Kaiju Nº 8 – Primeiras impressões

Nesse mês de Agosto, o calendário me favoreceu para ter a oportunidade de fazer um texto extra. Estava em dúvida se traria algo para o #TokuTudo ou ao #PitacosdoVilson. Como não me parecia muito justo deixar um ou outro de fora, no final das contas, felizmente, há um assunto recente que posso favorecer a ambos os tópicos! Sendo assim, vamos falar sobre um mangá, um dos lançamentos da Jump+ (o app oficial da Shonen Jump) cuja temática está intimamente ligada ao Tokusatsu de uma forma muito divertida! Trago a vocês uma análise, em forma de primeiras impressões, de Kaiju Nº 8!

 

1. O Kaiju e Eu.

Poderia fazer aqui uma longa introdução para falar do histórico da relação Japão X Kaijus, como explicar que foi em 1954 que o conceito se popularizou com o lançamento do primeiro filme do Godzilla e blá, blá, blá. Já tem um monte de texto e vídeo na internet abordando esse lado e, se você chegou até aqui, provavelmente já sabe: Japão ama Kaijus.

É isso.

O que eu gostaria de iniciar falando mesmo é a minha relação com o gênero Kaiju e o porquê do meu fascínio por fantasias de monstros de borracha.

Quando pensamos em heróis de Tokusatsu, é mais comum vir à mente os Kamen Riders, Super Sentais e Ultraman, entre outros. Os Kaijus ficam reduzidos a “e o Godzilla” ou meros vilões episódicos. Há pouco tempo, eu comecei a imergir mais a fundo no universo de Ultraman e uma das coisas que me fez gostar cada vez mais da franquia foram os seus designs para os monstros, o que não é surpresa, afinal, a sua origem está intimamente ligada ao Godzilla (até mesmo reaproveitando algumas vezes o suit para produções de Ultra Q e a primeira série Ultraman).

É muito comum os heróis ganharem novas formas e evoluções, são momentos icônicos para os episódios e oportunidades geniais para vender diversos brinquedos colecionáveis ao redor do mundo. Ultraman não é diferente, entretanto, ele se preocupa em expandir o seu universo dando também evoluções e formas diferentes para os próprios Kaijus, algumas vezes até os misturando entre si para criar combinações incríveis!

Ultra Galaxy Fight
Horda de variantes do alien Baltan que apareceu no trailer de Ultra Galaxy Fight: The Absolute Conspiracy (2020)

Nos filmes de Kaiju, o personagem principal é geralmente o próprio Kaiju. Claro, tem o elenco humano, mas eu particularmente finjo que ele não existe, afinal quem assiste filme de Kaiju pra ver humano? Enfim, o grande ápice desses filmes é quando vemos:

a) Kaiju destruindo tudo em seu caminho até ser eventualmente detido OU ir embora por livre e espontânea vontade;

b) Porradeiro entre Kaijus.

Nessa segunda opção é quando vemos os Kaijus serem tratados como “heróis” em um Tokusatsu, onde cabe a eles derrotar alguma ameaça que é muito maior e pior do que ele em si. Posso citar como exemplos o próprio Godzilla em alguns de seus filmes, onde ele é praticamente tratado como um anti-herói, ou os mais “kid-friendly” Gamera e Mothra (sim, Mothra tem seus filmes solo e são INCRÍVEIS) em que eles recebem até mesmo Power-Ups!

Mothra
Algumas das diversas formas que Mothra já teve no decorrer de seus filmes.

Além disso tudo, vemos nos últimos anos a popularidade do gênero crescendo bastante, chegando em Hollywood e arrancando fortunas em bilheterias com filmes marcantes como Pacific Rim/Círculo de Fogo (not you, Uprising) e, claro, o projeto Monsterverse da Legendary Pictures com Godzilla e King Kong. Podemos dizer que os gigantes estão modernizados e no mainstream! Dito isso, para mim, é muito interessante e diferente ver aqueles que são geralmente tratados como antagonistas, extras ou “inimigo da semana”, em um papel de destaque — além de que eu amo o conceito de que os Kaijus são uma força da natureza, um sistema de defesa contra as atrocidades que a humanidade faz ao planeta. Um símbolo da nossa própria monstruosidade.

