Ghost in the Shell e o Whitewashing – “Branqueando” o elenco

O que estão fazendo com Ghost in the Shell?

Whitewash, definição: (1) branquear uma parede pintando-a com cal; (2) impedir que se conheça a verdade sobre um fato negativo como uma situação ou ato desonesto, imoral ou ilegal. (Dicionário Merriam-Webster, tradução livre).

Recentemente, correu a notícia de que a produção do filme Ghost In the Shell estaria testando efeitos de CGI para fazer os atores “parecerem mais asiáticos”. Isto reacendeu o debate sobre o whitewashing no filme, que já tinha sido discutido quando foi escolhida a atriz Scarlett Johansson para o papel da protagonista Motoko Kusanagi.

A atriz Scarlett Johansson caracterizada como Motoko Kusanagi

A atriz Scarlett Johansson caracterizada como Motoko Kusanagi

O whitewashing nas artes cênicas ocorre quando atores brancos interpretam personagens de outras etnias. Até mais ou menos a metade do século XX era comum atores brancos usarem próteses e maquilagem pesada para representarem negros, índios, latinos e orientais. A prática foi diminuindo à medida que protestos como os do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos se fizeram ouvir. Mesmo assim, volta e meia isso ainda acontece. Antes da discutida versão hollywoodiana de Ghost in the Shell, houve Dragon Ball com um atores ocidentais nos papéis de Goku e Bulma. No Brasil, sabe-se que a Globo escalou o ator Luis Melo para interpretar o patriarca de uma família japonesa na novela Sol Nascente. Neste último caso, porém, vale esclarecer que o personagem é descrito como “neto de americanos”, portanto, poderia ser mestiço, o que justificaria até certo ponto a escolha de um ator ocidental. O site Shoujo Café fez uma matéria ótima sobre o whitewashing nas novelas brasileiras, vale a pena ler.

No caso específico de orientais, produtores/diretores alegam que é difícil encontrar atores dessa etnia que saibam inglês (ou português, no caso de produções brasileiras). De fato, o idioma é uma grande barreira, principalmente para os japoneses. Entretanto, Estados Unidos e Brasil possuem uma expressiva população de descendentes de orientais. Existe até uma associação, a MANAA (Media Action Network for Asian Americans), que luta por mais oportunidades para artistas descendentes de orientais norte americanos.

The Joy Luck Club é um filme sobre mulheres chinesas que imigraram para os Estados Unidos. Imagina se fossem atrizes ocidentais?

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Outros dois fatores que afirmam estar interligados na dificuldade para contratar orientais para grandes produções são o dinheiro e a audiência. Filmes e novelas precisam ser financiados, e quem investe quer garantias de retorno como, por exemplo, um ator principal famoso, capaz de atrair público. Ao ser questionado por ter escalado um elenco majoritariamente ocidental para o filme Exodus: Deuses e Reis, o diretor Ridley Scott respondeu: “Não posso apresentar um projeto com um orçamento destes (…) e dizer que o meu ator principal é Mohammad-de-tal. Jamais conseguiria que me financiassem desse jeito”. É uma alegação pragmática para este filme e também, talvez, para Ghost in the Shell, já que Scarlett Johansson tornou-se bastante popular principalmente após a franquia Vingadores, mas não justifica casos como O Último Mestre do Ar, por exemplo, que escalou atores ocidentais pouco conhecidos para os papéis principais.

Finalmente, existe a questão da liberdade artística. Atores querem provar seu talento fazendo todo tipo de personagem: herói, bandido, homem, mulher, velho, jovem… e até mesmo alguém de outra etnia. Será isso errado? E quanto a filmes como Thermae Romae, em que atores japoneses interpretam romanos (ainda que, nesse caso, estejamos falando de um país com pouquíssima miscigenação em sua população)? Ou o shakespeariano Muito Barulho Por Nada, que traz Denzel Washington e Keanu Reeves como irmãos?

Oi, eu sou Goku! Hein? Como assim, não acredita?

A verdade é que em muitos casos, o whitewashing acaba mutilando ou desvirtuando a obra artística como um todo. No caso de Dragon Ball, por exemplo, a estética e boa parte dos personagens foram baseados em mitos e lendas chinesas. A lógica de seu universo e o encanto de sua atmosfera provém em grande parte dessa característica. Dar um rosto ocidental a Goku prejudica toda essa construção. Por outro lado, obras como Death Note e Monster talvez não haveria nenhum problema em ter protagonistas ocidentais porque suas histórias suportam bem adaptações e mudanças dessa ordem.  Se o que está acontecendo com Ghost In The Shell é whitewashing ou não vai depender de que tipo de alterações serão feitas  e que impacto isso vai ter na obra.

Não se trata de cercear a liberdade artística de diretores e roteiristas, mas de respeitar a essência de uma obra. Além do mais, em um mundo cada vez mais globalizado, onde filmes americanos ganham mais dinheiro fora de seu país e novelas brasileiras são exibidas até na China, por que não oferecer mais chances para artistas de diferentes etnias?

