Mawaru Penguindrum

A indústria de animação japonesa pode ser bem cruel, seguindo o exemplo de tantas outras, mas sempre há o mínimo de espaço para obras autorais – ao menos para quem já conseguiu colocar previamente seu nome em evidência. E um dos considerados grandes diretores de anime, um dos poucos capazes de fazer um tour de force na medida para marcar a memória de muitos, era o sumido Kunihiko Ikuhara – que fez fama tanto em Bishoujo Senshi Sailor Moon R/S quanto em Shoujo Kakumei Utena.

E doze anos após Adolescence Mokushiroku chegar nos cinemas japoneses [e um após o roteirista de Utena, Yoji Enokido, escrever Star Driver – obra que é comparada com Utena] chega em Julho/11 a MBS e algumas emissoras de UHF japonesas Mawaru Penguindrum. Agora responsável tanto pelo roteiro [em parceria com o praticamente desconhecido Takayo Ikami] como pela direção desta obra original [em todos os sentidos, inclusive de não ser baseada em nenhum material previamente publicado] que pode contar com o afiado Original Character Design de Lily Hoshino [Otome Youkai Zakuro] adaptado pelo igualmente bom estúdio de animação Brain’s Base.

Apesar do orçamento claramente limitado, Penguindrum é lindamente eficiente em passar o máximo possível de informação visual com a menor quantidade possível de animação. Enquanto o traço pode ser considerado até mesmo rebuscado e recomenda-se olhos abertos e uma tela o maior possível para poder reparar em tudo que é jogado na sua cara, obviamente que a animação foi produzida com a mesma quantidade de dinheiro daquele ecchi vagabundo de toda santa temporada. Mas porque aqui parece tão melhor?

Foco em ser praticamente uma série de belas pinturas, feitas por pessoas gabaritadas como Nobuyuki Takeuchi [em participação especial; este é a pessoa que conseguiu, sendo Visual Director de Bakemonogatari, dar a distinta identidade visual que aquela série carrega] e com somente a animação necessária para causar a impressão certa ao espectador; talvez por isso a insistência no único belo momento neste quesito na série, que são as sequências ambientadas no Mundo do Cristal, ter sido repetido principalmente no início desta.

Este foco e este comprometimento visível refletem-se também na bela trilha sonora presente, vinda inesperadamente de um Yukari Hashimoto que antes disto somente dedicou-se a compôr trilhas esquecíveis para animes igualmente esquecíveis como Mayo Chiki, MM! e Omamori Himari. Claro que uma boa parte da magia desta é o encaixe perfeito na série, obra que é muito do diretor, mas não dá para negar que temos aqui [e podemos incluir as músicas de abertura, encerramento e demais presentes na série] uma parte sonora de efeito e bem acima da média para animes feitos para a TV.

Mas uma parte técnica bem-cuidada não é nada sem uma história e/ou personagens que sustentem essa imensa e caprichada de embalagem – e é aqui que podemos realmente começar este artigo sobre uma série que não chega a dividir opiniões pelo simples fato de ser autoral demais; apesar do primeiro episódio realmente ser caprichado, conseguindo trafegar lindamente na corda-bamba que é ao mesmo tempo ser autoral e buscar atrair as massas, a maior quantidade de pessoas possível, logo depois a série começa a mostrar suas manguinhas de fora.

Podemos dividir a série em duas partes: a primeira é basicamente a apresentação geral do mundo, dos personagens, dos temas que como tudo aqui são tratados em camadas – ao contrário de muitas outros animes recentes, o fato de Penguindrum ter 2-cour/24 episódios não soa excessivo. Pode ser repetido, e é em certos pontos é repetido, mas isso é intencional. Como na bela ideia do 4chan de fazer um tag cloud [nuvem de etiquetas] para focar em quais palavras eram mais repetidas pelos que assistiam a transmissão simultânea [livestream] da série, cada vez que nesta surgiam a maçã, o destino ou o trem a pessoa conseguia absorver um pouco mais da importância destes conceitos para a série.

E aqui vale ressaltar a importância que a personagem Ringo Oginome tem na série: ela, que é basicamente o avatar e os olhos do espectador ao considerarmos a série como um todo, é apresentada convenientemente da forma mais antipática possível somente para seu coming-of-age ser resolvido de uma forma clássica, porém precisa e sem exagerar na alegoria como poucas coisas nesta história.

