Shimoneta e seu tenebroso futuro distópico anti-imoralidade

A essa altura do campeonato você já deveria estar assistindo Shimoneta. Não só por ele ser um anime de comédia bem engraçado, mas também, e eu diria até principalmente, pelo que está em seu subtexto: um tenebroso futuro distópico que deixaria Akira, Ghost in the Shell e similares intrigados.

[ATENÇÃO! Esteja avisado que teremos spoilers dos episódios 1 a 4 de Shimoneta nesse post! Prossiga por sua própria conta e risco.]

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No Japão de Shimoneta palavras e imagens obscenas ou de baixo calão são terminantemente proibidas. Em um primeiro momento não há nenhum efeito negativo nisso, muito pelo contrário, o Japão acaba se tornando o país com a melhor “moralidade pública” do mundo. Porém, quando terminei de assistir o primeiro episódio, não me restava dúvida de que aquilo ali não havia sido construído só pela piada. Não tava tudo tão bem como aparentava.

Ayame, a protagonista desse anime junto a Tanukichi, deixa claro que o “terrorismo obsceno” de sua alterego, a terrorista Neve Azul, não tem como objetivo apenas criar o caos ou proporcionar diversão para ela vendo os “puritaninhos” ficando chocados com seu despudor e boca suja. Seu real objetivo é combater um problema bem mais grave e é ele que vemos se desenvolver nos episódios seguintes.

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A “lei de moralidade”, proibindo as pessoas de falarem ou escreverem palavras como “merda”, “porra”, “xoxota”, “pau” – até mesmo os nomes cientificamente aceitos para os órgãos sexuais humanos, como vimos no episódio 2 – ou mesmo de verem pornografia ou imagens “ousadas” ou levemente “interessantes”, como garotas de biquíni, fez com que a juventude ficasse completamente ignorante quanto a sexualidade no geral. Ao ponto de um mínimo estímulo, como o acasalamento das moscas no final do primeiro episódio, faz com que um ginásio inteiro de estudantes tenha um orgasmo coletivo – e sem saber o que diabos estavam sentido, que fique claro.

Mas calma que a coisa não tá ruim o suficiente. Não só os jovens acabaram ficando sexualmente ignorantes, como tal ignorância se estende ao seu entendimento sobre o que é o amor, de fato.

No mundo da série, as pessoas foram obrigadas a usar PMs, uma espécie de gargantilha que, além de monitorar o que você fala, também monitora seus movimentos para alertar a polícia da moral caso você escreva, desenhe ou faça algo “imoral”. Pouco errado isso aí, né? Mas beleza… o que acontece é que, por causa disso, muito provavelmente os jovens que cresceram nessa sociedade pós-lei da moral nunca viram uma demonstração de afeto em público, muito menos dentro de casa – já que não importa onde você esteja, os PMs estão ligados. Assim sendo, eles não têm noção de como demonstrar seu amor por alguém.

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Essa situação é bem ilustrada no episódio 3 quando ficamos sabendo do número crescente de stalkers que começaram a aparecer. Pelas palavras de Ayame, como as pessoas não sabem como expressar seu amor, acabam por stalkear as outras, as admirando ao longe e mandando cartinhas que para qualquer olhar são creepy pra caramba. Inclusive, Anna, a presidente do conselho estudantil, defensora da moral, filha da parlamentar que propôs a lei da moral e a quem nosso outro protagonista Tanukichi tem muito respeito desde criança, é uma das que está sendo alvo desses stalkers.

Para o espectador atento, aquele que sacou que Shimoneta não é só mais um animezinho divertido por aí, era questão de tempo para uma grande mierda aconceter. E para o espectador mais atento ainda, a melhor personagem para que essa mierda acontecesse com era, claro, a Anna. E não tardou. No episódio 4 temos o culminar de tudo que estava sendo construído desde o primeiro episódio. Temos a oportunidade de ver claramente o que espera o futuro daquela geração.

No decorrer do episódio 3, Ayame bola um plano para descobrir quem é o stalker de Anna. Quando o botam em prática, são surpreendidas por não só um, como vários stalkers que os atacam como retaliação. No meio da confusão, Tanukichi, após protege-las de um dos ataques, acaba caindo em cima de Anna e a beijando, para logo tomar uma pedrada na cabeça e apagar. A reação dela? Bem…

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Achou estranho? Espera que piora. As consequências disso aparecem já no episódio 4.

