Anime, Cultura Japonesa e Religião: Uma Combinação Possível?

Antes de começar propriamente este artigo, dois avisos: o primeiro é que nem teria começado a digitar estas palavras se não fosse a ideia do Gyabbo! em fazer em pleno Natal um post sobre anime e religião – ao que se seguiu a resposta [na verdade, mais para outro ponto de vista de certa forma até convergente] no Anikenkai; acessem os dois textos e leiam [caso já não tenham feito isso], afinal podem até ter influenciados na composição deste.

Já o segundo é mais sério: este artigo é feito por um agnóstico, ou seja, uma pessoa que simplesmente tem dúvidas de que realmente existe ou não uma entidade superior neste universo; irei, como todos nós, morrer sem saber a resposta. E o fato de não, não acreditar que Jesus ou Mohammed tivessem qualquer caráter sobrehumano [ou que mesmo duvida que um dia tenham existido historicamente] acaba influenciando na visão de mundo exposta neste artigo.

Se é para ficar ofendido simplesmente por uma pessoa pensar de modo diverso dos dogmas com os quais baliza a sua vida, pare por aqui e nem leia. Caso realmente for ler – e comentar, por favor peço respeito. Publicarei de tudo, desde que ao menos mantenham este pilar básico. Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

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Recentemente foi resenhado neste blog Yondemasuyo, Azazel-san, belo anime de 2011 que trata sobre demônios [fofinhos, mas de personalidade infernal] invocados pelo exorcista Akutabe para fazer trabalhos diversos no mundo dos humanos. Uma proposta literalmente escrota que acaba sendo muito engraçada, tanto que teve seu espaço na lista dos dez Melhores Animes de 2011 deste blog.

Mas como também destacado no Lado B do Nahel Argama Awards, com certeza tem uma das passagens mais politicamente incorretas do ano ao expôr ele, Jesus Cristo, em um céu pretensamente cristão fazendo piadinhas sobre… pênis. E outras coisas que valem dar uma conferida no episódio final desta série.

Claro que a duras penas também aqui no Ocidente conquistamos liberdade de escolha o suficiente para termos em nossa ficção exemplos tão ou mais ácidos do que este [como um episódio de Family Guy no qual JC ressuscita nos dias atuais e conhece o protagonista Peter Griffin – para logo em seguida os dois aprontarem altas confusões], mas querendo ou não o fato do Japão ser um país no qual a porcentagem de cristãos [e outros membros de religiões monoteístas, que buscam com mais afinco instalar-se em todas as esferas da vida da pessoa] é praticamente inexistente ajuda a tolerância com esse tipo de atitude.

Sim, porque para a cultura japonesa o cristianismo é simplesmente algo que tentaram introduzir há vários séculos atrás, sem qualquer sucesso – e isso faz com que a ficção local simplesmente aproveite de acordo com suas conveniências mais esta extensa mitologia, de forma similar ao que fazemos com outras [destaque para a greco-romana]; afinal, há muitos séculos as pessoas realmente acreditaram que Zeus, Apolo, Atena e tantos outros realmente habitavam o mítico Monte Olimpo.

E assim [passando por cima de Neon Genesis Evangelion, porque citá-lo é carne de vaca] temos obras como a franquia To Aru Majutsu no Index [e Railgun], que exploram de maneira bacana a mitologia cristã, inserindo-a no bem elaborado mundo que é o grande trunfo da série – e que explica por que essa praticamente substituiu Shakugan no Shana nos corações de muitos.

Nesta história na qual temos um poderoso lado que utiliza a magia, sendo que a Igreja Católica Apostólica Romana exerce um papel costumeiramente de vilões que operam por trás dos panos para defenderem seus interesses, nossa protagonista – a freira loli cujo nome [Index Librorium Proibitorium] homenageia [e é usado como recurso para mover o roteiro] a lista de livros proibidos por aquela – é filiada à Igreja Anglicana, que em nosso mundo nasceu justamente como mais um cisma surgido no seio da religião cristã.

Apesar de – principalmente no Brasil, país construído a força do sincretismo religioso que reflete a imensa adaptação que o homem teve para viver nesta terra – termos cristãos que preferem relativizar a doutrina para algo mais próximo do que acham confortável, mesmo tendo que sacrificar dogmas em que não acreditam [até mesmo algo intrínseco a esta como a vida após a morte – o que acaba fazendo surgir a pergunta: se não acredita um dos pilares desta, por que ainda a segue como um todo?], esta presença do cristianismo apenas como fonte de mitos para a cultura pop japonesa incomoda.

Fazendo um necessário parêntese agora, podermos pensar em anime além de mero entretenimento, colocando-o na categoria de artee arte é algo extremamente subjetivo, dos dois lados da moeda, sendo exemplo claro e direto disso a famosa composição Fountain [Fonte] de Marcel Duchamp que quase cem anos atrás levantou uma poderosa questão: podemos dar algum limite a liberdade do artista?