Thermae Romae, o filme: romanos interpretados por japoneses!

Thermae Romae, o filme: romanos interpretados por japoneses!

FONTES

http://io9.gizmodo.com/the-ten-worst-examples-of-whitewashing-from-t

he-last-fi-1749960081

http://deadline.com/2015/10/hollywood-asians-white-washing-the-martian-1201571312/

http://www.merriam-webster.com/dictionary/whitewash

Sobre liviasuguihara

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).

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13 thoughts on “Ghost in the Shell e o Whitewashing – “Branqueando” o elenco”

  1. “Não se trata de cercear a liberdade artística de diretores e roteiristas, mas de respeitar a essência de uma obra.”
    Acredito que vai muito além de liberdade artística e a essência de uma obra, e sim de representatividade, que quase não existe na maioria das vezes. De fato, dentro da obra, em alguns casos, pouco importa a etnia de um personagem, mas no mundo real, no mundo onde crianças negras quase não vem personagens negros, aí sim importa. Lembro-me do caso do kirido John Boyega em Star Wars, onde uma criança com brilho nos olhos conseguiu se ver identificada por um boneco do personagem. Logo, representatividade importa sim.

    1. Fiquei muito feliz quando vi que o novo Star Wars ia ter um personagem principal negro, e muito triste de ver gente reclamando disso. Concordo que a representatividade é importante e deve ser cobrada, mas sempre com atenção para a qualidade artística, para que roteiristas e diretores trabalhem com o mesmo cuidado personagens de diferentes etnias.

      Obrigada por comentar, Garibilbo ^^

  2. Ótimo texto, mas senti falta de explorar o tema (e as consequências do whitewashing) pelo ponto de vista do racismo e da falta de representatividade. Brancos já são a maioria nos filmes e na TV, os papéis são construídos pensando neles, o que não falta é representação para esse grupo étnico. Quando se tira até personagens originalmente feitos para pessoas de outras etnias, o que resta pra elas? Nada.

    1. Obrigada, Naty ^^

      De fato representatividade é um ponto importante, assim como o racismo. E são coisas que acontecem mesmo.com a pressão de grupos como o MANAA nos Estados Unidos. Outra coisa chata é quando colocam um ator asiático “pra preencher a cota”, como se fosse um dos principais, e é sempre o personagem que morre logo no início ou entra mudo e sai calado…

      1. Sim, quando não é assim, costuma ser um personagem estereotipado que só serve de alívio cômico =/

        Acho que até tem um termo pra isso, né? Personagem “token” que só existe pra série/filme falar que cumpre cota de diversidade…

  3. Estranho falar de liberdade artística quando quem compra o direito autoral não é da mesma etnia. Acho que isso incomoda(ofende) a maioria do fans por não ser do jeito que ele espera, não que seja um bom trabalho. O Grito e o Chamado, quantos por ai nem sabem que é originalmente Asiático e ficaram bem mais conhecidos em sua versões americanas?!?
    Acredito que deve ser dado oportunidade sim, mas as pessoas continuam olhando pro lado errado! =/

    1. Obrigada por comentar ^^

      Realmente, no caso de O Grito e O Chamado são histórias que poderiam acontecer em qualquer lugar do mundo. E por serem histórias de terror, “ocidentalizar” a história e os personagens funcionou como uma forma de aumentar a identificação e a imersão no filme. Por outro lado, um filme onde a história depende da estética e de fatores culturais para funcionar, não seria uma boa ideia alterar a etnia dos personagens.

      É verdade que há fãs que não aceitam adaptações apenas por questão de gosto pessoal, mas também há muitos casos em que as reclamações procedem.

    1. Maboroshii, obrigada por comentar ^^

      No caso específico de GitS o que gerou mais protesto foi a história de que estavam experimentando efeitos de CG pra fazer os atores ocidentais parecerem asiáticos. Isso, para os descendentes de orientais seria tão ofensivo quando o blackface é para os afrodescendentes.

      1. Obrigada por explicar, eu também acho muito ofensivo.
        Estas adaptações Hollywoodianas de animes/mangas são bem complicadas. Se a Scarlett Johansson fosse a Motoko, e os outros personagens japoneses fossem representandos por orientais estaria de acordo com o character design do filme de 1995 que mostra diferenciação étnica na fisionomia e no tipo corporal dos personagens. Até faria sentido se fosse assim por este filme impressionou bastante os americanos na década de 90 e deve ter sido o primeiro contato com a série de muitos.

  4. Dragon Ball Evolution, Street Fighter, Dead Or Alive… e tantas outras adaptações que foram ridículas. Está na hora de aprender algo com isso: Hollywood “americaniza” tudo em que “toca” e o resultado todos nós ja sabemos…

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