Gundam: Por Que Assistir e Por Onde Começar

O guia definitivo para o caos que é a franquia Gundam.

Podemos considerar que Mobile Suit Gundam seja a maior franquia da animação japonesa – porque mesmo contando com valorosos adversários como Dragon Ball e Neon Genesis Evangelion, diversas decisões acertadas ao longo de sua história de extensa e massiva exploração do nome pelos detentores da marca originada com o anime criado por Yoshiyuki Tomino e outros membros do estúdio [Nippon] Sunrise em 1979 faz com que sua presença no imaginário dos japoneses acabe sendo maior e principalmente mais constante.

Porém esta profusão de séries e universos alternativo traz uma confusão de literalmente proporções épicas para o novato disposto a começar a franquia com o fandom mais chato [e você achando que os fãs de TYPE-MOON eram obsessivos…] relacionado a animes. Somente do prato principal, que são as séries para televisão, temos incríveis doze temporadas; e somando-se OVAs, filmes e outros passamos facilmente de vinte opções de Gundam para a pessoa escolher entre os sete [ou oito, dependendo da interpretação para Turn A] universos apresentados até aqui; assim qualquer decisão é um verdadeiro martírio.

Porém, antes de responder essa questão, vale levantar uma outra a qual muitos leitores deste artigo ainda podem estar se perguntando: porque ver um anime aonde o prato principal são lutas entre mechas?

Gundam, uma fonte de clássicos – de e com mechas

Mobile Suit Gundam não tornou-se um clássico a toa – apesar do começo lento e algo desorganizado [tanto que o ritmo, lotado de episódios monstro-da-semana conduzidos de maneira pouco interessante, cai rapidamente após os bons episódios iniciais para somente melhorar na segunda metade da série], a série consegue ter uma interessante melhora do ponto de vista criativo [daqueles que somente as circunstâncias adversas de produção tornam possível; com o cancelamento da série [que foi encurtada em sete episódios] o ritmo foi acelerado e houve maior liberdade [apesar do menor orçamento] para o diretor fazer o que bem entendesse], tornando um rumo de ficção científica com certo componente hardcore que encontrou um incipiente público nerd disposto a abraçar a causa – claro, além de ser uma série que mistura ação e drama na medida para não um público um pouco mais casual.

E desde aqui o grande trunfo de Gundam já era o universo abordado pela série, cheio de possibilidades nessa Terra futurística de governo unificado [o estabelecimento de um governo universal é o marco que reseta a contagem dos anos no Século Universal [Universal Century ou UC] da realidade clássica da franquia – e obras posteriores como Zeta Gundam e Gundam 0080 tratam de expandir brilhantemente este que tornou-se talvez o maior e mais completo mundo ficcional da história do anime, com todo um plano de fundo bem detalhado ao ponto de correr o risco de tornar-se confuso demais -exatamente como as extensas cronologias de super-heróis americanos.

Claro que expandir não é simplesmente vomitar fatos, e sim detalhar conceitos que formam todo um universo algo coeso e que passa tranquilamente pelo teste da suspensão de descrença – e desde termos pseudo-científicos como as Partículas Minovsky [que, utilizadas para interferir nas ondas eletromagnéticas, causaram toda uma mudança no paradigma da guerra naquele universo que agora era toda baseada em combate próximo – o que levou a construção dos robôs gigantes] até a uma parte política bem presente [mais como bom plano de fundo na série clássica, mas já acima do padrão da época] na construção deste mundo original que é amplamente copiado pelos demais até quando não deveria [Gundam 00, Second Season].

Além desse imenso trunfo que é um paraíso para os nerds, a série [e por extensão os demais clássicos da franquia] também consegue ser uma boa mistura de ação e drama [afinal, existem também pessoas para as quais anime é tão-somente um entre diversos hobbies], contando lentamente e de modo efetivo a história de um grupo que tem que passar por diversos horrores presentes em uma guerra travada entre facções igualmente humanas que utilizam-se dos famosos robôs gigantes [e naves espaciais] como armas – como todas as do mundo real, inútil e feita por interesses mesquinhos dos senhores do mundo.

