Kamen Rider Saber e a responsabilidade com a era Reiwa

Sejam bem-vindos ao TokuTudo! Sua coluna mensal aqui no Portal Genkidama sobre Tokusatsu!

No dia 6 de setembro de 2020, estreou oficialmente nas TVs japonesas Kamen Rider Saber, a 31° série da franquia Rider e a 2° da era Reiwa, sucedendo a recém-finalizada e excelente Kamen Rider Zero-One. Se quiserem ouvir a minha opinião e a dos meus colegas de podcast, fizemos um episódio sobre a série lá no Henshin Rio e vocês podem conferir AQUI. Com isso, Saber tem agora uma missão muito importante que é ser responsável por dar uma face a essa nova era que é tão celebrada e importante tanto para a franquia criada por Shotaro Ishinomori, quanto para os japoneses em geral. Nesse texto, trago a vocês não só uma resenha do que foi esse primeiro episódio, mas principalmente uma discussão sobre o “fardo” que Kamen Rider Saber passou a carregar.

Um pouquinho de contexto histórico.

Antes de entendermos a importância das eras para Kamen Rider, é importante a gente entender o motivo de elas serem importantes para os japoneses. De forma bem resumida, o sistema de eras é uma forma de contagem de tempo que leva em consideração o atual imperador vigente e/ou até mesmo eventos históricos que podem ser extremamente impactantes. Esse sistema é tão importante cujo registro é requerido em documentos de identidade e outros.

Vocês muito provavelmente já viram animes sobre a era de Sengoku, muito popular na cultura pop japonesa, e se trata de um período histórico quando aconteceram guerras importantes que moldaram o Japão como conhecemos hoje. Temos, inclusive, uma franquia da Capcom (e esquecida por ela mesma) que carrega esse nome e ajudou a popularizar o termo para o mundo inteiro. Estou falando de Sengoku Basara, em que temos esses maravilhosos personagens históricos como Yukimura, Masamune Date e Hideioshi Toyotomi representados da forma mais épica e exagerada possível.

(Cartaz do jogo Mobile, Sengoku Basara: Battle Party)

A era mais longínqua do Japão foi a era Showa (que quer dizer “período iluminado de paz/harmonia”) e durou 64 anos, período que corresponde ao reinado do Imperador Hirohito, de 1926 até 1989. Ainda nessa era, exatamente no ano de 1971, temos a estreia da primeira série Kamen Rider. Todas as subsequentes teriam cada uma sua personalidade, mas as tradições e marcas registradas da franquia iam sendo estabelecidas:

  • Um humano transformado em um androide com o objetivo de destruir uma organização do mal;
  • Muitas vezes a própria que o criou;
  • Com visual geralmente insectoide (salvo algumas variantes como o Amazon que é baseado no peixe piranha por exemplo);
  • Usa um cinto para se transformar;
  • Costuma finalizar seus inimigos com um chute poderoso;
  • E claro, ele é um motoqueiro mascarado.

Entre séries de TV, especiais e filmes, a era Showa nos contemplou com 15 Kamen Riders diferentes.

(Em ordem: ZO, Black RX, ZX, Skyrider, Amazon, Riderman, Nigou, Ichigo, V3, X, Stronger, Super-1, Black, Shin e J)

Seguinte à Showa, houve a era Heisei (cujo nome significa “Paz em todo lugar”), iniciada um dia após a morte de Hirohito, em 8 de Janeiro de 1989, e quando o Imperador Akihito assume seu lugar. Contudo, tal era para Kamen Rider só iria começar com Kamen Rider Kuuga, no início de 2000, após um longo hiato em que a franquia, por pouco, não deixou de existir.

Kamen Rider Kuuga manteve algumas tradições estabelecidas na era Showa, mas ao longo dos anos passamos a ter Riders menos “biológicos e insectoides” e com temáticas ainda mais diversas e tecnológicas, com heróis cuja base vaI desde celulares (555) a até mesmo frutas (Gaim) — exceto por Kamen Rider Blade e Kamen Rider Kabuto, que ainda tinham a temática de insetos, mas com certeza muito mais tecnológicos e coerentes com a modernidade que o mundo ia vivendo e expandindo.