Tanukichi acorda no hospital e descobre que Anna não veio lhe visitar. Pior, descobre que ela está sendo estranhamente fria com ele. Decepcionado por ter afastado a pessoa pela qual ele tem tanto respeito, Tanukichi descobre que agora é ele quem tem um stalker. Ayame decide usar isso como inspiração para a pequena artista Otome, uma colega recém recrutada para a SOX, a organização “terrorista” dela, produzir artes mais “ousadas” em prol da causa. O plano é atrair o stalker para a casa de Tanukichi no meio da noite enquanto Otome está escondida observando e desenhando.

Para a surpresa de todos, menos para a do espectador sagaz que sabia que a mierda estava feita, quem surge é nada mais nada menos que a própria Anna, completamente fora de si, sem saber como reagir com o que está sentindo e regressando aos seus instintos mais primitivos, literalmente pingando no meio das pernas… tudo por causa de um beijo acidental. Ela entra na casa de Tanukichi, o amarra e o ataca, lambendo e beijando todo seu corpo. Ambos completamente nus. Um “quase-estupro” se não fosse o fato dela simplesmente não saber como sexo funciona e se Ayame não tivesse entrado na casa para ver o que estava acontecendo.

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Para piorar ainda mais a situação, se é que é possível, Anna revela ao final do episódio, ao falar com uma outra personagem, que não acha que o que fez tenha sido nem um pouco errado. Para ela, sua atitude e reação foram puras e justas para com quem ela julga “amar” em sua ignorância. De todas as pessoas que estão sendo “protegidas”, Anna é provavelmente a mais, em virtude de sua circunstância familiar. Assim sendo, tendo seu provável primeiro contato mais íntimo, a menina simplesmente despirocou.

Nesse momento até o espectador mais desatento já percebeu que o grande cerne de Shimoneta roda em torno da ignorância gerada por uma leva de indivíduos super-protetores que acreditavam estar tentando corrigir a moral japonesa impondo um controle que teve implicações das quais, eu acredito, eles não contavam com e nem estão cientes de. Os paralelos que conseguimos traçar com o mundo real são inúmeros, mas sem dúvida a crítica às recentes iniciativas do governo japonês de coibir material “sensível” em animes e mangás está no centro dele, juntamente com o taboo exagerado em torno da sexualidade humana.

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Shimoneta veio para reafirmar que, muitas vezes, a melhor maneira de se criticar algo, é tornar aquilo uma piada. Fazer comédia em cima de um assunto delicado não é algo novo, mas que sem dúvida está sendo muito bem feito aqui. Você se vê com pena dos personagens que estão naquela situação e querendo que o SOX tenha sucesso em mostrar para o mundo que o que está acontecendo ali não é nem um pouco saudável.

Como essa história vai terminar, eu não sei, mas seu começo foi surpreendentemente bom e estou extremamente ansioso para saber o que vem em seguida. Ainda mais após a revelação do final do 4º episódio, onde a mãe de Anna revela o próximo passo da “lei de moralidade” arriscando deixar a situação que já estava ruim ainda pior. Será que eles só vão perceber o mal que estão fazendo quando já não tiver mais volta ou será que o SOX vai conseguir ter sucesso em sua empreitada? Parabéns, Shimoneta. Você conquistou minha atenção e provável posto de grande surpresa do ano até agora. Só não deixe a peteca cair daqui até o final.

Sobre Diogo Prado

Tradutor, professor, host do Anikencast, apaixonado por quadrinhos, apreciador de jogos eletrônicos e precoce entendedor de animação japonesa.

Você pode me achar no twitter em @didcart.

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19 thoughts on “Shimoneta e seu tenebroso futuro distópico anti-imoralidade”

  1. Otimo texto, só faltou voce mostrar a espetacular cena da anna-senpai descobrindo a existencia de focas em corpos masculinos…
    Um ponto bem interessante foi ver como a anna-senpai “organizou” as novas sensações conforme os ideais que ela acredita. Eu pensava que na verdade a anna-senpai já tinha algum tipo de pervesão, e que ela escondia isso, por isso essa reviravolta me surpreendeu.
    Fiquei impressionado em ver que apesar de tudo a kajo ainda tem um lado inocente(?), ela ficou bem surpresa no flagra, na minha opinião. Achei que ela reagiria mais como a saotome-senpai.
    Como tudo vai se desenrolar, como vai ser a guerra entre a garota do laboratorio e o conselho, como a anna-senpai vai reagir… Estou curioso

    1. rsrs tbm me impressionou a reação das duas, principalmente da saotome, já que ela era meio “possessiva” em relação a anna.
      e achei engraçado a reação dela rs

    2. Não acho que a Ayame tenha “um lado inocente” per se… Acho que ela ficou mais perplexa por ser a Anna mesmo.

  2. Muito bom o texto, quando pensei em assistir teve um certo receio e uma GRANDE INCERTEZA de que algo dá errado nessa história, mas a cada episódio tava vendo como ser “incorretamente” fora do padrão. Tudo pode acontecer e as censuras aumentando e vendo que não precisa ser correto pra fazer as coisas, cada um tem seu jeito e estilo próprio, “taxar” ou “retirar” pode ou não dar resultado. Seria uma “crítica” bem ferrenha em relação a censura no Japão??? Bem difícil ou não, tudo pode acontecer nos próximos episódios.

