Mangas Americanos – Paixão por “Big Eyes”!

Conheça um pouco da trajetória dos artistas dos quadrinhos americanos que fizeram do “manga” seu estilo!

“Os organizadores e perpetuadores da segregação são tanto o inimigo da América como qualquer invasor estrangeiro.” 

Bayard Rustin

Bem vindos às segunda-feiras do Gyabbo!, onde os bizarros são normais!

Digam, o que vocês definem como sendo manga?

Manga é qualquer história em quadrinhos desenhada por japoneses? É uma HQ publicada de trás para frente? É uma linguagem de quadrinhos com mais imagem do que texto? É personagem desenhado com olhão?

Aqui no Brasil os “entendedores” do manga têm um AVC atrás do outro com discussões do tipo. São teses e teses, do tamanho de doutorados, escritas em blogs, sites e no facebook – com direito até a regras da ABNT misturadas com ultrajes subjetivos.

Mas quando os americanos vão discutir sobre manga em seus fóruns e sites, o que se vê é quase uma unanimidade: manga nada mais é do que uma história em quadrinhos feita por japoneses. Ponto.

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Sim, existe muita discussão sobre o estilo do manga, onde há maior “participação” do leitor – tal qual teorizou bem acertadamente o quadrinista americano Scott McCloud em seu livro Desenhando Quadrinhos de 2006. Esta “participação” diz respeito ao modo como a história é contada, não apenas com a suposta narrativa cinematográfica, mas também com outros elementos: valorização dos cenários, de pequenos objetos do ambiente, das emoções das personagens e tudo o mais. Qualquer pessoa de qualquer nacionalidade poderia aprender a fazer isto. Mas, de um modo geral, para americanos, manga é que nem jabuticaba: exclusividade de um único país.

O que fazer, então, quando nos deparamos com coisas como a contribuição de Kia Asamiya para algumas edições de Uncanny X-Men em 2003? Quando vemos uma anime animação como Avatar (da qual alguns fãs, até hoje, não sabem que é produção americana)? Ou mesmo quando nos deparamos com artistas como Joe Madureira ou Humberto Ramos? Afinal, estas produções são tipicamente mangas ou animes? São estes artistas citados (com exceção de Asamiya) realmente mangakas?

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Para o americano otaku médio, não! Obras como Ronin, de Frank Miller, e Scott Pilgrim, de O’Malley, são “manga-influenced comics” – quadrinhos influenciados por mangas. Nem mesmo a versão de Adam Warren da obra japonesa Dirty Pair se salva. E obviamente os artistas americanos que desenham influenciados pelas obras em quadrinhos japonesas não são considerados mangakas.

Bem, bem… sejam eles o que forem, temos que admitir que desde os anos 90 essas obras “mistas” podem ser vistas às pencas nas gibiterias gringas. E embora esta década tenha acompanhado um processo de queda na popularidade do estilo (hoje em dia é tachado de fora de moda), ele ainda vigora e se reinventa a cada dia. Conheça agora alguns destes artistas e obras:

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FRANK MILLER

O pai adotivo do Cavaleiro das Trevas descobriu os mangas no início dos anos 80, sendo particularmente apaixonado pela série Lobo Solitário (que, diga-se de passagem, é ícone só fora do Japão justamente por causa do oba-oba que o autor fez com ela) da qual ainda desenhou algumas capas para os volumes americanos. Em 1983 lançou a mini-série Ronin, que até chegou perto do que poderia ser considerado “manga”.

O autor também utilizou elementos da narrativa do manga para suas obras Noir, como Sin City. E, embora atualmente ele não esteja numa fase criativa muito boa (nem de saúde…), ele ainda afirma que os quadrinhos japoneses (sobretudo os gekigas) ainda são uma grande fonte de inspiração.

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ADAM WARREN

Ele chamou a atenção desenhando as capas da versão “mangalizada” de Star Wars (uma pena que não estivesse no miolo também…). Pegar um ícone pop americano e desenhá-lo com olhões realmente foi um grande chamariz! Também foi o responsável pela versão “comics” do já citado manga Dirty Pair e Bubblegum Crisis. Encaixou seu traço característico em quadrinhos americanos como Gen 13 e Teen Titans. Também criou o título Empowered: uma série que faz troça dos clichês tanto dos quadrinhos americanos quanto dos japoneses.

Atualmente ele é o primeiro nome que se vem na cabeça quando se pensa em “manga americano”, embora o próprio admita que suas obras são mais comics do que qualquer outra coisa.

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JOE MADUREIRA

O criador de Battle Chasers foi chegando no mercado americano desenhando personagens importantes da Marvel e DC com seu tracejado que lembrava um pouco manga. Comendo pelas beiradas, ele fez seu belo traçado misto explodir numa moda que perdurou por boa parte da década passada – desenhistas brasileiros como Roger Cruz e Edu Francisco inspiraram-se em seu estilo, assim como vários outros quadrinistas gringos.