Mas as aventuras da stalker maluca que vive para cumprir o diário do destino, algo que deveria – junto com os pinguims – tornar o clima da série ao menos neste início um pouco mais leve e divertido já mostra que a proposta da série realmente não é para muitos; acabou foi por afastar muita gente da já complicada, agressiva, pretensiosa e deliciosamente maluca obra.

Já a segunda é aonde a série realmente mostra a que veio: com tudo devidamente apresentado [inclusive com a história da Ringo praticamente fechada] podemos finalmente embarcar na avalanche de temas neste verdadeiro conto de fadas sobre família, destino e pecado que querendo ou não forneceu elementos para toda a blogosfera de anime fazer todo um #penguinday dedicado a mostrar as diferentes visões e compreensões acerca deste pequeno universo proposto pelo autor.

E talvez a principal característica aqui é o foco nos três Takakura: Kanba, Shouma e Himari. Kanba e Shouma são personagens clássicos que mais uma vez representam um dos pais clássicos da literatura, o dos irmãos-rivais, que desde o começo estiveram juntos e somente funcionam como um todo [daí, as cores complementares de seus cabelos]; já Himari [repare em seu cabelo colorido e longo em contraste com o curto e castanho de Ringo] é a princesa que não quer ser isto: princesa, passiva, boazinha.

Para poder focar melhor neste trio [e mostrar da maneira mais impactante possível o apoteótico clímax], a série começa a – juntamente com o tom cada vez mais sombrio adotado – investir pesadamente na teatralidade e uso constante de flashbacks. Afinal, o passado incomoda e é uma sombra gigante nas costas dos protagonistas – e seu grande desafio será justamente enfrentar todos os fantasmas que vem desde 1995, tanto o ano no qual essa geração perdida de protagonistas nasceu enquanto acontecia o ataque terrorista no metrô de Tokyo que mudou tudo– na ficção, tivemos o surgimento do ambiente controlado do Tokyo Sky Metro, asséptico, desumano e com a presença nas propagandas das Double-H.

Esta é a hora que deveríamos começar a falar do verdadeiro significado da série, mas em uma obra que ao mesmo tempo tem uma conclusão satisfatória para quem tem os dois pés no chão e deixa muita coisa a ser pensada para quem deseja voar alto na imaginação deixemos as teorias e as verdades pessoais para as almas mais livres; hora de discutir se a série realmente tem algum significado ou se tudo isso foi apenas pura e completa sacanagem da mente maligna de Kunikiho Ikuhara e asseclas.

Em tempos de internet, o surto é livre. Claro que neste ambiente aonde o tempo livre, a falta do que fazer e a vontade de tanto colocar para fora o que pensa quanto fazer parte de uma comunidade fazem com que muito conteúdo original seja produzido costumam surgir coisas bem elaboradas a ponto de encaixarem-se com sentido naquela obra mesmo não tendo passado nada similar na cabeça dos autores quando da produção dessa. Válido? Sim. Mas não podemos elogiar uma obra por seu fandom – mesmo quando este é dedicado como o de Touhou.

Mawaru Penguindrum contém um número absurdo de coisas que são pura purpurina e distração [exemplificada bem na própria série em uma cena do episódio 21 aonde o personagem Sanetoshi só aparece após muito focarmos nesta], justamente para agradar um público ávido por obras espertas, inteligentes e que acham que estão assistindo séries melhores do que opta pelo simples. E aqui chegamos perigosamente perto da linha que separa este tipo de série de uma apenas ávida em ter significados, subtextos e ser porque não pretensiosa e em alguns momentos rococó – mas o fato da série saber o que está fazendo e conseguir manter uma linha básica de raciocínio, mesmo que deixe a profunda sensação de que faltou entender um número absurdo de pequenos detalhes [e sim, muitos nem devem ter sido feitos para entender], separa este trigo de muito joio por aí.

Mas fazer uma obra audiovisual de qualidade em múltiplas camadas, como esta série pretende ser, é ser boa em todas elas. E Penguindrum para muitos, principalmente para encara anime simplesmente como entretenimento, deve ficar somente como mais uma série chata que “perde a mão” após um Primeiro Episódio legal. Temos assim em 2011 uma verdadeira dualidade entre Mawaru e Steins;Gate, obras totalmente diferentes, com perfis opostos e que devem ser faladas por muito tempo – falta aqui a simplicidade e a constante diversão e carisma presentes por lá, sendo que ambas um passo atrás de Mahou Shoujo Madoka Magica, que por ser verdadeiramente completo é o grande anime do ano.