E claro que aqui também é dado algum foco ao drama do protagonista, um adolescente que passa pelo processo clássico do coming of age. E como sempre, uma divisão simples e eficiente para classificar qualquer tipo de anime é entre os bons e os ruins – e neste teste Gundam passa com louvor.

Afinal, por onde começar?

O ideal é, como para qualquer outra obra de ficção, começar do começo – ou seja, ver a série na ordem de lançamento no Japão. Afinal, as ideias surgiram nesta ordem, e torna-se mais fácil acompanhar a lógica de raciocínio seguida pelos escritores e diretores ao longo de todos esses anos. O problema é que Mobile Suit Gundam [0079, como apelidado pelo fandom] é uma obra tecnicamente muito datada [tanto na parte técnica quanto no estilo de direção] e que causa estranheza no espectador menos acostumado a se aventurar pelos animes anteriores a 2000 [quanto mais em um do final da década de 1970]; assista a abertura original da série e veja se não há um choque, uma ruptura em relação ao que estamos acostumados – mesmo acostumados a clássicos como Dragon Ball e Saint Seiya, ficamos surpresos ao ver aqui um legítimo representante de uma geração ainda anterior.

Claro que temos os três elogiados filmes-resumo da série [datados de 1982 e que foram o passo final na popularização da série], nos quais a história é rearranjada em um ritmo mais moderno e algo acessível mesmo ao espectador atual – e que no geral são tão bons quanto o original; portanto, ao contrário do acontece em tantos outros resumos, podem perfeitamente substituir a experiência de assisti-lo sem qualquer problema.

O problema é que mesmo assim o baque é ainda grande para muitos – claro que alguém mais experiente pode perfeitamente assumir os riscos até com alguma facilidade, mas o mais recomendado é realmente assistir um dos dois animes recomendados mais abaixo. E a primeira destas dicas é começar com o que foi por muitos anos a série recomendada por excelência da franquia para um fã ocidental não-acostumado com mechas: 08th MS Team.

Mobile Suit Gundam 08th MS Team

Sempre presente em listas de recomendação de animes, 08th MS Team está nelas justamente por ser diferente da rotina a ponto de legitimamente interessar o espectador comum/não interessado em mecha [principalmente o fandom ocidental] ao mesmo tempo que é tanto um bom anime quanto um bom Gundam.

A história que acontece paralelamente aos eventos mostrados no original de 1979 mostra a jornada de Shiro Amada, jovem comandante do batalhão que dá nome a série e cujo senso de justiça [e uma grande paixão] acaba sendo a força que move a história ao principalmente exercer uma grande influência em seu grupo de ótimos e carismáticos personagens secundários. Também acabamos ver o conflito que existe entre esta característica vinda diretamente dos protagonistas adolescentes das outras obras e a guerra mais realista [para os padrões de Gundam] na qual está envolvido, aonde o importante é simplesmente vencer.

Esta guerra, tratada por adultos [Shiro tem 25 anos e está na média de idade dos personagens da série] em um ambiente de selva é tanto um refresco das escolas que dominam os animes quanto das naves espaciais que dominam os Gundams; e tanto com a pegada realística aplicada a série [com batalhas que podem ser empolgantes para não-acostumados em mecha, cujo feeling a abertura capta com precisão] quanto o relativamente bom romance [tá, baseado um tanto demais no conceito de primeiro amor e que exige um tico de suspensão de descrença a mais que deveria] presente nesta, 08th MS Team consegue ser definitivamente obrigatório para quem gosta de anime em geral – e dói ver que infelizmente tem seu público limitado por ser mecha.

Definitivamente recomendado – mas é óbvio que existe o drama de quem realmente está desacostumado mesmo com uma produção de quase vinte anos atrás e gostaria de algo ainda mais palatável e acessível. Para sorte destes [e outros, já que o balanço pode ser mais agradável para alguns], o grande lançamento da BANDAI nestes últimos anos é o verdadeiro revival de franquia [e do universo principal] chamado Mobile Suit Gundam Unicorn.