(Em ordem de cima para baixo, da esquerda para a direita: Kuuga, Agito, Ryuki, 555, Blade, Hibiki, Kabuto, Den-O, Kiwa, Decade. W, OOO, Fourze, Wizard, Gaim, Drive, Ghost, Ex-Aid, Build e Zi-O)

A marca Kamen Rider, graças ao sucesso de Kuuga, ganhou uma nova vida e, durante a era Heisei, criou 20 séries anuais diferentes cujo número elevado fez com que fossem criadas subcategorias próprias, com os Riders do “Late Heisei” (De Kuuga a Decade) e do “Neo Heisei” (De W a Zi-O). A partir desse ponto, nada era impossível e absolutamente tudo era potencialmente um tema a ser explorado pelos motoqueiros mascarados.

Finalmente, chegamos a era Reiwa

Em 1 de Maio de 2019, Akihito abdicou do trono e Naruhito assumiu como o novo Imperador do Japão, dando início a uma nova era para o Japão e para Kamen Rider também. Após o decepcionante fim, na minha humilde opinião, de Kamen Rider Zi-O, ela foi a última série da era Heisei de forma comemorativa por ser um grande crossover entre os Riders da era Neo Heisei. A expectativa era muito alta em relação à primeira série da era Reiwa (que significa “nova harmonia”), pois, como pudemos ver, a mudança de era sempre significou para Kamen Rider mudanças drásticas na franquia, seja visualmente, narrativamente e até mesmo tecnicamente, afinal, a cada ano temos mais e mais tecnologias que auxiliam na melhor qualidade de filmagens, efeitos especiais e etc.

Assim, fomos recompensados com Kamen Rider Zero-One que, mesmo tendo problemas com um hiato em meio à exibição por causa do Covid-19 (algo que nunca havia acontecido a uma série Rider antes), conseguiu entregar um show acima da média. Essa nova iteração trazia uma temática muito madura, com discussões profundas sobre o uso de tecnologias futuristas, I.As e disputas empresariais, ao mesmo tempo em que, de forma sutil e pontual, mostrava que não esqueceu suas origens, com um design mais “clean”, além das pequenas referências à era Showa espalhados pelo uniforme e dos power-ups que iam aparecendo no decorrer dos episódios.

Agora, oficialmente, a era Reiwa havia começado para Kamen Rider. Entretanto, Kamen Rider Zero-One não trouxe uma mudança tão radical para a franquia quanto a promovida por seus primeiros antecessores. No caso, Ichigo, para a indústria em um geral, e Kuuga, por modernizar a formula pré estabelecida. Zero-One estava ainda “muito Heisei”, digamos assim.

(Cena do episódio 1 de Kamen Rider Zero-One: A esquerda a secretária robótica Isu e a direita o protagonista Aruto Hiden em seu uniforme como Kamen Rider Zero-One)

Kamen Rider Saber recebe o bastão e assume o palco

Se a primeira série de uma nova era é a que vai dar uma face para ela, a segunda é aquela que vai ditar o ritmo o que a torna igualmente importante, senão mais. A era Heisei mostrou como Kamen Rider está intimamente ligado com tecnologia — e Zero-One foi o ápice disso, talvez a perfeita junção entre Showa e Heisei, tematicamente falando. Sendo assim, ele talvez não tenha sido a “cara nova” que a era Reiwa poderia ter, e agora sinto que essa função está agora em cargo de Kamen Rider Saber.

Indo em uma direção completamente oposta à de seu antecessor, Saber vem com uma temática mais arcaica: livros — mais especificamente contos infantis —, como “João e o Pé de Feijão”, “Os Três Porquinhos”, “Peter Pan”, etc.. É claro que não são usados os nomes exatos, há um pequeno jogo de palavras para que fique algo como “qualquer semelhança é mera coincidência”, mas a referência está lá e é fácil de identificar.

