Genshiken está para ganhar um novo anime na temporada de Verão e a JBC nos surpreende com o lançamento da versão em mangá nas bancas brasileiras. A série foi publicada no Japão na revista mensal Afternoon entre 2002 e 2006, com um total de 9 volumes encadernados. Durante esse período, o mangá recebeu duas temporadas de anime e uma mini-série de OVAs. Genshiken começou a ficar conhecido e a figurar no meio como um retrato da cultura otaku da época, fortemente influenciada pelo final dos anos 90 e vivendo o início do novo milênio.
Kanji Sasahara está entrando na faculdade e quer muito entrar em um clube otaku, mas está tentando buscar a coragem para tal. Saki Kasukabe, por outro lado, enfrenta um dilema. Será que ela vai conseguir transformar Makoto Kousaka, seu namorado otaku, em um cara “normal”? Seus objetivos parecem cada vez mais distantes quando ele e Sasahara entram na Sociedade para o Estudo da Cultura Visual Moderna, ou abreviando, o Genshiken. Começa então a jornada de Sasahara frente a auto-aceitação e de Saki frente a esse novo universo, ao mesmo tempo que todos os membros do clube também terão suas vidas chacoalhadas no processo.
Genshiken começa de maneira bem curiosa. Apesar de nós sermos apresentados a Sasahara como se ele fosse o personagem principal, nós temos grande participação da Saki nesse primeiro volume. E prestem atenção pois isso é extremamente importante para a série. Tanto Sasahara quanto Saki são personagens principais dessa história. Sim, em frentes diferentes, mas não menos importantes.
Sasahara vai nos guiar na introdução àquele universo e àquele grupo de personagens. Ele faz o papel de nós, leitores, que estamos conhecendo, assim como ele, aquele grupo. Sasahara é o personagem com o qual mais facilmente nos identificamos. Já Saki, por outro lado, faz o trabalho de fator entrópico dentro do grupo. Ela é aquela que questiona suas atitudes e costumes. Ela é quem os tira das suas zonas de conforto. Ela é a pessoa “normal” dentro do grupo de “estranhos”. É ela que faz toda a história andar. Vai contra a manutenção do status quo.
Para mim, esse é um fator fundamental para Genshiken ter a qualidade que tem. É um mangá onde o foco são os personagens e você consegue acompanhar a evolução de cada um ali como se fizesse parte do grupo. Enquanto os otakus começam a perceber que existe algo além do seu universo, Saki também começa a perceber que aquelas pessoas não são tão estranhas quanto ela pensa. Mérito total para o autor, Kio Shimoku, por conseguir construir tão bem esses personagens e torná-los figuras extremamente carismáticas e com as quais podemos nos apaixonar tão facilmente.
Uma das coisas que eu achei muito legal na primeira vez que li Genshiken foi o choque de gerações que ele provoca. Certas coisas, que para nós são conhecimento comum e uma realidade, na época ainda era novidade ou nem existia ainda.
Por exemplo, o fato do Sasahara não ter um computador é algo bem difícil de se imaginar. Mas se olharmos para o contexto da época e a situação do personagem, é altamente compreensível. Outro exemplo seria o da imagem acima. Tanaka comenta sobre como o design das personagens femininas está mudando, se tornando mais arredondados. Hoje isso é padrão, mas na época era uma verdadeira novidade.
Então além de me apresentar ao universo otaku, ele ainda remete a uma outra época, uma época diferente à essa que estamos vivendo hoje em dia e que muitos de nós lembram com nostalgia, mesmo estando no outro lado do mundo. Genshiken nos apresentas situações com as quais é possível nos relacionarmos e sentirmos aquela catarse nostálgica, ao mesmo tempo que desperta o interesse do leitor mais novo para uma época diferente da sua.
Outra coisa que me surpreendi foi com o Comic Market, a maior feira de doujinshi do Japão e o grande evento semestral do universo otaku. Não conhecia nada daquilo e foi um verdadeiro choque. Como era grande e cheio de gente! Só conhecia, se muito, os eventos brasileiros que, nós sabemos, não são lá grandes coisas. Saber como era um evento para otakus lá no Japão sem dúvida me fez mais e mais interessado pela obra.
Mas não foi só isso, foram muitas as coisas que me atraíram nesse primeiro volume. Era a primeira vez que eu tinha um contato mais… próximo… com os costumes e o modo de vida dos otakus japoneses. Era como explorar um novo território, explorar uma nova cultura, explorar uma maneira diferente de se portar frente ao hobby que compartilhávamos em comum, o gosto por animes e mangás. Era como conhecer novos amigos. Imagino que muitos leitores novos também se sentirão dessa maneira.
E para não deixar de falar da parte técnica do mangá, reparem como a arte evolui bruscamente já nesse primeiro volume. Compare o primeiro capítulo com o último e já verá uma grande diferença na qualidade do traço. E essa melhora não para por aí. O autor não para de melhorar sua arte e hoje a considero uma das melhores que temos por aí. É aquele típico trabalho que você percebe a evolução do autor tanto na narrativa quanto no traço.