    1. Sim, claro que há uma crítica à censura japonesa. Principalmente no que tange a animes e mangás, mas também se estendendo ao entretenimento adulto e por aí vai…

  3. Muito bom, esse anime realmente me surpreendeu fugindo de vários clichês e sendo extremamente engraçado apesar da situação abordada nele ser bem tensa. A abertura e encerramento são ótimos e se você for ver na ED nós temos a mudança da sombra pra figura da Anna nesse último episódio, sendo assim já estava tudo implícito na sombra dela pra quem prestou bem atenção e ficou curioso (o que não tinha sido meu caso haha) na OP tmb temos vários personagens super intrigantes que parecem estar por vir, até agora o anime está sendo cada vez melhor 😀

    1. Yep. Tanto a abertura quanto o encerramento tem elementos que ficaram bem mais claros depois do epi 4. Bem legal isso.

  4. Um anime excelente, que mostra o mau por trás do puritanismo em excesso, somado a uma “moral pública” que foi tragada a força pela sociedade, embora moral seja algo que rege a sociedade, não significa que é algo que deva ser igual para todos.

  5. uma duvida que me veio quando comecei a assistir a essa serie foi, como então eles iriam fazer para manter a natalidade do país? já que é proibido de falar qualquer coisa relacionada a isso, e que já foi mostrado desde o primeiro episodio que eles não fazem ideia de como humanos se reproduzem

    1. Esse é, de fato, um ponto bem curioso e faz parte do problema da série. Provavelmente os adultos acham que quando os jovens atingirem a vida adulta eles acabarão aprendendo sobre isso na prática pois os jovens não devem fazer sexo, só os adultos. O problema é q esse pensamento tá errado pacaray e a mãe da Anna só está querendo piorar ainda mais as coisas. O pior é que, como eu disse no texto, eu acho que ela não tem noção do mal que está fazendo.

      1. mas essa é a primeira geração que sofreu essa “lavagem cerebral” desde cedo, ainda não se sabe muito bem qual sera as conseqüências futuras reais disso, pois aqueles que mesmo sendo uns 5 ou 10 anos mais velhos que eles, ainda lembram/sabem sobre isso, mas esses mais novos não fazem ideia de nada.
        mas os adultos aparentemente também estão a sofrer com isso, é provável que só aceitem o sexo pra reprodução rs

  6. Ficou muito bom o texto. Realmente Shimoneta é um anime que me surpreendeu muito. No começo pensei que era um ecchi de sempre, mas vendo melhor, de fato, a situação dos personagens é bem complicada.
    Esse anime despertou minha curiosidade em saber como tudo isso var terminar.

    Por fim , gostaria de ver um cosplay da Kajo versão Neve Azul. É o cosplay mais fácil do mundo, basta colocar uma calcinha na cara e um pano branco no corpo. Será que alguma mina teria coragem de fazer isso em um evento??? kkkkkkk

  7. Eu ainda estou surpresa como esse anime não deixou a peteca cair, porque eu adorei a premissa da série mas jurava que iriam desperdiçar o potencial que tinham e eu deixaria de ver lá pelo episódio 3. Ainda bem que eu estava errada.

    Eu considero Shimoneta um anime para não chorar porque por mais que ele use do absurdo para fazer rir…… eu já li horrores sobre as consequências da falta de educação sexual ou representações de sexo saudável. Coisa que poderia muito bem aparecer no anime, como o caso de estudantes de um colégio católico mega conversador que para se manterem “puras” e virgens para o casamento aceitavam fazer anal pra agradar o namorado. (se fizerem piada com isso eu declaro shimoneta o anime do ano kkkkkkkkk)

    (Aliás de uma análise levemente feminista o anime vai ganhando pontos conforme a história se desenvolve, mas ainda tá muito cedo pra dizer se vai aproveitar o que eu to pensando que vai)

    Eu chutava que a Anna era uma “pervertida” em segredo, mas foi divertido ver o surto dela ao liberar tudo de uma vez. E a cena de estupro – não teve penetração mas NÉ olha bem o que aconteceu – deixou meu queixo no chão. Eu fiz a mesma cara da Ayame na hora:

  8. The problem is the extrem. Of course, good critic, but this adds allienation to the hole thing. If it weren’t for the allienation, it would be ok(i guess).

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