Mobile Suit Gundam Unicorn

Ainda em andamento no momento de lançamento deste artigo, Unicorn é basicamente uma grande homenagem ao universo clássico da série – e nem de longe tenta esconder isso; aliás, aposta justamente no contrário.

Assim, certa fatia dos críticos apontam a falta de temáticas e até mesmo as poucas abordagens novas dadas a elementos clássicos da série. Mas até por isso, este anime feito a peso de ouro pela BANDAI/Sunrise – portanto, espere traço elegante e o mais modernizado possível sem perder o feeling característico com animação e trilha sonora cada vez mais caprichadas [o sucesso da série era até previsível, mas a proporção acabou sendo assustadora]; o roteiro é bem-amarrado e a edição e direção do conceituado Kazuhiro Furuhashi [Rurouni Kenshin, HUNTERxHUNTER [1999]] é a cereja do bolo desse Gundam que é sem dúvida o mais blockbuster da franquia [reforçando: a produção realmente é impecável].

E sim, a falta de diferencial e alma própria é um problema de Unicorn, mas até por isso temos uma obra sólida e amplamente recomendada para qualquer “novato” assistir antes ou depois de 08th MS Team [ou no caso dos quinze anos desse realmente incomodarem] e que ao menos nos dois terços iniciais consegue resumir com perfeição todos os pontos demonstrados no começo deste artigo. Claro, com uma abordagem mais seca e adulta; mas não é isso que Fate/zero, um dos animes mais populares dos últimos anos, entrega a seu vasto público?

Bem, a seguir um esquema básico de como funcionam a complicada cronologia da franquia.

Esquema de universos e afins da franquia

Dos diversos universos presentes em Gundam, o único realmente complicado de se entender é o já muito citado Universal Century [UC], que compreende além de Mobile Suit Gundam [ambientado em 0079] as sequências diretas – e dirigidas/co-roteirizadas pelo Tomino – Z Gundam [que se passa em 0087], Gundam ZZ [0088] e Char’s Counterattack [0093], com este último encerrando de modo definitivo [sendo que quase quinze anos depois ao menos nisso a BANDAI ainda não ousou mexer] a grande saga vivida pelos protagonistas da primeira série, Amuro Ray e Char Aznable.

Vale lembrar aqui que apesar de termos ao longo de todas essas séries um longo arco narrativo cada uma das temporadas de 50 episódios cada acaba sendo praticamente independente da outra, com protagonistas e muitas das facetas do enredo exclusivas a estas; há diversos pontos de contato, mas não em número suficiente para impedir alguém de começar pela “terceira temporada”. Claro que o filme Char’s Counterattack acaba sendo extremamente confuso para novatos na franquia, mas não é como se também não fosse para os demais.

Ainda nos chamados anos iniciais deste universo tivemos diversas histórias paralelas OVAs 08th MS Team [como dito, concomitante com 0079], 0080, 0083 [~Stardust Memory~] e o recente Unicorn [0096], que com exceção do último exploram conflitos paralelos e de menor importância se pensarmos neste universo ficcional como um todo [mas que não os impedem de serem grandes animes, longe disso] – ao contrário das primeiras séries, que como todo bom épico exploram os conflitos que possui escala suficiente para serem narrados.

E finalmente temos o chamado UC tardio, que compreende principalmente o também corrido e algo incompleto filme F91 [0123] e a série de TV V[ictory] Gundam [0153], obras que já possuem um feeling diferenciado do resto do universo, sendo praticamente consideradas a parte – até porque após respectivamente trinta e sessenta anos após o último suspiro da era original a influência e magnitude daqueles eventos acabara por ser bastante diluída.

