Personagens limitados são divertidos

Dentre a inumerável quantidade de isekais que compõem o catálogo de animes na atualidade, existe Kono Subarashii Sekai ni Shukufuku wo!, convenientemente apelidado de Konosuba, cuja exibição no já longínquo ano de 2016 destacou-se pela abordagem cômica da série de como seria viver uma vida aquém das expectativas, pra não dizer fracassada, num mundo de RPG.

A série em si é simples e direta o suficiente para não me gerar interesse em ecoar o óbvio ou pontos de vista que com certeza já foram expressados por aí, porém o elenco dela me deixou pensando: personagens limitados são divertidos. Agora, o que eu quero dizer com “limitados”…é algo que eu quero descobrir no decorrer da divagação sem muito rumo que é esse texto. Embarque aí! A passagem é barata e a viagem, tal como a vida, é curta.


A busca por personagens principais que assim sejam

A party duvidosa que foi estopim para esse devaneio.

A maneira mais correta de expressar o pensamento que caiu sobre meu ser é “personagens que têm suas ações limitadas por um traço da sua personalidade são divertidos”, entretanto essa é uma frase longa demais para um título. E esquisita.

Apontemos a lupa para o acima mencionado Konosuba. O time de aventureiros coloridos (literal e figurativamente) liderado pelo sarcástico Kazuma é formado por Aqua, Megumin e Darkness. Respectivamente, a sacerdotisa/deusa inútil, a maga de uma magia só e a cruzado masoquista. Todas, como a nomenclatura franca que eu dei sugere, podem ser identificadas pela sua característica predominante

Inclusive, a Darkness permite um estudo de caso fácil de exemplificar onde eu quero chegar: tão durável quanto sua armadura reforçada e constituição física sobrenatural indicam, a razão dela para se juntar aos outros passa pela vontade insaciável de apanhar dos mais fortes inimigos e, visto que Kazuma foi taxado com a missão de derrotar o Rei Demônio, andar ao lado dele seria um atalho para alcançar suas fantasias. Os fetiches estão diretamente relacionados com a motivação por trás das tomadas de decisão da cruzado e o mesmo vale para os demais, cada um com sua particularidade. Ainda que essas deixem os personagens monotônicos por si só, no sentido de serem previsíveis e excessivamente submissos às mesmas, as “deficiências” de cada figura, quando juntas, se complementam, gerando todos os tipos de baderna. Geralmente, as boas badernas.

Joguei ali em cima que esse tipo de personagem tende a cair no vale da monotonicidade, contudo o fato de personificarem uma qualidade e as falhas atreladas a ela torna-os personagens secundários carismáticos e cativantes. Tendo isso em mente, a próxima estação na qual para a locomotiva divagável se chama “a busca por personagens principais que assim sejam”, ou algo do tipo. Linha 6, Laranja.


A busca por personagens principais que assim sejam

Sakamoto: o rei da escolinha.

Expandindo o alcance da análise para obras além de Konosuba, cujo protagonista não se enquadra nos requisitos, ao meu ver, me lembrei de dois sujeitos: Tanaka de Tanaka-kun wa Itsumo Kedaruge e Sakamoto de Sakamoto Desu ga?. Ambos terem o nome no título é uma similaridade; outra, é que, claro, eles se enquadram. Entretanto, há diferenças cruciais no tratamento de cada um dentro dos seus universos narrativos.

A premissa de Sakamoto Desu ga? envolve o calmo, bonito, inteligente, bondoso, fabuloso… o perfeito Sakamoto executando as mais corriqueiras tarefas de maneira igualmente perfeita. É uma comédia. Uma comédia telegrafada. Você sabe que o Sakamoto vai roubar a cena em algum momento, e a graça está no como, mas já que a série é tão dependente do dito-cujo, às vezes ela parece repetitiva.

Tanaka: às vezes precisa ser levado para a escolinha.

Por outro lado, o Tanaka é um cara preguiçoso. As situações episódicas do anime giram em torno da preguiça dele, só que o elenco de apoio é bastante proeminente e charmoso, diferentemente do elenco rotativo que rodeia o Sakamoto, então o Tanaka não precisa carregar a série em suas costas frágeis. Funciona. Aliás, Tanaka-kun wa Itsumo Kedaruge é maravilhoso! Se você vai levar uma mensagem desse texto, que seja minha recomendação para assisti-lo, se ainda não viu.

Cada caso é um caso, porém é complicado apontar os holofotes para um personagem limitado. Por mais que a ideia de se fazer um personagem principal seja ter alguém falho que representa, nos seus conflitos internos e externos, a principal temática com qual a obra deseja trabalhar, quando ele é simples ao ponto de se resumir a apenas um traço de personalidade, há pouca margem para desenvolvimento. Suponho que, por esses fatores, a existência de protagonistas assim seja escassa. No entanto, o legal mesmo é ver gente tentando enfiar eles nas suas histórias.

Consequentemente, a parada em “a busca por personagens principais que assim sejam” se encerra de forma prematura. Se você se recorda de outros, solte a voz! Faça-se ouvir! Eu escutarei o que tens a dizer, nobre pessoa que isto lê. 


O fim do túnel

A segunda vez que referencio esse negócio depois do texto que escrevi sobre. Mayoiga, com seus personagens safados, é um exemplo negativo do tema. E, pô, “fim do túnel”, tudo a ver com a imagem! E com a desgraça que é a coisa.

Os tais personagens limitados… eu acho que gosto deles. Com falhas tão claras e cheios de simplicidade, são figuras de fácil identificação. Eles podem não constituir grande parte da infinidade de protagonistas por aí, como o Saitama de One-Punch Man, mas dentre os secundários notáveis que vão desde o Rock Lee até vários do bando contido na franquia Danganronpa, há carisma de sobra.

Enquanto reduzir um personagem a somente uma característica pode ser sinal de má escrita e falta de inspiração (vide a imagem acima), saber usá-los requer tato criativo — uma habilidade admirável. 

Pois bem, esse é o ponto final da viagem. Pedi anteriormente para você nomear protagonistas, mas gostaria de ampliar a solicitação para quais outros personagens memoráveis nesses moldes você citaria? 

Desça do meu trem. Por favor.

    Talvez formado no ensino médio, conseguiu um diploma de Produção Multimídia e é técnico em Animação 2D (mas, como discípulo do ET Bilu, busca por mais conhecimento na área). Tem ambições mundiais.