Memória gustativa nos animes

O ser humano por natureza tem uma relação extremamente intima com a comida. É parte do motivo de estarmos onde estamos como sociedade. Fez e faz parte da nossa evolução e logo o ato de comer deixou de ser apenas uma necessidade, mas também virou um prazer, até mesmo uma forma de se expressar, uma forma de arte. Passamos a levar em consideração não só o valor nutricional dos alimentos, mas também a aparência deles, o sabor, a apresentação. Toda uma dedicação a estética alimentar, mas não só isso, também como o alimento faz você se sentir.  Sendo uma parte tão importante da vida cotidiana, não é de se espantar que nas animações a comida também tem sua representação artística e muitos pratos apresentados em anime conseguem ser mais bonitos do que os mesmos na vida real! Mas, mais do que apenas animações muito bonitas e que nos fazem salivar, algumas comidas deixam uma marca profunda na obra. O #PitacosdoVilson desse mês é sobre as comidas de anime mais marcantes que já vi!

Um dia eu fiz Karê Rice

Eu gosto muito de cozinhar, parte disso vem da minha paixão pela sensação de recompensa de fazer algo com as próprias mãos, isso inclui também o motivo de eu ter como hobby montar Gunplas (os modelos de plástico baseados na franquia Mobile Suit Gundam). Em ambos os casos, é muito legal contemplar o belo resultado de todo o tempo e esforço que coloquei botando várias peças diferentes e disformes umas das outras juntas ou, no caso de comida, os ingredientes. Um dia desses, eu botei na cabeça que iria tentar algo que nunca fiz antes: Karê Rice (Ou Curry Rice, ou Curry com arroz, como preferirem chamar). Um prato muito simples e fácil de fazer, além de baixíssimo custo. Inúmeras receitas podem ser achadas na internet, só escolher a que mais lhe agradar. Foi o que eu fiz, arrumei os ingredientes, preparei tudo com muita atenção e carinho, esse aqui foi o resultado:

Modéstia a parte, meu Karê Rice ficou LINDO.

Estava delicioso! Um sabor que eu nunca havia experimentado e que me envolveu completamente. Acham que Food Wars  é exagerado com a reação das pessoas? Estão enganados! Eu senti vontade de chorar de verdade provando Karê Rice (mas também podia ser um pouco culpa da pimenta). A cada colherada, fui pensando em todo o processo, desde a vontade de experimentar até o momento da montagem. No Japão, esse prato tem uma fama de ser considerado uma “comfort food”, aquela que sempre que se está um pouco pra baixo, triste, dá aquele quentinho no coração (mas, de novo, pode ser a pimenta hahaha).

Bom, foi exatamente o que senti. Eu estava sendo acolhido por esse prato e isso me fez refletir sobre como algo tão caricato, que até mesmo já havia visto em vários animes, causava tantas emoções e como há vários pratos em animes que não só são belamente reproduzidos, mas como eles passam uma mensagem ou de alguma forma são tão icônicos que você automaticamente associa o prato a obra.

Assim, me senti inspirado a estar aqui produzindo esse texto e compartilhar com vocês algumas dessas memórias afetivas que tenho entre alguns pratos típicos e o que eles representam dentro de algumas animações.

Uma segunda fonte de inspiração é esse excelente vídeo do Gigguk onde ele foca um pouco mais em como é dado uma importância quase que desnecessária a estética das comidas em anime. Está em inglês, mas recomendo que assistam, é bem interessante! (Não agora, terminem de ler o texto, depois vão lá ver! XD).

Será que isso é bom?

Assim como o Gigguk comenta no vídeo que indiquei, que atire a primeira pedra quem nunca ficou com vontade de experimentar alguma comida que tenha visto em um anime. Eu mesmo morro de vontade de experimentar várias! Sou grande apreciador da culinária japonesa e, para minha sorte e de muitos, esse tipo de comércio no Brasil se tornou muito popular. Até mesmo na cidade onde moro, Piabetá-Magé-RJ, que é considerada “roça”, tem inúmeros restaurantes especializados, então de vez em quando posso me dar ao luxo de comer uns sushis diferenciados, mas, é claro, isso é só uma gotinha no oceano comparado a diversidade que temos na terra do sol nascente.

Não só um Sushiman habilidoso, Simon também traz um pouco de representatividade para os animes.

Sempre que como Sushi, me lembro de imediato do Simon, de Durarara. O anime já é conhecido pelo seu vasto cast de personagens (incluindo uma versão “gostosa” do cavaleiro sem cabeça o que é, ao mesmo tempo, hilário e perturbador), mas o que mais se destaca é sem dúvidas um homem negro de 2,20m de altura, russo, super gentil, carismático e o melhor Sushiman de Ikebukuro.

Seu nome, de verdade, é Semyon Brezhnev. Ele migrou para o Japão após a queda da união Soviética, abriu a loja Russian Sushi que, dentro da série, é um ponto de encontro muito importante onde até mesmo vários conflitos e conversas são definidas lá. Além de tudo, seu sushi é conhecido por ser delicioso. Acho incrível o personagem dele e ainda, culturalmente falando, já que estamos vendo um estrangeiro ocupando um espaço que geralmente é tão tradicional aos mestres Sushiman japoneses. Se você ainda não viu Durarara, fica aqui a recomendação, conheça o Simon e fique, assim como eu, com água na boca vendo os belíssimos sushis que ele prepara!

Nem todo típico prato japonês é tão complexo quanto Sushi, mesmo os mais simples podem trazer memórias fortes e um deles, para mim, é: Omelete.