Desde que este não esteja cometendo um crime [afinal, já foi decidido pelo STF brasileiro no Caso Ellwanger que sim, a liberdade de expressão não é direito fundamental tão absoluto assim], a opção de ver e se importar com algo [ou a sua negativa] depende meramente do espectador, não podendo influenciar [a não ser a partir das crueis leis do mercado] a visão do artista.

Assim, eles tem todo o direito de produzir das obras citadas a outras como Bible Black e Panty and Stocking with Garterbelt que usam o tom até de provocação a seu favor. Sim, porque a graça deste quase-cartoon do Studio GAINAX é justamente a loucura planejada que inclui um roteiro recheado de piadas sujas, escatológicas e recheadas de puro besteirol com anjas caídas de péssimos modos que são ajudadas na Terra por um padre abertamente gay.

E aqui vale retomar um ponto levantado pelo Gyabbo em seu artigo: claro que Usagi Drop e tantos outros não interferem em nada com a fé de ninguém em qualquer coisa, mas e os animes citados neste artigo? Por terem sido feitos em um contexto diferente, no qual o assunto focado neste artigo simplesmente não importa [Natal no Japão é simplesmente uma mistura de versão moderada do consumismo de fim de ano presente no Ocidente com uma bela data para levar sua namorada para dar aquele passeio], estes devem realmente serem desprezados porque uma parcela razoável do fandom tende a sentir-se ofendida por este tipo de obra?

Claro que cada um assiste o que quer e pré-conceitos, inclusive quanto ao que se assiste, são naturais; duro é saber que aquela combinação que dá título a matéria não é tão possível quanto muitos imaginam – se para alguns extremos o próprio fato de um manga ter o título Beelzebub já é condenável, o que dizer de obras que mexem – mesmo que a seu favor – com verdadeiros dogmas que conduzem a vida de muitos? E assim vamos levando a vida em mais uma construção que mesmo estando longe de qualquer ideal acaba sendo a mais adequada para comportar os diferentes tipos de pessoas. Política.

Antes de começar propriamente este artigo, dois avisos: o primeiro […]

7 thoughts on “Anime, Cultura Japonesa e Religião: Uma Combinação Possível?”

  1. Acho que é uma questão de tato. Se até mesmo com crenças mortas eu acho q deve se mantér o devido respeito, quanto mais as vivas.

    Acho errado piadas infames sem limites(Panty and Stockying, por exemplo – pq qndo é só uma ou outra piada, tipo em Maria Holic, até aqui nós fazemos, né?) e inversão de valores (como em Kuroshitsuji, em que temos um dêmonio relativamente bom e um anjo corrupto e doidão). Tem que ter um mínimo de pesquisa e respeito a crença alheia, mesmo que sejam poucos os adeptos da religião no país.

    Acho q é isso.

  2. Sempre assisti animes e tive contato com histórias que questionavam e tratavam os assuntos da Igreja Católica como se fosse uma mitologia, algo irreal ou que mostrasse um ponto de vista diferente da coisa.

    Antes eu tratava esse tipo de coisa com desprezo, por pura hipocrisia e preconceito mesmo, mas hoje em dia eu nem ligo mais e acho até divertido. Sei que apenas se trata de uma opinião diferente da minha e que, por muitas vezes, pode ser até interessante ver essa forma diferente de pensar.

    Eu, como católico assumido, adoro animes e, apesar de muitos dos pertencentes do meu grupo não agirem de acordo, tanto na famosa Bíblia tanto nas missas (não todas, claro, depende do padre e da sua formação) nós somos INCENTIVADOS a sermos mais tolerantes frente às diferentes formas pensamentos das outras pessoas, frente às suas opiniões, portanto eu procuro ser tolerante e tenho ciência de que aquilo não vai, necessariamente, me levar para um caminho fora dos dogmas.

    Eu, por não ser mais um cara sem personalidade que se deixa influenciar por qualquer coisinha, NÃO vou ser influenciado pela opinião de outra pessoa a menos que ela consiga PROVAR que aquilo é verdade, caso contrário, continuarei com meus princípios, dogmas e etcetera. Por mais que seu discurso/sua opinião seja convincente ela não vai me influenciar em NADA se sua forma de pensar não me convencer. Pelo menos é assim que eu levo a minha vida.

    Hoje eu detesto essa atitude imbecil que muitos dos meus colegas cristãos tem em relação a outras formas de pensamento. Nós católicos acreditamos que Deus nos deu uma coisa chamada LIVRE ARBÍTRIO e com ele NÓS TOMAMOS AS DECISÕES. Tendo esse direito primordial em nossas mãos, todos nós humanos temos o direito de pensar da forma que queremos (independentemente das consequências).

    Outra coisa que muitos dos meus colegas católicos se esquecem é que na própria Bíblia e também nas missas nós somos incentivados a NÃO JULGAR as pessoas. Isso mesmo, NÃO JULGAR. Não é não julgar por aparência, não julgar pelos gostos, não julgar pelo seja-lá-o-que-for, é NÃO JULGAR NO GERAL mesmo. Mas quem foi que disse que isso é fácil? Eu mesmo nunca vi ninguém, nem mesmo os que nós católicos chamamos de santos, conseguiram exercer plenamente essa coisa de NÃO JULGAR, as pessoas. Por isso que muitos de nós caímos na tentação de julgar outros seres humanos por terem diferentes opiniões das nossas. Esse tipo de atitude é um exercício a ser feito e como todo grupo em que existems pessoas que praticam um determinado exercício, existem aqueles que sofrem mais para desenvolvê-lo.