E assim chegam- mas você não falou a fundo dos personagens, do romance, de como o Kanba é lindo e a Himari é uma personagem forte e independente? Bem, os personagens de Penguindrum são feitos na medida para contar esta série que na verdade é primeiramente sobre os temas – e depois, sobre estes, e por último sobre o arremedo de mundo e história criado da forma mais minimalista possível [como provam os bonequinhos 2D que andam pelas ruas]; assim, eles são muito cool – algo que verdadeiramente anda em falta na animação japonesa, tanto que diversas mulheres do fandom escolheram Kanba e/ou Shouma como seus ídolos, como homens de verdade pelos quais podem babar [se algumas babam por Okarin, por que não?].

Mas quando as mulheres resumem-se à aparentemente louca Ringo [mesmo que goste, é uma personagem que divide opiniões] e a bipolar Himari [não ficou bem amarrada a personalidade desta; percebe-se que a aparência fofa é meramente fachada, mas fica difícil juntar os dois lados da moeda em uma única personalidade], algo está errado no reino da Dinamarca. E se pensarmos que o character design é de Lily Hoshino – famosa por criar Boys Love [portanto, trabalha com o público feminino] – pode ser que realmente aqui tenhamos uma obra que tenha personagens realmente mais focados para um público feminino.

Em um artigo no qual as críticas foram muito leves comparados aos elogios, é claro que Mawaru Penguindrum é uma das grandes obras que surgiram em 2011, sendo sem dúvida recomendado – mesmo que haja muito exagero em sonhar que seja o anime da década. Mas mesmo que alguém critique, é uma obra claramente multifacetada e com personalidade “até demais” – depende muito de sua maneira de pensar, de sua trajetória de vida, de sua idade, de sua reação aos temas tratados pela obra para poder formar uma verdadeira opinião. Assista, ponto.

A indústria de animação japonesa pode ser bem cruel, seguindo […]

11 thoughts on “Mawaru Penguindrum”

  1. Mawaru Penguindrum? Comecei a assistir por causa das imagens que via no tumblr, me chamou bastante atenção, o anime apenas tinha 15 episódios: Ah, não tenho nada a perder, deve valer a pena.
    Sério, quando comecei a ver, fiquei ansiosa e curiosa para ver o próximo episódio, sempre estava querendo saber o que vai acontecer, já que a história é contada mostrando aos poucos o passado de cada personagem. No final, sobrou saber o passado mais importante, e isso foi um dos detalhes mais perfeitos de Penguindrum.
    Outro detalhe que me atraiu bastante foi a compaixão que os irmãos tem pela irmã. Eles perderam os pais e um dia se conheceram, e o que fizeram? decidiram criar uma família, uma família valente, composta apenas por estes três, aonde cada membro daria tudo de si pelo seu irmão.
    Os personagens secundários também se destacam, como Tabuki e Yuri, onde ambos sentiam, igualmente, um amor pela Momoka, e que procuravam vingar pela morte desta. Achei bastante interessante, aonde dois antigos colegas se juntam para obter de volta algo que era precioso para eles.

  2. Enrolou, deu volta e não falou nada, achei essa review fraca. Como eu disse antes por ai na internet, nenhuma review de Mawaru, por enquanto, vai ser boa de verdade. Para sair uma review em português de Mawaru do nível da que o Lancaster fez para Evangelion ainda vai demorar muito tempo, anos. Uma dessas que vai nos pontos mais ínfimos e chega a ser um ponto comum só pode ser feita por quem tem paixão pela série ou pelo menos um respeito muito grande.

    De qualquer forma fica ai mais uma né, valeu pelo esforço.

    1. “deixemos as teorias e as verdades pessoais para as almas mais livres” – acho que em parte deixei escapar aqui minha inabilidade para fazer uma “teoria de tudo” sobre Mawaru Penguindrum [como defino aquele artigo soberbo do Lancaster].

      A proposta aqui foi fazer algo em uma linha mais simples – como talvez o Nihon Review faça – mas carregado de vários tiques e toques pessoais meus. Acho válido, acredito ter seu público, infelizmente não te convenceu.

      No Brasil, acho que o Panina seria uma boa pessoa para escrever algo parecido ao que está falando – pena que IMO falta o controle e o pensar que o Lancaster [e o Kaue do Otakismo] imprimem a seus artigos. Uma pena.

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