmo ter uma segunda temporada.

      Valeu pelo comentário, Gabriel! ^^

  1. Esse anime surpreendeu geral. Quem não dava nada amou e quem estava ansioso não sabe como vai viver sem. Concordei com tudo na análise, principalmente os detalhes e nuances que renderam posts de análise internet afora e pela primeira vez em anos me fizeram ver o mesmo ep 3 vezes por razões diferentes.

    Que abra o leque, se não para mais relações saudáveis (seja homoafetiva ou não), para pelo menos mais confiança em animais originais e histórias orgânicas.

    1. Sim, são tantas coisinhas – como o olhar meio assustado do Yuri quando ele quebra o recorde, as capas de celular, os personagens acompanhando as competições por streaming e tuitando ao mesmo tempo.

      Também espero que Yuri On Ice seja o início de uma tendência ^__^

      Obrigada por comentar!

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