O que faz de nós seres humanos?

Antes de começar esse texto é bom avisar que ele não se configurará como uma análise densa do que poderia ser uma resposta para a pergunta-título. Eu poderia pegar vários autores, filósofos, psicólogos, neurocientistas, antropólogos, sociólogos, mas isso é algo que eu nunca tive pretensão de fazer no Gyabbo!, mesmo com o fato de eu estar próximo da minha graduação em Psicologia.

Na verdade, a ideia desse texto é dialogar em cima de dois animes da atual temporada de verão que, respeitando suas propostas e naturezas diferentes, acabaram caminhando para esta mesma questão em algum momento.

O primeiro deles – e que foi o ponta-pé inicial para a ideia desse post – é Kokoro Connect, anime do estúdio Silver Link marcado até o momento por dois arcos: (1) O grupo de protagonistas, três garotas e dois garotos de um mesmo clube escolar acabam sendo parte de um experiência onde seus corpos e mentes são trocados a qualquer momento entre eles; (2) Os “portões” mentais que separam os desejos mais primários são abertos, fazendo com que eles ajam de forma completamente impulsiva.

Já o segundo é Jinrui wa Suitaishimashita – adaptado para o inglês e traduzido por mim para o português como “A humanidade declinou”. Nesta obra AIC A.S.T.A. “Watashi” é uma mediadora entre a humanidade e as fadas, criaturas que controlam a Terra após do declínio da humanidade.

Recomendo bastante Jinrui e Kokoro apenas de forma moderada, mas sigamos.

Mas afinal, onde esses animes convergem?

O primeiro momento em que pensei em fazer esse post foi ao assistir, ainda no primeiro arco de Kokoro Connect, sobre o passado de uma das personagens, Iori Nagase. Sua mãe se envolveu com diversos homens, o que resultou em uma infância marcada pela presença de figuras paternas distintas. Para “sobreviver”, Nagase aprendeu a adaptar sua própria personalidade a cada pessoa, até chegar ao momento em que ela mesma não sabia o que era um papel ensaiado e o que era seu eu real.

Então começamos a pensar, o que faz de mim o que eu sou? Os meus gostos? Meu temperamento? Minhas afiliações? Meu corpo? O sentido que dou para mim mesmo? No entanto, não são todas essas coisas mutáveis e quase que obrigatoriamente modificadas durante nossa vida? O que exatamente define o que nós somos?

No quinto episódio, Nagase afirma que por mais que tivesse essa “natureza” mutável, passando entre vários papéis de acordo com as situações, a unidade que seu corpo representava mantinha seu “eu” (seu ego, se preferirem) preservados, mas que a experiência da troca de corpos impedia a ela de se manter sã, de se manter Nagase.

Pensemos, um corpo sem sua mente “real” deixa de ser o corpo daquele ser? A primazia do “eu” está no fato de pensarmos? “Penso, logo existo”? Mas se já entendemos que o que pensamos é eternamente mutável, mesmo que aos poucos, nunca seremos alguém? Somos, por conclusão, um eterno “vir a ser”? 

E aqui puxamos para Jinrui, uma série que vem a cada episódio surpreendendo mais por sua sútil genialidade. No arco que apresentou a forma como Watashi conhece o personagem Assistente, nos é colocado que este tem um jeito diferente de se caracterizar. É explicado que ele cresceu sem a presença de outras pessoas. Ora, como podemos ser algo em eterna construção sem um parâmetro para que possamos ser de uma forma ou de outra? Reconhece-se a existência de estados naturais dos seres – humanos ou não -, fome, medo, sede, vontade de procriar etc. Mas essas coisas não nos definem, ou melhor, não podem ser fatores para subsidiar quem somos neste exato momento. É justamente na interação com o outro que eu construo minha noção de singularidade, de “eu”.

Em uma passagem muito forte do episódio oito, a pessoa que acompanhava o Assistente até o lugar onde ele deveria encontrar com Watashi informa que apesar de saber sua altura, seu peso e outras informações técnicas, sempre que ele está fora do seu olhar, ela simplesmente não consegue lembrar de quem ele é. Neste episódio somos confrontados com o conceito da “Tábula rasa”. Nascemos vazios para recebermos tudo do mundo exterior e posteriormente podermos processar e fazer nossas escolhas (ou nem isso dependendo da abordagem epistemológica que você quiser usar) ou somos seres humanos por natureza, com mecanismos pré-estabelecidos em nosso cérebro?

Este episódio, esse arco, este personagem, nos questiona de forma incrível, o que faz de nós seres humanos? Se nos questionamos sobre o que faz de nós quem somos em Kokoro Connect, Jinrui vai mais ao fundo e procura uma resposta mais densa. Mas existe uma conexão entre os dois, ao chegarmos a (uma não definitiva) conclusão para ambos os questionamentos com a resposta de que somos um “eterno vir a ser” pois, justamente, somos humanos quando estamos com outros humanos.

Não somos “Tábula Rasa”, mas não somos escravos do nosso biológico. Somos uma mistura tão improvável quanto escorregar em uma casca de banana no meio de uma floresta desconhecida, somos únicos.

Mas e para você, o que faz de você o que você é?