2. Quem limpa a bagunça?

Kaiju Nº 8

Finalmente chegamos a Kaiju Nº 8, um mangá novinho em folha escrito e desenhado por Matsumoto Naoya, autor de outros dois mangás intitulados Nekowappa (2009) e Pochi Kuro (2014) (que eu nunca ouvi falar), e que agora está dando as caras nas páginas digitais da Jump+ e fazendo um relativo sucesso em seus — até o momento que esse texto é escrito — 8 capítulos lançados!

Ainda dá pra sentir o cheirinho da tinta fresca nas páginas.

É sempre um deleite ver combates titânicos entre mechas ou guerreiros gigantes de luz contra Kaijus. Embates que, inevitavelmente, causam destruição, para o bem ou para o mal. É uma consequência e um mal necessário, um preço pequeno a se pagar para se livrar de algo tão aterrorizante, mas depois que os mechas voltam para sua garagem ou os gigantes de luz voam indo embora pelo céu azul, o que acontece com os restos do Kaiju? O que acontece com a cidade destruída?

Com esse raciocínio em mente, somos apresentados às primeiras páginas de Kaiju Nº 8, em que a equipe de limpeza está prontamente a postos para a sua própria batalha logo após um Kaiju gigantesco ser derrotado. Conhecemos, então, o nosso protagonista Kafka Hibino, de 32 anos de idade, e membro da equipe de limpeza.

Equipe de limpeza

Kafka Hirano

Logo de cara, duas coisas muito diferentes são trabalhadas em Kaiju Nº 8. Primeiramente é a abordagem de mostrar o lado “feio” da luta contra Kaijus. Podia esperar tudo nesse começo de história, menos isso. O conceito de “é um trabalho sujo, mas alguém tem que fazer” é levado a sério, mostrando suas dificuldades e perigos, como mexer em algum órgão estranho de Kaiju e ele explodir em ácido em cima do trabalhador ou quando alguém é designado para trabalhar limpando a parte dos intestinos, descrita como a mais difícil e nojenta.

A segunda coisa a se perceber é o protagonista, Kafka, que parece ser bem carismático, mas conta com um detalhe: ele tem mais de 30 anos. Eu não consigo me lembrar quando foi a última vez que vi um protagonista de mangá da Jump ter mais de 18 anos. É muito legal ver que Naoya-sensei optou por representar alguém nessa faixa de idade. Quando conhecemos Kafka mais a fundo, percebemos que ele é o que se espera de um adulto “padrão”. Tem o seu trabalho, o seu apartamento, uma condição de vida relativamente boa e, claro, não poderia faltar, é frustrado, como todo bom adulto tem que ser.

A frustração é fruto de perceber como o seu sonho, compartilhado com a amiga de infância, Mina Ashiro, toma um rumo diferente do que ele gostaria. Enquanto ela virou membro do esquadrão responsável por eliminar os Kaijus, a Força de Defesa, lutando diretamente e reconhecida como uma das mais fortes, ele, por sua vez, não conseguiu passar nos testes de admissão e acabou ficando e se acomodando no trabalho de limpeza. Quando menores, ambos haviam jurado, após lamentarem as perdas de suas casas e escola devido a um ataque, que, quando adultos eles iriam exterminar os Kaijus.

A vida adulta é cruel e nem sempre tudo sai conforme o planejado. Kafka agora estava velho demais para tentar um novo teste de admissão e ele tem que se convencer que seu trabalho atual é tão importante quanto o de Mina, mesmo que estejam em lados opostos do fronte. (Claro, já podemos assumir também uma paixonite dele por ela, porque nada é tão ruim que não possa piorar, não é mesmo?)

O Kaiju abatido anteriormente seria um trabalho que duraria semanas. No segundo dia de limpeza, após ficar a noite inteira lamentando as dores de cotovelo por ver Mina na TV, Kafka conhece Leno Ichikawa, de 18 anos de idade, um recém-chegado à equipe de limpeza que, assim como ele, falhou nos testes de admissão para entrar nas Forças de Defesa.

Logo de cara temos um atrito entre os dois quando Leno questiona Kafka do motivo de ele ter desistido de trabalhar nas Forças de Defesa — afinal, o novato jamais iria desistir do objetivo dele, apesar de estar agora trabalhando ali.