    Na Igreja Católica nós NÃO TEMOS SANTOS VIVOS. As pessoas católicas vivas são gente querendo tentando alcançar a santidade. É como eu vi num vídeo que tinha o seguinte diálogo (ou algo parecido com isso):

    “Ah, esse povo que vai pra igreja é tudo hipócrita!”

    “Pois é, e tem lugar pra mais um.”

    Sim, somos hipócritas, mas todos estamos ali para superar estes e outros problemas em nossas vidas.

    Agora você volta e olha o meu nick lá em cima: Como um cara que se diz o “Rei do Hentai” (na verdade é rei dos pervertidos, mas é sempre comum alguém interpretar [MUITO MAL] o meu nick name) pode seguir a religião católica? Vamos por partes:

    1 – Pra começar, eu levo a minha religião do meu jeito e, como eu mesmo disse lá em cima, tenho esse direito dado pelo PRÓPRIO DEUS. Então me sinto livre pra ser pervertido e católico ao mesmo tempo. Claro que minha perversão tem um certo limite. Eu não saio na rua tentando agredir sexualmente as mulheres que acho atraentes e vejo pela minha frente. A vida não funciona dessa forma… Só pra quem tem algum problema de ordem psicológica que cause isso, como a tão famosa e citada esquizofrenia que alguns caras que jogavam certos jogos violentos tinham…

    2 – Eu acredito em Deus sobre todas as coisas e deposito minha confiança plenamente Nele. Isso já é meio caminho andado. Fora que muitas das minhas atitudes (sérias, é claro) condizem diretamente com minha religião e seus dogmas. Isso é ainda mais parte do caminho andado.

    3 – Eu tô esse texto todo tentando defender a Igreja Católica, notou?

    4 – Eu sou meio niilista (seguidor de Friedrich Nietzsche, pra quem não sabe), portanto eu, como muitos católicos, não concordo com absolutamente tudo o que as autoridades falam. Eu acredito que se existe verdade absoluta ela está com Deus e apenas com ele e nenhum ser humano será capaz de sequer “tocá-la” (até o Juízo Final isso SE a verdade for realmente revelada). Eu duvido de muito do que é dito pelo Papa e pelos padres. Como eu disse lá em cima, eu NÃO sou facilmente influenciável.

    Acho que dá pra encerrar aqui. Já falei até demais pra um simples comentário.

  3. Ah, e antes que eu me esqueça, Animes, Cultura Japonesa e Religião sempre andaram juntos.

    Cristianismo é apenas UMA das várias e diversas religiões mencionadas pelos animes. Das mais comuns temos o Xintoísmo e o Budismo.

    Por favor não associe a palavra religião apenas ao cristianismo, pois isso é uma enorme falta de respeito com o resto das religiões que existem no mundo.

  4. Só digo que é um saco religioso fanático defecando pela boca sobre uma cultura completamente diferente da nossa.Uma vez eu estava lendo Shoujo Kakumei Utena no metrô e tinha uma crente sentada ao meu lado,em voz bem baixinha ouvi ela falar “Homossexuais tsc” PQP!Me subiu o sangue,primeiro porque a capa era a Utena e o Tohga e UTENA ERA CLARAMENTE uma mulher.E segundo que FODA-SE se fossem homossexuais,panssexuais,psicopatas eu leio o que eu bem entender e não preciso de gente ignorante e com cérebro lavado vir me encher o saco.O problema dos que se auto intitulam “cristãos” é que eles não seguem nem 10% do que o homem a quem eles rezam e admiram ensinou:Tolerância e NÃO JULGAMENTOS,mas é claro que eu estou deixando de fora a mentalidade medieval que é pregada nesses “templos” onde eu já cheguei a ler o absurdo de que os nossos tempos são “perigosos demais” porque toleram homossexuais,divórcios,tentações mundanas do que vêm de fora *nessa hora me veio o Oriente na cabeça,Japão,China e etc*.

  5. O que realmente atrapalha é o fanatismo, fora isso, eu não vejo problema algum no uso de religiões em anime, filmes, ou qualquer tipo de mídia.

  6. Eu acho interessante ver a visão japonesa sobre o cristianismo, visto que nascemos e fomos criados num país cujas bases são totalmente cristãs. Funciona como uma quebra dos paradigmas de que a crença cristã é certa e isenta de qualquer contestação.
    Quanto a piadas referentes a Jesus, elas me incomodam. Mas por que? Porque eu realmente acredito nele ou porque eu fui criado num ambiente propício a isso? Eu já não tenho a resposta só acho que é válido ver a opinião de pessoas criadas num meio totalmente diferente.

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