Mangas Undergrounds #5 – Oyasumi Punpun

Oyasumi Punpun, ou “Boa Noite Punpun” em tradução livre, é um mangá escrito e desenhado desde 2007 pelo mangaka Inio Asano (Solanin). Ainda em lançamento pela revista mensal seinen Big Comic Spirits (casa de 20th Century Boys, Uzumaki, Homunculus), possui atualmente um total de 10 volumes encadernados.

O mais impactante quando começamos a leitura de Oyasumi Punpun, é a caracterização de um personagem específico. Enquanto todos os participantes da história seguem a estilização padrão de desenho do Asano, temos um único que é representado como um pequeno e simples pássaro, este é Onodera Punpun, o nosso protagonista.

Sendo curto e grosso, Oyasumi Punpun é sobre a história de vida deste protagonista, ou seja, acompanhamos a trajetória e desenvolvimento, desde os cinco anos até a vida adulta deste garoto. O interessante, ou talvez desinteressante, da história é que Punpun não é nenhum herói, ele é só uma pessoa comum que nem eu e você. Sim, ele tem os seus problemas pessoais (alguns menores, outros maiores), mas ele não realiza nenhum grande feito em sua vida, não é como se tivéssemos contando a biografia do Barack Obama aqui, é só um jovem com depressão, sérios problemas de relacionamento com sua mãe, um caso de amor complicado e um grande problema de baixa auto-estima.

 Por que alguém iria querer ler uma história dessas?

Bom, Punpun é uma obra que vale a leitura porque temos vários aspectos que tornam essa história aparentemente chata e genérica, em algo realmente impactante e único. Primeiramente, a dramatização é um constante efeito na obra, desde o começo percebemos que a vida de Punpun não é exatamente feliz. Já quando pequeno, o garoto teve que presenciar a separação de seus pais, resultado de uma forte violência doméstica, culminando na moradia de Punpun com sua mãe, uma mulher que o ignora emocionalmente e culpa o garoto pela perda de sua juventude… e essas são só as primeiras páginas. Mais tarde ainda teremos o encontro do nosso ainda jovem protagonista com essa personagem que será a salvação e a causa de todos os seus problemas, a Aiko. Juntos os dois viverão uma complexa relação, cheia de desapontamentos, desilusões e plot-twists que irão explodir a cabeça do leitor.

Mas talvez as tragédias da vida do garoto nem sejam justificativa para um drama tão exagerado, todos temos os nossos problemas e mesmo assim seguimos em frente. Então mesmo que nem tudo na vida de Punpun seja tão sofrida (e o próprio autor critica isso na obra), o importante não é nem isso, o importante é como o autor faz parecer que é.

Inio Asano faz um fantástico trabalho na construção de seus dramas e consegue passar as mais diversas emoções até em um simples pássaro rascunhado. O autor constrói vários momentos na história de forma tão bem feita que nós literalmente incorporamos no Punpun e sentimos o impacto emocional por ele vivido em cada situação. Desde a estruturação de quadros, até a tonalidade de sombra, cenários e expressão dos personagens, tudo é tão bem planejado pra realmente dramatizar e sensibilizar o leitor. Coisas que poderiam ser levadas comicamente em outras obras, como um encontro com uma garota que não deu certo, ou uma criança fugindo de casa, aqui são levadas ao extremo, a ponto de terem o mesmo valor dramático que outras obras dariam à morte de um personagem, por exemplo.

Sei que para algumas pessoas isso possa parecer bobo e principalmente forçado, mas é simples se você comparar com aqueles filmes tristes de cachorro, tipo Marley e Eu ou Sempre ao Seu Lado. A história sobre um cachorro companheiro não é realmente o que importa, ninguém chora nesses filmes porque tem dó de animais, as pessoas se emocionam porque a história é milimetricamente planejada e construída estruturalmente para que você crie um vinculo e passe a se importar casa vez mais com aqueles personagens, até o momento máximo onde as lágrimas são forçadamente derramadas. Oyasumi Punpun é parecido com um filme triste de cachorro nesse sentido – não importa o que é dito, mas como é dito –, a diferença é que no mangá, a história importa sim.

Aliás, esse é o grande forte de Inio Asano em boa parte de suas obras. Mesmo no meio dessa catapulta de dramatizações e emoções o autor ainda consegue encontrar bastante espaço para desenvolver questões existencialistas, conflitos sobre religião, cotidiano, vida adulta e o nosso crescimento como humanos. Asano levanta várias questões complicadas, no entanto, o mais importante, é que ele as levanta de forma a fazer o leitor realmente pensar sobre o que está sendo dito e fazer uma verdadeira viagem de autodescobrimento.

Oyasumi punpun é uma obra muito pessoal, cada pessoa irá ler o mangá e realizar uma análise muito única e particular sobre o que ele significa. É claro que qualquer obra é vivenciada e absorvida de forma diferente por cada pessoa, mas em Punpun alcançamos um nível de intimidade em que parece que aquela história esta sendo contada diretamente para você. Esse efeito só é possível graças ao pesado uso de simbolismos para transmitir ideias. Muita coisa nesse mangá está sujeita às mais variadas interpretações, o autor constantemente usa de imagens e efeitos narrativos subliminares para forçar o leitor a pensar e realizar análises sobre o “verdadeiro” significado desses simbolismos.