A Adaptação da JBC
Gostei do trabalho geral que a editora fez com o mangá. Usou as capas internas do volume japonês nas contra-capas e usou a arte colorida interna na capa de trás, fazendo uma capa dupla. Espero que sigam assim nos próximos volumes. Achei uma ideia legal. E além de tudo isso, temos páginas coloridas nesse primeiro volume, seguindo o original! Ponto pra JBC! Posso dizer com segurança que sim, nossa edição é melhor que a edição americana. Temos uma tradução melhor e uma qualidade editorial melhor. Se perdemos em algo, seria no papel usado no miolo, mas a cada dia estou me despreocupando mais com esse quesito pois atingimos um nível satisfatório nesse quesito, embora não o ideal ainda.
Apesar deu ter gostado da tradução e adaptação de um modo geral, temos pontos bons e alguns pontos ruins.
Primeiro, achei legal a ideia de traduzir o nome das referências para os nomes reais. Acontece que, no original, elas recebem pseudônimos próximos ao nome real, por exemplo: “Street Master 2” no lugar de “Street Fighter 2”. A JBC optou por ir direto ao ponto e já entregar a referência. Uma escolha editorial interessante, que muda um pouco a brincadeira, mas mantém a ideia e facilita as coisas para o público geral. Afinal, se tem algo que Genshiken tem em grande quantidade é referências e citações. As 7 páginas de notas de tradução ao final do volume não me deixam mentir.
Apesar deu gostar dessas notas, achei que algumas coisas davam para adaptar. Por exemplo: eles colocaram “Manken” e “Aniken” como os nomes dos clubes de mangá e anime. Achei desnecessário. Podia colocar “clube de mangá” e “clube de anime” mesmo que o significado não seria alterado. Assim como chamar os clubes de “sociedades” fica muito estranho para o nosso contexto. Sim, eu sei que a tradução literal é essa e que no nome do Genshiken, “Sociedade para o Estudo da Cultura Visual Moderna”, fica legal pois dá uma ideia de ser algo importante e sério, o completo oposto da realidade, mas com o resto fica estranho. Minha opinião, não um erro, que fique claro.
As adaptações dos estilos de linguajar ficaram interessantes. A pegada mais jovem está presente, assim como o estilo “militar” do Madarame. Infelizmente temos alguns momentos estranhos, como o da imagem comparativa acima. A tradução do japonês seria algo como um imperativo do verbo “falar”, tipo… “Fala, Sasahara”, mas na versão brasileira ficou… “Chora, Sasahara”… e eu não entendi nada. Se alguém que entende mais de japonês do que eu entender o porquê dessa tradução estranha, eu adoraria saber também (para conferirem uma boa discussão sobre isso, chequem os comentários desse post).
Outro exemplo é a adaptação do termo “2D” para “2ª dimensão”, na página 99. “2D” seria uma gíria otaku para animes e mangás, em oposição ao “3D” como gíria para a realidade. Ao ser traduzida, pode gerar uma certa confusão. No original, usa-se “二次元”, que significa “duas dimensões” ou, de repente, em alguns contextos, “bidimensional” e não “2ª dimensão”, que pode chegar até a passar a ideia de um universo paralelo. Achei falha a escolha de palavras por parte do tradutor. Não passou a ideia original e criou uma confusão desnecessária.
Na página 98 também temos uma tradução complicada, quando o Madarame se refere à personagem do eroge e explica para a Saki que os jogadores não só despem a personagem como também fazem coisas “muito pior”, e na adaptação brasileira ele disse que “pega” a personagem. Pô, “pegar” e fazer coisas “muito pior” é bem diferente, né? A reação da Saki no quadro seguinte acaba sendo completamente exagerada frente a “pegar”, o que não seria frente a “coisas muito piores”.
De qualquer forma, são apenas casos isolados que não comprometem a tradução geral.
Vou terminando por aqui pois ainda tenho mais oito volumes para comentar nos próximos meses. Tentarei me ater à história e à adaptação da JBC, tentando trazer informações que complementem a leitura de vocês, como observações, comentários sobre o universo otaku, etc. Espero que vocês gostem!
Se você chegou até aqui, muito obrigado por ler tudo e até a próxima edição! Não deixem de comentar o que vocês acharam desse volume!
Já estou saindo pra comprar o meu! Ainda estava em dúvida se ia acompanhar. Quando li os primeiros capítulos de Genshiken uns anos atrás eu achei que a história não ia evoluir e seria apenas um retrato dos otakus japoneses nos anos 90. (mesmo acompanhando seu blog eu ainda pensava assim :P)
Mas agora estou convencido porque eu lembro que foi uma experiência muito interessante ler sobre uma realidade parecida com a nossa mas em um passado não muito distante mas com muitas coisas diferentes das nossas.