Antes de começar esse texto é bom avisar que ele […]

8 thoughts on “O que faz de nós seres humanos?”

  1. Antes de mais nada devo parabeniza-lo pelo ótimo texto, nos somos como esponja absorvemos um pouco de cada ambiente que vivemos e com isso formamos uma personalidade. Uma frase que exemplifica isso é ” O ser humano é um animal social” não me lembro quem disse mas acredito nisso nos somos em geral principalmente na nossa infância influenciado por quem esta ao nosso redor. Mas não sei se o meu pensamento esta certo e nem sei se existir uma resposta para essa pergunta que faz nos seres humanos.
    Mesmo não podendo chegar a uma conclusão absoluta, algo impossível, apenas por nos questionamos já é algo ótimo. Novamente um ótimo texto, espero que continue a escrever texto cada vez melhor do que esse.

  2. “Muita coisa boa para vocês lerem”… que mentira ein, postagem curta.

    Enfim, nem li sobre Kokoro, mas Jinrui sabe como é. Fantástica série, sempre tem algo a mais para você encontrar nos episódios, uma série perfeita para bater um papo mais útil com os amigos.

  3. Bem, para começar, concordo com e parabenizo várias de suas sentenças. Acompanho os dois animes, sempre reflito sobre os dois, mas não tinha parado para estabelecer todas essas relações.

    Mas vamos lá: o que acontece é que, primeiramente, devemos pensar em nós como matéria. Somos parte de várias moléculas provindas de um big bang (?) que formou seres, sociedades, cérebros que refletem sobre essas aleatoriedades… Não vamos entrar no mérito de sentido da vida, senão teremos um grande texto sem nexo aqui. Enfim, pensando cientificamente, o que seria uma troca de corpos? Pegar o cérebro de um pessoa e trocá-lo sucessivamente com o corpo de outra e vice-e-versa? O que ‘seria’ um caráter? Conjunto de informações, aprendizados, conhecimentos etc. que adquirimos nos primeiros anos de vida e, alguma vezes, na maioridade?

    Sim, de certa forma, somos uma caixa vazia que recebe conteúdo para ter alguma utilidade. Porém, cada vez mais, nós vamos adquirindo [evolutivamente], mesmo ao nascer, coisas que nossos antepassados longínquos não adquiririam mesmo se “tentassem” muito.

    Mas não podemos limitar essa discussão à evolução, visto que a humanidade atingiu um nível extenso [ou é o que pensamos] sobre o raciocínio. Isso faz com que tenhamos as chamadas personalidades. Tanto é que existe uma doença chamada Dupla Personalidade, coloquialmente falando, que é um distúrbio onde um ser humano não controla suas emoções e desenvolve mais de um complexo de ego (?).

    A partir disso, devemos chamar nosso amigo Rosseau para a conversa. “O ser humano nasce puro, a sociedade é que o corrompe.”. Ao que Tarzan indica, se crescermos longe de seres humanos não vamos desenvolver nossa personalidade como temos em mente atualmente [sem levar em conta o fato de vc provavelmente morrer se não for criado por alguém da mesma espécie]. Ou seja, os conceitos que cada um de nós temos HOJE provêm de um desenvolvimento de mais de 10 mil anos. Ou bilhões, se preferirem.

    Então fica difícil até mesmo definir o termo personalidade e caráter para cada ser humano, sendo que não teríamos nem um e nem o outro se não estivéssemos rodeados de pessoas.

    O que pode acontecer é haver pessoas superdotadas, que já é uma ‘realidade’ de hoje. Essas pessoas, apesar de terem tendência ao autismo e à perturbação psicológica, têm ideais mais centrados à justiça, à igualdade, à sanidade… Pode-se dizer que são propensas e ter os melhores caráteres. Não que eu ou você não tenhamos, mas é, de um modo geral, mais superficial. Reflitam mais um pouco aí…

  4. A forma humana e o que faz de nós seres humanos, isso está retratado também no tão criticado final de evangelion. Assistam os dois últimos episódios e tirem suas próprias conclusões.

  5. Gostaria de parabenizar o autor da postagem, gosto bastante de ler sobre esse tipo de temática. Eu particularmente queria que me recomendassem animes/mangás dessa forma mais vezes (não sei se houve a intenção de alguma recomendação, mas eu me senti “recomendado”). Leiam também o comentário do “Caetano” (provavelmente dois acima do meu), também muito bom, e consegue traduzir em sua grande parte o que eu penso também a respeito do tema.

  6. Fico devendo uma segunda leitura do texto pq algumas coisas me passaram numa primeira lida, mas gostei demais. É incrivel quando um quadrinho ou anime consegue ser tão simples e tão profundo ao msm tempo, nos fazendo refletir sobre nós msm! ^^
    larguei Kokoro Connect no 1°-2°capitulo, tinha achado muito superficial… em compensação comecei a assistir Jinrui e viciei. Como tambem estudo Psicologia (ainda nos primeiros semestres) também reparei na questão da formação do ser no arco do Assistente mencionado, e achei realmente interessantissimo, e com certeza vou dar um jeito de coloca-lo em sala de aula um dia! x)

    http://quadroinacabado.blogspot.com

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