Shogun: uma experiência curiosa na TV

Shogun é uma minissérie antiga que poderia dar muitíssimo errado hoje em dia.

 

Em 2018 o canal FX anunciou um remake da minissérie Shogun, grande sucesso dos anos 80. 2020 está chegando ao fim sem mais notícias, porém o FX garante que a produção acontecerá.

Para quem conhece a minissérie original, a pergunta é: vão usar a mesma estratégia de exibição?

 

Shogun – a minissérie antiga

 

Baseada em livro de James Clavell, a minissérie Shogun estreou na TV americana em 1980. Foi um grande sucesso na época, a maior audiência na história do canal NBC. Ganhou  prêmios Emmy e Globo de Ouro de melhor série, ator e atriz.

Shogun acompanha a trajetória de John Blackthorne, navegador inglês perdido no Japão em 1600. Desconhecendo o país e o idioma, ele passa por poucas e boas.

Inicialmente aprisionado e tratado como inimigo, consegue com esperteza e (muita) sorte, dar a volta por cima. De prisioneiro condenado à morte, Blackthorne progride até ganhar o título de samurai.

 

shogun
Shogun foi um grande sucesso nos anos 80

Achou fantasioso demais? Pois saiba que esse personagem foi inspirado numa figura histórica. Blackthorne foi baseado em William Adams, primeiro inglês a se tornar samurai. 

Embora tenham trocado nomes, a obra claramente retrata a ascensão de Ieyasu Tokugawa ao poder. Ele foi o Shogun que iniciou o período de isolamento político-econômico de mais de 200 anos do Japão.

Uma trama com intrigas e luta pelo poder, choque cultural, romance, mais produção caprichada e ótimo elenco. Seria a receita perfeita para um clássico que envelhece bem, não é mesmo? O que poderia dar errado se “ressuscitassem” a série hoje? 

 

Contextualizando Shogun: anos 80

 

A primeira coisa a lembrar ao falar da década de 80 é que a internet não existia. A televisão reinava absoluta como diversão popular, apesar de nem ter programação 24 horas.

Sim, até por volta de 1986 as emissoras de TV saíam do ar de madrugada e voltavam de manhã cedo. Naquela época quem tinha insônia só podia contar com livros e jornais para se distrair.

Para saber a programação da TV você precisaria de uma revista como esta, ou um jornal. De papel.

Se você gostasse de uma série, tinha que assistir no dia e hora definidos pela TV. É claro que sempre havia reprises, mas elas podiam acontecer aleatoriamente e sem aviso dependendo da emissora.

Podia-se reclamar em caso de insatisfação com o serviço, porém tudo acontecia mais devagar do que hoje. Afinal, não existiam redes sociais para você xingar ou levantar hashtags. O famoso “é o que tem pra hoje” dominava.

 

Uma estratégia arriscada 

 

Boa parte de Shogun está em japonês por causa de sua localização. Entretanto, os produtores decidiram que não haveria legendas. A única tradução seria aquela feita em cena. A ideia era que o público literalmente se sentisse na pele do protagonista.

Assim como Blackthorne, o espectador ouviria longas discussões (das quais dependia a sobrevivência do protagonista) sem entender nada.

A decisão fazia sentido. Blackthorne sente-se na corda bamba porque não sabe o idioma. Para piorar, ele não confiava totalmente nos intérpretes. Essa situação causava a tensão que sustentava o interesse. Não legendar era um jeito de aprimorar a imersão do público na série.

Um samurai que poderia matá-lo ou um intérprete que poderia traí-lo. O protagonista vive na corda bamba.

No livro, o autor conseguiu construir bem a tensão mesmo com todos os diálogos em inglês. Mas isso foi porque a obra escrita possui recursos que o audiovisual não tem. 

Naquela época, a estratégia deu certo porque não havia internet e a TV tinha pouca concorrência. O sucesso fenomenal de Shogun prova isso. 

 

A experiência nikkey com Shogun

 

No Brasil a minissérie foi exibida na Globo, com bastante pompa. Teve direito a vinheta própria criada especialmente para ela. Na abertura, explicaram cuidadosamente por que as falas em japonês não seriam traduzidas.

Entretanto, em cidades onde havia muitos descendentes de japoneses aconteceu um fenômeno curioso. E aqui devo deixar claro que só tenho como fonte minha experiência pessoal. Pesquisando, não achei nada sobre o assunto. Mas lembro que a Globo soltou, algumas reportagens no noticiário local.

Toshiro, amigo, traduz o episódio pra mim que eu não entendi nadinha…

Aconteceu que, depois de cada episódio, nikkeis eram procurados por amigos e vizinhos para “explicar”.

Houve até quem fosse convidado a jantar, para depois assistir junto o episódio e servir de tradutor. Lembro de parentes e conhecidos da família comentando sobre isso.

Se isso ocorreu também nos EUA, onde também há um número razoavelmente grande de nikkeis, não sei.

 

Se fosse hoje

 

E se exibissem o novo Shogun com essa mesma estratégia nos dias atuais?

Até o John Blackthorne sabe que a Terra é redonda.

Provavelmente haveria gente xingando no Twitter. Ou subindo a hashtag #legendaaí. E, com certeza, teríamos vídeos de “episódio explicado” no Youtube. Isso principalmente nos EUA, pois muita gente lá não tem paciência com obras em outro idioma.

Mas talvez Shogun acabasse fazendo sucesso igual, mesmo com reclamações. Afinal, de uma forma ou de outra, ia chamar atenção.

Também poderia ser que o público atual esteja mais receptivo do que há 3 ou 4 anos. A fantástica premiação de Parasita no Oscar 2020 seria, talvez, um sinal disso?

Ou, quem sabe, o argumento da experiência de imersão na obra talvez funcionasse. Pois atualmente, “experiência” é a palavra-chave para vender de quase tudo, não é? 

 

Fontes:

Informações gerais sobre Shogun

Shogun no IMDb

TV Globo

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).