As máscaras, o vírus e o Japão

As máscaras estão “salvando” o Japão da pandemia?

 

Consideradas por muita gente uma obrigação chata em tempos de pandemia, máscaras são acessório comum para os japoneses. Em mangás, animes ou vídeos de reportagem sobre o Japão, desde sempre flagramos pessoas mascaradas. Lá, é absolutamente normal usar máscara ao sair à rua, seja por estar gripado ou por outro motivo qualquer. Alguns usam até sem necessidade, só para dar um toque diferente no visual. 

Mas afinal, de onde vem esse costume curioso?

 

pessoas usando máscaras andando em Shibuya
Longe de ser incômodo ou embaraçoso, sair à rua de máscara é ato corriqueiro para os japoneses.

 

 

As máscaras no passado

 

A popularidade da máscara no Japão pode ter raízes em tempos longínquos. Desde a antiguidade as pessoas costumavam cobrir a boca com papel ou folhas de sakaki (*) em rituais e festivais religiosos. O objetivo era evitar que a respiração “impura” maculasse o ambiente sagrado.

No período Edo (1603-1868), já começava a se espalhar a prática de pessoas doentes cobrirem a boca com um pano. Em tempos antigos não havia distinção clara entre saúde física e espiritual, não só no Japão como no mundo todo. Portanto, fazia sentido que o tratamento de doenças envolvesse práticas religiosas, ainda mais se desse resultados positivos (mesmo que acidentalmente).

 

sakaki
Folhas de sakaki, muito usadas em rituais shintoístas.

 

As primeiras máscaras modernas surgiram na Era Meiji (1868-1912). Elas foram importadas para serem usadas por trabalhadores em minas de carvão, fábricas e construções.

Entretanto, o que realmente popularizou a máscara foi a pandemia da gripe espanhola (1918-1920). A doença matou 450 mil pessoas só no Japão. 

Houve uma intensa campanha educativa pelo uso de máscaras quando se espalhou a ideia de que elas reduziam o contágio. Jornais da época publicavam tutoriais de como fazer máscaras caseiras exatamente como os vídeos do YouTube atualmente.

 

As máscaras hoje

 

Mesmo antes da pandemia, as máscaras já eram um acessório comum para os japoneses, como eu disse lá no início. Para eles, não são muito diferentes de um lenço ou chapéu. Modelos enfeitados, com estampa de anime ou bichinhos fofos existem no mercado há anos. 

Agora, com a Covid, uma onda de novidades inunda o Japão. Máscaras de grife, refrigeradas, de nanofibra. E boa parte dessas novidades, ao que tudo indica, está vendendo muitíssimo bem. 

 

mascaras fashion
Anúncio de máscaras “kawaii” da loja Ameblo.

 

Mas será que essas máscaras tão diferentes realmente protegem contra o coronavírus?

Antes de responder a esta pergunta, vamos lembrar que máscara não é escudo mágico invulnerável, certo? A melhor máscara do mundo não vai te proteger se você ficar sempre em aglomerações e nunca lavar as mãos.

 

A eficiência das máscaras

 

De acordo com o especialista em saúde Kazunari Onishi, é importante que as máscaras tenham bom ajuste e bom material. Em entrevista ao Japan Times, ele disse que qualquer fresta que deixe passar o ar diretamente, diminui a eficácia. Máscaras frouxas, feitas com tecido de trama muito aberta, podem ser mais confortáveis mas oferecem pouca proteção. 

Entretanto, Onishi concede que mesmo elas podem ser úteis impedindo que o usuário toque no rosto com mãos possivelmente contaminadas.

 

Além das máscaras

 

Há quem aponte essa popularidade das máscaras como motivo para os índices relativamente baixos de casos de Covid-19 no Japão. Mesmo sem tomar medidas mais enérgicas de isolamento social, o país surpreendentemente está numa situação razoável. 

Claro que o uso de máscara é um fator importantíssimo no combate ao coronavírus. Porém, não é o único. Afinal, houve a decretação de estado de emergência que, mesmo não sendo rígido como em outros países, deve ter contribuído.

 

cartaz
Cartaz de um supermercado informando aos clientes os horários de maior e menor movimento, uma tentativa de evitar aglomerações.

 

Existem também fatores culturais que talvez estejam ajudando.

Por exemplo, diferente de nós, brasileiros, os japoneses não costumam se cumprimentar com beijos e abraços. Conversar “ao pé do ouvido”, como nossos políticos adoram fazer, nem pensar. Ou seja, há menos proximidade física entre eles. E quanto menos próximos, menos risco de contágio. O costume de tirar os sapatos ao entrar em casa pode estar contribuindo também.

 

Conclusão

 

Enfim, pode-se dizer que de certa forma as máscaras estão “salvando” o Japão da pandemia, sim. 

Mas com certeza não estão fazendo isso sozinhas. E, se realmente o país vai conseguir passar pela Covid-19 sem (muitas) perdas, só o tempo dirá. 

 

Personagens de Kimetsu no Yaiba usando máscaras
Personagens de Kimetsu no Yaiba fazendo campanha contra a Covid-19.

 

(*) sakaki: também conhecida como Cleyera japonica, é uma árvore nativa das áreas quentes do Japão, Taiwan, China, Mianmar, Nepal e norte da Índia. Pode chegar a 10 metros de altura.

 

 

Fontes:

Artigo do jornal Japan Times

Artigo do jornal New York Times

 

Fotos do Wikimedia Commons

Covid-19 Panic Buying – foto de Dick Thomas Johnson

Shibuya – foto de nakashi

Cleyera japonica kz01 – foto de Krzysztof Ziarnek

Announcement of not crowded time in supermarket for protecting from infecting Covid-19 – foto de KKPCW

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).