Feridas – Editora JBC – Vol. Único

Até onde as cicatrizes de um coração machucado podem ser curadas? Venha conhecer a profundidade que pode ter uma lesão dentro de cada ser humano em Feridas.

“A gente acha que é menos infeliz quando não é infeliz sozinho; mas, segundo Zoroastro, não é por maldade, é por necessidade. Sentimo-nos nesse caso atraídos para um infeliz como para um semelhante. A alegria de um homem feliz seria um insulto, mas dois infelizes são como dois arbustos frágeis que, apoiando-se um no outro, se fortalecem contra a tempestade.” – Voltaire

Feridas ou “Kizu”, publicado no Japão pela editora Kadokawa Shoten é mais uma obra, assim como “Só Você Pode Ouvir”, que resultou da parceria entre Otsuichi e Hiro Kiohara (mesmo artista de Tsumitsuki e Another). Publicado no Brasil pela editora JBC, assim como os outros títulos citados, Feridas conta com um trabalho de capa sensacional, páginas internas coloridas e sem falhas de ortografia, e com a já excepcional arte de Kiohara, que cativa mais a cada obra.

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Kizu relata a vida de dois garotos de 11 anos chamados Keigo e Asato , que tem dificuldades em se relacionar com outras crianças e por conta disso são transferidos para uma sala especial na escola para alunos antissociais.  Os dois meninos possuem personalidades bem distintas, mas ambos vivem com familiares que são indiferentes à presença deles, tornando-os invisíveis na própria casa. Um dia ao ver Keigo se machucar, Asato tenta ajudar e, ao tocá-lo, absorve metade do ferimento para si.

Mesmo com essa revelação surpreendente Keigo não o julga como uma pessoa anormal e esse é o início de uma forte amizade entre eles. Asato é extremamente gentil e quer sempre ajudar quem está ao seu lado. Já Keigo tem características mais fortes e é mais sociável. O único problema é que ele não leva desaforo pra casa e só por isso ele não se adapta tão bem com outras pessoas. Dessa amizade pode-se dizer que o Asato é o coração e o Keigo a razão, o que combina perfeitamente, porque um ajuda o outro.

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A descoberta do poder do Asato é uma surpresa para o próprio garoto, que com a colaboração do novo amigo vai testando o controle disso. Embora obviamente seja uma situação perigosa, os dois garotos a principio encaram como uma brincadeira passar as tardes na porta da enfermaria da escola, absorvendo os machucados dos outros.

Em meio a isso eles conhecem a jovem Shiho, que trabalha numa sorveteria e usa uma máscara para esconder a marca que possui na face. Não demora muito para que ela seja mais uma integrante desse pequeno grupo de renegados. A partir daí a história toma um rumo mais amplo, demonstrando os sentimentos deles e o cerne do trauma que cada um carrega. Todos tem em comum uma vida familiar muito solitária, cheia de traumas e, embora não discutam muito entre si sobre isso, encontram na amizade um do outro um grande apoio.

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Crianças que absorvem muitos traumas e medos, guardam-nos para si. Estes podem passar desapercebidos ao não serem exteriorizados, pois não podemos vê-los por fora, mas eles estão aí, dentro desses pequeninos seres retraídos, que tem medo do mundo, baseando-se no pouco que eles conhecem. É importante que antes de haver um convívio social amplo, os educadores deem atenção e carinho especial a eles.

Essas crianças devem ser postas em contato com pessoas que vivenciaram algo semelhante e entendam o que eles passam e lhes mostrem que, apesar de tanto sofrimento, há algo de bom na vida, algo pelo que lutar, algo pelo que viver. A explicação sobre a violência que os meninos passaram é colocado de forma simples, presente na essência de cada personagem o tempo todo, mas sem se prolongar além do necessário.

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Em geral o manga soube dar um inicio, meio e fim satisfatórios para essa problemática. Traz questões polêmicas sobre que tipo de atenção essas crianças antissociais precisam receber e principalmente o que se passa na cabeça delas desde o medo do abandono, a raiva de quem os machucou, não só exteriormente como psicologicamente, até o perdão que nem sempre é possível. Esse conflito foi exteriorizado e finalizado de forma magistral.

Recomendo essa leitura por todas essas questões serem trabalhadas de forma tão sucinta e maravilhosa. Acredito que “Feridas” com certeza merece uma continuação, porque teria muita coisa para abordar em uma realidade futura. Como eles seriam na adolescência? Estariam em uma classe normal com outros alunos, fazendo novas amizades? Como seria a declaração para a primeira namorada? Quais seriam suas ambições? Seria possível um aprofundamento e até uma redenção relacionada aos pais deles. Existe um leque de possibilidades em aberto que poderia ser utilizado em uma sequência. Quem sabe?

Sobre Karina Herbsthofer

Artesã, fotógrafa, escritora, otaku, comilona, amante de gatos e dança. Viciada em cheirar livros! Mora no estado de São Paulo. Escreve no blog do Gyabbo! desde 2014.

Até onde as cicatrizes de um coração machucado podem ser […]

6 thoughts on “Feridas – Editora JBC – Vol. Único”

  1. Olha só, conseguiu fazer eu me interessar pelo mangá xD

    Dessa vez o roteirista parece não ter viajado muito como em “Só Você Pode Ouvir”.

  2. Eu tinha descartado esse mangá por ser “do mesmo artista de Another” mas acabei comprando por impulso :p

    E não é que é bom?

    História muito bonita e curtinha, começa e fecha muito bem em um único volume.

    O autor soube adaptar para mangá, embora eu não tenha lido o livro, não fiquei com a impressão de ter lido uma adaptação como geralmente acontece comigo.

    Recomendo :)

    1. Eu gostei muito da forma como ele soube concluir bem a história e ao mesmo tempo deixar as probabilidades de uma realidade futura para o leitor imaginar como quiser!

      Eu, pelo menos fiquei muito curiosa a respeito disso!

      Além disso gostei bastante dos personagens, não só os principais, mas os coadjuvantes também.

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