Atualmente afastado do mundo dos quadrinhos – com exceção de algumas contribuições ocasionais para capas e mini-series curtas -, seu traço continua sendo invejado e copiado por muitos desenhistas.

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BRYAN LEE O’MALLY

Se você perguntar ao criador do personagem Scott Pilgrim, Bryan Lee O’Malley, se a obra dele é um manga, este vai ficar horrorizado! Para ele, sua bem-sucedida série é um “quadrinho underground” – o que, por si só, já dá vazão a uma série quase infinita de interpretações –, no máximo inspirado vagamente em animes e mangas – assim como games, séries televisivas e outros elementos de cultura pop.

Mesmo assim, o autor não nega que utilizou alguns elementos típicos dos mangás, como a divisão das “calhas” entre um quadrinho e outro ser mais fina nas laterais e maior nas horizontais, justamente para passar para o leitor a sensação que ele desejava: de se estar lendo algo dinâmico. E conseguiu!

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ELFQUEST

A criação do casal Pini foi lançada em 1978 como um quadrinho independente. Embora os autores, nem de longe, afirmem que a obra tenha relação com os mangas, é inegável perceber vários elementos dos quadrinhos japoneses nela: a construção dramática da história, a ligação mais profunda que os personagens fazem com o leitor, a inclusão de elementos “proibitivos” para quadrinhos americanos mainstream da época (como sangue e sexo), a publicação em preto-e-branco e, por que não, os olhos grandões dos personagens!

Elfquest é atualmente republicado pela editora Dark Horse e caso você queira conhecer mais sobre a obra (inclusive ler online), confira um artigo detalhado AQUI!

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UDON

Este estúdio de quadrinhos canadense foi um dos mais ousados em termos de “mixalização” de estilos. Encabeçado pelos irmãos Pat e Roger Lee, começaram como a falida Dreamwave Productions (que depois de tornou editora por um curto período) e lançaram obras originais como Warlands, Eco, Darkminds – além das versões em quadrinhos de Transformers, Devil May Cry, Mega Man. Quando foram à bancarrota (sobretudo por problemas relacionados à licenciamento), se reorganizaram como estúdio novamente.

Atualmente eles produzem quadrinhos da franquia Street Fighter, X-Men, Darkstalkers e outros – mas o que realmente chama a atenção para o grupo é a arte belíssima de seus membros, que estão sempre trabalhando com projetos publicitários e para outras mídias pop.

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TOKYOPOP

Esta editora estadunidense merece destaque por ter sido, durante muitos anos, o porto-seguro dos adoradores de mangas nos Estados Unidos. Foram os primeiros a publicar os volumes japoneses no sentido de leitura original (não por preciosismo, mas para economizar na mão-de-obra que era necessária para espelhar as páginas) e os primeiros a realmente levar a sério os “mangakas” nascidos no ocidente.

A empresa quase foi à falência em 2011 quando várias editoras japonesas cancelaram seus contratos com eles, mas a casa de publicações ainda conseguiu resistir, sobretudo graças às suas publicações originais e ao investimento no mercado digital – além de depois abrir uma filial na Alemanha.

Algumas de suas obras originais incluem Dark Metro (publicado no Brasil), Peach Fuss, A Midnight Opera e as minisséries inspiradas no game Warcraft.

…….

Ainda há muito o que se falar sobre os “manga-influenced comics” e eu espero que este artigo tenha, ao menos, atiçado a sua curiosidade. Eu lhe garanto que valerá a pena conhecer algumas obras completamente diferentes do estilo que tanto amamos – e que os mais céticos podem começar justamente com estas obras mistas.

Boa leitura e descobrimento a todos!

Conheça um pouco da trajetória dos artistas dos quadrinhos americanos que […]

9 thoughts on “Mangas Americanos – Paixão por “Big Eyes”!”

    1. No início eu tb achei estranho, mas pense bem: se vc escreve uma carta no Brasil para um amigo e escreve outra carta nos EUA para outro amigo, as duas serão cartas, mas a forma que vigora em cada país pode ser diferente (desde à forma de saudação até a forma de endereçar). Então nada impede que sejam feitos mangas fora do Japão, da mesma forma que são feitas tirinhas por quase todo o mundo, e cada uma tem o seu “feeling” próprio.

  1. Acho que a teoria não está condizendo com a prática no que diz respeito a essa definição. Vejamos: se você vai ao exterior e come uma feijoada, não será feijoada só porque está no exterior? Aqui na França, já tem autor de “manga” que não é japonês. Creio que no início da invasão, sim, era coisa de japonês. Então era um mercado. Mas agora acho que é um estilo, ou melhor, um gênero, da mesma forma que diferenciamos tirinha de romance gráfico ou de séries. Do meu ponto de vista como pesquisador da área, o fato dos japoneses ditarem o que é manga é só mimimi xenofóbico (sim, muitos são, mesmo aqui em Paris). Acho que a liguagem do manga já foi absorvida e não é mais monopólio do japonês. Da mesma forma que os brasileiros fazem romances gráficos ou quadrinhos de super-heróis ou tirinhas.

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