Olha, o negócio do “Chora, Sasahara” eu não sei dizer se é uma gíria, mas eu, que sou de São Paulo desde sempre tive contato com essa expressão, que é tem o mesmo sentido de “fala” só que quando a pessoa é muito “chorona”, “reclamona”, “palpiteira”… Não sei se foi essa a sua pergunta. Eu imagino que eles adaptaram para chora pq no japonês o Madarame usa o imperativo, que tem uma conotação muito forte de “superioridade”, logo o “chora” teria um pouco esse sentido de o Madarame se colocar como “superior”
Pode ser… mas ficou bem estranho. Para mim, que moro no Rio, “chora, Sasahara” poderia até ter uma ideia de “se ferra aí, sasahara”, quase um “chupa, Sasahara”. Sim, dá pra usar no sentido de “vai, reclama, Sasahara”, mas não nesse contexto onde o cara só pediu permissão para falar. Entendo a possível adaptação, mas ficou estranho nessa frase. Mas como eu disse, no geral achei a adaptação bem legal.
hum.. entendi. Eu vejo a sua interpretação. Acho que o problema é que a mesma expressão tem sentidos bastante diferentes dependendo da entonação da voz. Quando escrito essa entonação se perde. Mas eu confesso que gostei bastante dessa adaptação, pois como disse anteriormente, qnd vc usa o “chora” vc acaba se colocando num papel de superioridade, e acho que isso acabou se aproximando bastante da nuance que o uso de imperativo tem na língua japonesa.
Mas to dando todos esses palpites sem ter lido o mangá. Eu estou aqui no Japão agora, então só quando voltar pro Brasil vou poder conferir a edição brasileira. Eu ainda não lia a japonesa tbm (nem li scans, só conheço a série pelo animê)… mas acho q meio influenciado pelos comentários nos anikencasts acabei comprando 7 volumes aqui. Vou ver se arrumo espaço na minha bagagem para comprar os 2 volumes que faltam (não sabia que eram só 9 a primeira fase).
Agora, sabendo o que essa expressão significa em certas regiões do país, dá pra entender a escolha do tradutor, visando passar essa ideia de “superioridade e intimidade”, mas mesmo assim, achei desnecessário o regionalismo.
Realmente essa questão do regionalismo é bem complicada. Eu fico fascinado com o quão complexo é o trabalho de tradutor, tanto que no ano passado eu estava fazendo uma pesquisa (iniciação científica) justamente na área de tradução de mangá, e acabei começando a mudar muitas das minhas opiniões a respeito da escolhas de tradução. Neste caso em questão, ao mesmo tempo que eu fiquei impressionado com a inteligência desse tradutor em traduzir a nuance da expressão japonesa para uma expressão em português que passasse a mesma nuance, eu também fiquei curioso com o como algumas expressões que nós falamos no dia a dia podem ter um significado diferente para um outro grupo de pessoas, mesmo nós dois sendo habitantes do sudeste, acabamos tendo uma compreensão bastante diferente desse fala. Por isso que o estudo da linguagem é tão fascinante.
Diogo, lendo esse post agora e os antigos, onde você fala tão bem do mangá, me deu até vontade de assinar agora. Pelo que eu entendi com relação as referências, a JBC deixou “street fighter 2”? Eu acho bastante engraçado as paródias que eles fazem com os nomes, tipo em Gintama, deixar o nome original, pra mim, perde um pouco a graça. E outra dúvida, você sabe me dizer quantos volumes já foram publicados até hoje?
Sim, a JBC “traduziu” as referências com nomes inventados para facilitar a assimilação dos leitores. Por um lado é bom e por outro tira um pouco da graça, mas no geral não compromete.
E foram públicados 9 volumes nessa primeira fase e até o momento temos 5 volumes da segunda fase.
Aqui em minha cidade o termo “chora” é usado com o mesmo sentido de “fala”, porém expressa um tom mais descontraído, pra mostrar uma espécie de “superioridade”, coisa muito comum entre amigos.
JBC e suas gírias. A expressão “chora” eu já conhecia, pode ser interpretada como “fala logo”. Agora esse “pegar” na explicação do eroge ficou pior ainda. Nesse caso eu preferi a tradução em inglês, mas parece que eles não tiveram coragem de usar “You screw her” (Você fode ela).
Gostei da sua resenha do manga! achei interessante voce apontando os deslizes de tradução da jbc (eu tambem nunca tinha visto esse “chora sasahara”)
Fiz o meu pedido, agora e esperar chegar, tive q pedir on line pq nas bancas aqi ñ consegir achar nenhum
Queria encontrar um site bom pra comprar também.
Alguém tem alguma recomendação?
Fiz o meu pedido da https://www.comix.com.br/
O preço ñ é abusivo é encontrado nas bancas, a unica questão é que eles cobram pelo envio algo por volta de 12 dilmas (valor de outro manga o.O)
Tem o ligahq, sempre compro por lá e tem a vantagem do frete ser bem em conta, facilita muito a vida pra quem sofre com essa distribuição setorial da JBC/Panini.
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Achei o “Chora, Sasahara!” bem engraçado, mas o “a gente pega ela” foi terrível… Esse erro foi responsável pelo único momento durante a leitura que me fez parar e pensar “Não, JBC, não…”. De resto, super no aguardo pelo 2º volume!