As respostas que o Kafka dá… Mexeram um pouco comigo, pois acredito que seriam as mesmas coisas que eu diria se estivesse na situação dele. Ou melhor… Eu já estive na situação dele e dei essas respostas. Claro, nunca tentei enfrentar algum Kaiju (infelizmente), mas em outras situações já disse “cheguei no meu limite”, “estou velho demais pra isso”, “fiz tudo que podia”…

Eu fiz mesmo? Eu cheguei mesmo no meu limite? Ou estava apenas me subestimando? Me sabotando? Muitos já podem ter passado por algo assim, se sentido dessa forma, e mais uma vez reforça o quão interessante é se sentir, de certa forma, representado em uma obra de mangá desse jeito, apenas em termos um protagonista com idade mais avançada do que estamos acostumados a ver.

Não preciso dizer que podemos assumir que Leno será um coprotagonista nessa história, não é mesmo? A narrativa já conduz para deduzirmos isso naturalmente. A trama avança e, enquanto Leno tem problemas no seu primeiro dia de trabalho ao logo de cara ir, junto de Kafka, para a pior parte: os intestinos. Com a ajuda do senpai, contudo, ele consegue sobreviver, fazendo-o até mesmo reconhecer o talento dele para o trabalho. Como agradecimento, o jovem informa a Kafka que a Força de Defesa se viu na necessidade — devido ao número enorme de baixas — de aumentar a faixa etária dos testes para 33 anos, e que ambos deviam tentar mais uma vez, sendo essa, então, a última chance possível para o protagonista. Ele iria lamentar eternamente os seus fracassos ou iria agarrar essa nova oportunidade?

Antes mesmo de poder se decidir, ambos são atacados por um novo Kaiju, que aparece completamente de surpresa. Kafka salva Leno de ser devorado e ordena que ele corra e chame a Força de Defesa, decisão que o faz se arrepender de imediato: afinal, o que ele poderia fazer sozinho contra um Kaiju?

kaiju surpresa

Em sua humildade, ele ainda tenta enfrentar o monstro, mas isso só lhe rende uma perna esmagada por uma pata gigante. Seus pensamentos voam, vendo que seria o seu fim ali. Que as coisas não deveriam ser dessa forma, não era isso o que ele planejou para sua vida. Que ele irá morrer com esses arrependimentos no peito. Poucos sentimentos são piores do que o de “e se?”. Felizmente, Kafka é salvo por Leno e, logo em seguida, chega a Força de Defesa, liderada por Mina.

tropa de defesa do japão

Mais tarde no hospital, Kafka decide tentar uma última vez o teste para o sonhado emprego na Força de Defesa após ficar comovido com as palavras de Leno, que o elogia por ter sido tão corajoso e legal por ter salvo sua pele. Entretanto, como diria o narrador do conto de Joseph Climber (alguém lembra disso??), “a vida é uma caixinha de surpresas”; e uma larva esquisita invade o corpo de Kafka, transformando-o… Nisso:

Kafka Henshin!

O que vai acontecer com Kafka e Leno a partir daqui? Só tem um jeito de descobrir: Acompanhando Kaiju N° 8, disponível oficialmente e gratuitamente no site e app da Shueisha Manga+, que pode ser acessado diretamente aqui.

Conclusão

Espero que você tenha gostado dessa resenha e te motive a acompanhar esse mangá incrível! O traço de Matsumoto Naoya é muito bonito, o que não é de se surpreender, já que essa é sua terceira publicação. O design dos Kaijus remetem a um estilo clássico do conceito e conseguem passar uma vibe aterrorizante quando necessário. Os momentos entre ação e comédia são bem dosados e um não interfere narrativamente no outro.

Falando em narrativa, enquanto os diálogos são o que se espera de um mangá shounen, com papo dos sonhos a serem alcançados, sobre ser o mais forte, não desistir nunca e todos esses clichês, ter um protagonista mais velho (contrariando um de idade que se espera de um mangá do gênero) dá uma camada extra a esses padrões e torna toda a experiência única. É uma história cheia de potencial e eu gosto da direção que ela está tomando. Espero que, assim como eu, muita gente acompanhe Kaiju Nº 8 que, para mim, já é o meu título favorito da Jump.

 

Revisão João Pedro Boaventura

Redator para o Genkidama em duas colunas mensais: - TokuTudo: conteúdo diferenciado sobre Tokusatsu no Brasil e no mundo. - Pitacos do Vilson : conteúdo diverso sobre animes, mangás, filmes e diversos aspectos da cultura japonesa. Também sou podcaster e faço parte do Henshin Rio, somos 5 cariocas especializados em falar sobre Tokusatsu.