O nosso protagonista se chama Touma Kamiyama, (interpretado por Syuichiro Naito) e é um escritor e dono de livraria. A história da série gira em torno da organização Sword of Logos, que tempos atrás defendia o Livro Ancestral, um item que contém a história de todo conhecimento já adquirido pelo homem; mitos, criaturas, contos, ciência, tecnologia e até a evolução humana. Porém um traidor trabalhando para a Megiddo quis roubar todo esse conhecimento para si. Na tentativa de impedi-lo, o Livro desapareceu e suas páginas foram espalhadas ao redor do mundo em forma de histórias. Touma, quando criança, foi testemunha desse conflito, mas hoje em dia para ele tudo não passa de uma memória de um sonho recorrente.

(Trailer de Kamen Rider Saber)

Como o responsável dessa nova série, nós teremos o veterano Takayuki Shibasaki, que já trabalhou na direção de episódios de quase todas as séries Rider depois de Kabuto. O roteiro ficou a cargo de Takuro Fukuda, mais famoso por ter sido o roteirista principal de Kamen Rider Ghost (o que é um motivo para nos deixar preocupados, já que Ghost é conhecido por ser uma série com uma história de qualidade… digamos… duvidosa).

Como vocês puderam ver no trailer, Saber já vem realmente com o intuito de dar uma roupagem ao que podemos esperar do que será a era Reiwa, começando pelo visual. Algo bem extravagante, chamativo e assimétrico, bem diferente do que Zero-One apresentou. A temática de livros infantis e como eles serão usados em forma do brinquedo colecionável da vez também pode ser visto como uma metáfora ao incentivo a leitura, algo que sempre será bem-vindo. Já na sinopse, vemos um conflito entre um lado que se preocupa em espalhar conhecimento e outro que queria todo ele para si, de forma egoísta. Talvez tenhamos um discussão sobre cultura acessível a todos, das maravilhas que o habito da leitura pode trazer aos jovens e, quem sabe, até incentivar que alguns tornem a escrita como um hobby ou profissão. Dessa vez a caneta é literalmente não só é mais forte, como ela é a própria espada.

O primeiro episódio não revela muito mais do que está na sinopse no sentido de plot, mas já vemos no seu decorrer que um fato importante vai determinar o rumo da série. Vale lembrar que essa produção está sendo feita enquanto a pandemia ainda está rolando. Mesmo no Japão, ela continua sendo um problema gravíssimo e com diversos casos ainda aumentando.

Não é fácil produzir algo assim sem inevitavelmente reunir uma grande quantidade de pessoas, mas a Toei garantiu que haveria todo cuidado necessário e podemos ver isso na tela, com tomadas com poucas pessoas e distanciamento o máximo possível. Nas cenas de ação, isso fica um pouco mais fácil, já que é um show de super-heróis que sempre estão naturalmente de máscara e uniformizados. Talvez, por isso, logo de cara, foi anunciado que haverá um grande elenco de Riders, assim eles poderão ter mais interações de forma mais segura.

Além disso, vemos um abuso enorme de computação gráfica. Isso geralmente não é visto com bons olhos em produções Tokusatsu, mas nesse caso é compreensível e, sinceramente, o que foi mostrado está lindo. Tanto as lutas práticas quanto as que enfocam no CG foram impressionantes e a equipe técnica tem todo o mérito reconhecido.

Mesmo em apenas um episódio, já podemos notar que a era Reiwa em Kamen Rider está tomando um rumo, uma forma. Ela tem que tomar essa forma! Afinal, como criar algo novo depois de quase 50 anos de histórias em que parece que tudo já foi criado? Assim como é a catch phrase de Touma: “Quem vai decidir o final dessa história, sou eu!”, veremos se Kamen Rider Saber vai ser a série que vai decidir quais serão os tipos de histórias que podemos esperar da era Reiwa.

Redator para o Genkidama em duas colunas mensais: - TokuTudo: conteúdo diferenciado sobre Tokusatsu no Brasil e no mundo. - Pitacos do Vilson : conteúdo diverso sobre animes, mangás, filmes e diversos aspectos da cultura japonesa. Também sou podcaster e faço parte do Henshin Rio, somos 5 cariocas especializados em falar sobre Tokusatsu.