É magnifico como temos exemplos de belíssimos omeletes que parecem perfeitos, redondinhos, macios e deliciosos. Se existe um que me causa muitas emoções, é aquele que o Tai (Ou Taichi para os mais puristas) faz para a irmã no icônico episódio da série original de Digimon em que ele retorna para casa logo após o fim do arco do Etemon.

Nem eu consigo virar omelete assim, sem fazer bagunça…

Eu já tentei simular o famoso omelete de anime diversas vezes, mas nunca consegui, sempre sai mais… bem… omelete do mundo real. Não que não seja bom, só não tem a estética~. Quanto a esse omelete especifico do Digimon, foi muito mais que só uma refeição feita de improviso. Quem acompanhou a série até esse ponto, viu que a vida dessas crianças foi um inferno, sendo forçadas a condições extremas de sobrevivência e, de certo modo, sobreviver a combates forçados contra animais selvagem super poderosos.

Então, quando Tai retorna para casa e tem uma breve sensação de normalidade, uma das primeiras coisas que ele faz é uma omelete. O plot twist aqui é que ele não sabia fazer uma omelete antes de ir para o Digimundo — ele aprendeu com o Matt (ou Yamato para os mais puristas, de novo) porque ele precisava, ele tinha que saber se virar para sobreviver em um ambiente estranho e selvagem. Para mim, é quase o equivalente a cena final de Naufrago, com Tom Hanks, em que após ser resgatado, ele vê um isqueiro e o ascende, fascinado com a facilidade de criar fogo, tão diferente do martírio físico pelo qual ele teve que passar na ilha para conseguir a mesma coisa. Basicamente, isso mostra o crescimento do personagem e nos faz refletir sobre os problemas que ele chegou a passar até esse ponto.

Falando em crescimento de personagem, existe alguém nas animações que foi uma espécie de espectador do desenvolvimento de vários, sempre estando lá com um delicioso prato de Lámen. Esse pode ser um pouco clichê, mas não tem como tocar nesse assunto sem mencionar o clássico Tio do Lámen do Naruto.

Tão comum quanto a omelete, o Lámen também deve ser um dos alimentos que mais já vi variações em inúmeras animações, sendo um dos que, seja na vida real, seja nos animes, é sempre uma beleza de ver. Uma tigela generosa, cheia de macarrão, carne, ovo cozinho, uma folha de alga, alguns topings a gosto e banhado em um caldo extremamente rico e saboroso.

Esse encerramento que coloquei em destaque é o perfeito exemplo de como o Ichiraku se tornou uma grande testemunha da vida de diversos personagens. Ele viu um menino abandonado se tornar amado por todos, viu famílias se formando, amizades sendo forjadas e até nações se unificando. É impossível pra mim, quando a oportunidade surge, de comer Lámen e não pensar nisso.

Infelizmente, não é todo prato que é de tão fácil acesso e posso apenas fantasiar como deve ser. Assim, um que a animação faz questão de fazê-lo parecer a coisa mais deliciosa do universo, nesse quesito, o primeiro que me vem à mente é o Chitatap em Golden Kamuy.

É… Eu nunca achei que iria ficar com vontade de comer esquilo recém caçado, mas o que uma bela apresentação não faz, não é mesmo? Porém, muito mais do que uma comida exótica, aqui vemos um retrato da cultura indígena asiática que, sinceramente, não vejo sendo explorada tão a fundo. A última vez que me lembro de ver algo sobre os Ainus foi em Shaman King, graças ao personagem do Horo-Horo, que faz parte de uma tribo.

Bem, Golden Kamuy dedica uma boa parte de sua narrativa em explicar alguns costumes desse povo e, em especial, os culinários. É poética e bonita a relação que eles têm com a natureza — e gostaria até que esse tipo de mentalidade fosse mais comum, talvez assim não maltratássemos tanto o nosso pobre planeta.

Poderia ficar fazendo textão para cada prato que já vi em anime e a simbologia por trás dele, mas o intuito aqui é apenas trazer a reflexão sobre como pode haver muita informação por trás de cenas simplórias de comidas em animações. Assim como descobrir um prato novo, um sabor novo, espero motivar você a sempre que vir, a partir de agora, uma cena desse tipo, veja um pouquinho do subtexto que há ali. Claro, tem vezes que é apenas comida bonita mesmo! Posso citar exemplos como:

Gyudon em Kinnikuman

Corneta de Chocolate em Lucky Star

Pizza em Code Geass

Okonomiyaki em Kuroko no Basket

– Os belíssimos Bentos em literalmente qualquer anime slice of life que existe (Inclusive um anime chamado Bento que é sobre… Bem, sobre unicórnios é que não é)

Katsudon em Yuri on Ice (que tem até uma simbologia na série, mas eu me recuso a compactuar com algo tão besta uahuahauha)

E a lista segue e segue de exemplos.

Ah, você deve ter notado que passei o texto sem sequer mencionar, ainda, os clássicas cenas de comida dos filmes do Studio Ghibli… Afinal,  seria covardia, né? Haha.

Espero que tenha gostado do texto! Por onde quer que você tenha chegado até aqui — Twitter, Facebook, Instagram, etc — aproveite para deixar um comentário sobre qual comida de anime você já provou, qual delas você tem curiosidade em conhecer ou, mais importante, qual delas te evoca fortes sentimentos?

Redator para o Genkidama em duas colunas mensais: - TokuTudo: conteúdo diferenciado sobre Tokusatsu no Brasil e no mundo. - Pitacos do Vilson : conteúdo diverso sobre animes, mangás, filmes e diversos aspectos da cultura japonesa. Também sou podcaster e faço parte do Henshin Rio, somos 5 cariocas especializados em falar sobre Tokusatsu.