Já os chamados universos alternativos são mais fáceis de se decifrar, podendo ser assistidos em qualquer ordem [inclusive muitos fãs da franquia tiveram a experiência de assistir a algum antes do UC, principalmente quem acompanhou a versão brasileira de Gundam W[ing]]; temos aqui [geralmente em séries de 50 episódios cada] – na ordem de transmissão no Japão – o Future Century de G Gundam, o After Colony de Gundam W[ing], o After War de Gundam X, a Cosmic Era de Gundam SEED [+Destiny], o Anno Domini [nosso calendário, portanto na teoria o nosso futuro] de Gundam 00 e finalmente o Advanced Generation de Gundam AGE.

Claro que muitas das séries [pelo menos as que não fracassaram] possuem filmes-resumo completamente dispensáveis e alguns OVAs/filmes complementares, do elogiado Element Waltz de Gundam Wing ao desastroso A Wakening of the Trailbrazer de Gundam 00; mas aqui uma simples pesquisa no Google e/ou Wikipedia facilita e muito.

Aqui o mais recomendado é tentar ou a abordagem totalmente cool e moderna [inclusive em querer ser um verdadeiro blockbuster] de Gundam 00 [que conta com uma excelente primeira temporada antes de cair vertiginosamente em suas continuações] ou entrar no espírito de battle shounen clássico presente em G Gundam [que segue a empolgação mostrada na excelente primeira abertura cujo vídeo pode ser visto AQUI.

Vale lembrar ainda que Turn A Gundam propõe em seu Correct Century que este era simplesmente o destino de todo e qualquer universo envolvendo a franquia, em uma tentativa final do criador Yoshiyuki Tomino de integrar todos os universos alternativos da série em um só, ao menos com um nível de coesão básico. Sinceramente, este argumento soa como fanfiction de baixa qualidade e não costuma ser levado a sério por muitos – e o fato de novos universos estarem sendo criados a cada par de anos de acordo com a vontade dos executivos da BANDAI desanima e muito querer aplicar esta teoria.

Enfim, boa sorte na verdadeira jornada que lhe espera em qualquer Gundam e qualquer dúvida pode ser tanto colocada nos comentários abaixo quanto perguntada pessoalmente via Twitter. Até a próxima.

O guia definitivo para o caos que é a franquia […]

8 thoughts on “Gundam: Por Que Assistir e Por Onde Começar”

  1. Podem me julgar, mas acho os Gundam Design do Gundam Wing os melhores até aqui. Inclusive comparando com o de Unicorn. Pena o anime entrar numas partes tão meh e a Helena… é um pé no saco (pior que aquela moça que cantava pra crianças em Gundam 00 (sim, esqueci o nome dela). =X

  2. Bom guia. O meu grande problema com gundam é justamente não simpatizar com mechar e sendo uma franquia com 50 episódios em sua maioria fica difícil encarar, mas já faz algum tempo que estou pensando em tentar com os OVA’s de Gundam Unicorn que terão 6 capítulos se não me engano e quem sabe não comece hoje mesmo.

  3. ”Vale lembrar ainda que Turn A Gundam propõe em seu Correct Century que este era simplesmente o destino de todo e qualquer universo envolvendo a franquia, em uma tentativa final do criador Yoshiyuki Tomino de integrar todos os universos alternativos da série em um só, ao menos com um nível de coesão básico. Sinceramente, este argumento soa como fanfiction de baixa qualidade e não costuma ser levado a sério por muitos – e o fato de novos universos estarem sendo criados a cada par de anos de acordo com a vontade dos executivos da BANDAI desanima e muito querer aplicar esta teoria.”

    Ok. Volte para Naruto, por favor.

  4. Baita texto legal. Tava meio afastado dos mundo do anime e tava querendo ver Gundam esse texto é esclarecedor e vai me ajudar nessa longa jornada. Valeu!

  5. Estava passeando, quando entrei no site e me deparei com esta ótima matéria. Como fã da série a mais de 10 anos não poderia deixar de lhe dar os parabéns pela ótima abordagem.
    Clara, objetiva e perfeita.
    Abraço! =D

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