Em uma parte específica do mangá, por exemplo, o Punpun deixa de ser representado por um pássaro minimalista e passa a ser mostrado como um simples triângulo. O “problema” é que em parte nenhuma o autor explica explicitamente o que isso significa. Será que a pirâmide é algum tipo de casulo para proteger o Punpun? Será que é algum tipo de analogia com o fato do triângulo ser a forma geométrica mais simples? Será que é só um recurso forçado e sem significado oculto algum? “Talvez”, “pode ser” e “é você quem decide”. Cada pessoa irá não só fazer uma análise em relação aos simbolismos na obra, mas também uma escolha que poderá fazer o leitor descobrir muito mais sobre si mesmo do que sobre os personagens fictícios.

Gostaria de deixar a ideia de que esse tipo de intimidade na leitura só é possível por um esforço, tanto da parte do autor quanto da parte do leitor. Só quando o autor tem a coragem de largar da nossa mão e nos deixa experimentar, pensar e tirar nossas próprias conclusões na obra e só quando nós mesmos deixamos de querer biscoitos quentes numa bandeja de prata, para arregaçar as mangas e cozinhar um bolo, é que podemos apreciar com vontade essa maravilhosa sobremesa.

Outro ponto interessante em Oyasumi Punpun, possível de se ver em outras obras do autor, é o uso do alívio cômico. Asano tem noção de que praticamente ninguém quer ler uma história puramente dramática, principalmente da forma dramática que ele a constrói. É necessário ter um contrabalanceamento para não tornar o profundo, tedioso. Aí que entra o humor, são cenas que literalmente quebram o ritmo pesado que pudesse estar se construindo e faz o leitor relaxar em um possível momento de tensão, é um equilibro muito decente que, juntamente aos vários momentos imprevisíveis do roteiro, fazem com que o leitor não abandone a obra. Se o drama é a alma deste mangá, o humor, juntamente com o roteiro, é o corpo que sustenta a história. Relevante até pra mostrar esse delicado balanceamento que Inio Asano tem com o autoral e o comercial com sua arte fantástica.

Já conversei uma vez sobre a arte de Inio Asano em um podcast sobre como o autor usa muito de foto-montagem para construir os seus cenários. Algo que alguns podem enxergar como “fraqueza”, aqui é realizado com maestria e os cenários, mesmo sendo praticamente reais, contrastam em perfeita harmonia com os personagens, mesmo com o Punpun que é só um rascunho. Pouquíssimas obras alcançam esse estado harmonioso quando usam foto-montagem ou sobreposição. Enfim, as imagens do post falam por si mesmas, é um mangá que valeria a pena só pela arte.

Para concluir, gostaria de deixar a mensagem de que, como quase todos os mangás que recomendo aqui, este talvez não é seja um título para todos. A diferença é que, desta vez, se você for com vontade de ler e com vontade de entender e compreender Oyasumi Punpun do seu próprio jeito, você certamente irá se surpreender com a profundidade e complexidade narrativa dessa obra tão única e pessoal, a ponto de fazer você descobrir coisas sobre a sua pessoa, que nem mesmo você sabia. É por isso (e muito mais) que…

Eu recomendo: Oyasumi Punpun.

Oyasumi Punpun, ou “Boa Noite Punpun” em tradução livre, é […]

16 thoughts on “Mangas Undergrounds #5 – Oyasumi Punpun”

  1. Comecei a ler esse mangá pela recomendação do grande *Ninta*, mangá incrível que realmente mudou algumas concepções minhas de “O que é mangá”, o Asano é um gênio, seja nas partes de alívio cômico (Exemplo: Na parte onde ele descobre a “masturbação”), ou no drama (“You Reap What You Sow”). Mangá sensacional.

  2. Já tive a oportunidade de ler um volume, realmente não é um mangá para todos, como eu mesmo eu não me interessei, não gostei, provavelmente não sou tão aberto a histórias assim, mas pelo seu post percebi que a algo a mais, vou ler novamente com outro olhar se possível.

  3. Eu queria muito ler, mas não sei onde comprar. Se elguem souber um site que esteja vendendo essa grande obra de arte por favor me fale! obrigado desde já.

  4. Caramba que post ótimo, extremamente gostoso de ler, muito agradável mesmo, fiquei muito interessado em ler esse mangá, a arte do Inio é realmente incrível, tive a oportunidade de ler Solanin, que me agradou, não ao extremo, mas agradou. Darei uma olhada, e parabéns pelo post mais uma vez, ótima escrita e analogias :]

  5. mesmo já lendo o mangá por uma recomendação de um site eu vim procurar no Gyabbo pra saber se tinha alguma coisa rsrsrs e a cada coisa que vejo faz eu me apaixonar mais ainda pelo mangá. Ainda estou no segundo volume, mas a cada capítulo que passa me sinto mais focado e dentro da história. Seria um sonho pra mim ter esse mangá publicado no Brasil, esse que se tornou o meu favorito. A arte do mangá me fascina e enche os olhos. Muito bom seu post.

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