Quadrinhos Dependentes (ou “Oh Lord, Won’t you buy me a Mercedes Benz”)

Yo!

Os anos 70 e 80 (e por muito tempo dos 90) criaram uma certa tendência cultural, o tal do “indie”, o submundo cultural. Enraizado na cultura punk do “faça você mesmo”, o indie sempre representou a liberdade de expressão custe o que não custar. Baixo orçamento e tosquices eram orgulho. E, como diziam no Flashman, vinte anos depois…

O “indie” hoje remete mais ao hipster, aquele cara que é estiloso por escolha e toma cuidado para ser estranho. Indie é Scott Pilgrim, o personagem. E agora que é tudo só pose, não existem mais motivos para as ideologias por trás, a razão de ser independente. Isso se reflete em como se faz a cultura independente hoje, inclusive nos quadrinhos. Toda a pompa de não ser mainstream, estar fora dos holofotes, mascarada numa única tarja que de repente enche as pessoas de honra e orgulho. Mas meu foco aqui não é o mérito no rótulo, mas o que tem acontecido.

Não é de hoje que vemos movimentos tímidos sendo sussurrados pelas redes sociais, com poucos ecos, mas ainda assim, insistentes, esperando sempre a chance de aparecer. E é tão estranho ver isso… Movimentos de quadrinhos independentes que pedem sustento para os outros, como um filho desgarrado girando no chão, fazendo sons indecifráveis porque não vão levar o iogurte pra casa hoje. E assim chegamos à era dos Quadrinhos Dependentes, a versão yupie e mimada dos fanzines xerocados!

O quadrinhista dependente geralmente não está no negócio para criar histórias filosóficas, com abordagens pouco comerciais, experimentais ou com um tom ou tema polêmico demais. Afinal, tudo isso é mainstream hoje! Aliás, tudo hoje pode ser mainstream, basta ser bem feito e bem planejado. Já tivemos a época para tornar vendável até as piores viagens do Grant Morrison e vimos uma história de anjos e robôs ser um dos maiores fenômenos comerciais do Japão. Gente como os gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon aparecem na lista de mais vendidos no New York Times. Então, como fica a identidade do quadrinhista independente?

A verdade é que os bons independentes acabaram caindo nas graças do mercado e podem continuar fazendo o que gostam com dinheiro dos outros. É como um final feliz para uma história de esforço e sacrifício. Mas sem seus líderes para flamular as bandeiras do independentes, o restante perdeu seu rumo e sua forma. E se mostrou bem distante da ideia do quadrinho de guerrilha, feito como dá, impresso como pode, vendido pelos cantos ou no boca-a-boca. O quadrinho dependente é o filho de vinte e tantos que ainda recebe mesada e reclama que com tão pouco, não pode ter o que o irmão que trabalha em dois turnos tem.

Dai existe o choro por justiça, por direitos iguais. Por cotas que favoreçam e obriguem o mercado tão malvado e bullier a trabalhar em favor destes filhos mimados da cultura. Estes que sofrem com o bullying dos leitores indiferentes, dos editores que os chamam de amadores, dos autores estabelecidos que não fazem nada pelos outros que ainda não estão no mercado… Talvez seja apenas um retrato de como a gente cria essa nova geração à iogurte, que não repete de ano se for burro, que não se machuca se fizer besteira, nem é culpado se comete crimes. Então, o direito de realizar o sonho vira um carrinho de Hot Wheels, comprado pelo pai ausente e inconsequente, como uma forma de compensar tudo que faz de errado.

A geração dos quadrinhistas dependentes não é aquela que chora apenas para o governo ou para o Twitter. Também é aquela que acha que os editores têm o dever de publicar exatamente o que o autor quiser, pois é seu filho, é sua arte e é um crime pedir para que um autor com a honra e o orgulho de um independente se venda ou venda sua arte. Editores não são cafetões da arte. A partir desse ponto é que nasceram os independentes, que lançavam o que os editores não acreditavam. Mas é claro que mesmo os independentes sempre sonharam em poder ser parte de algo maior, vender muito e atingir muitos leitores. Esse papo de que “se minha história atingir duas pessoas eu já estou feliz” é uma lambida envergonhada em uma ferida exposta.

Trabalhar com quadrinhos é diferente de fazer os seus quadrinhos, contar sua história. O primeiro contém o segundo, mas o inverso depende de muito mais coisa. Então, você pode pensar em duas alternativas. Transformar seu talento com quadrinhos em trabalho ou trabalhar com outra coisa e publicar independente, seja pagando sua impressão ou em blogs, sem esperar que isso tenha um alcance grandioso e te encha de dinheiro e seja adaptado para anime e depois um filme com atores. Isso não é impossível, mas não deveria ser prioridade para ninguém, quanto mais um independente. Imagine um dependente, que nem ao menos montar seu próprio site e divulgar o conteúdo propriamente quer fazer?

Como deixar de ser um quadrinhista dependente? Pra começar, comece a olhar para si mesmo com a mesma ironia e senso crítico que você tem para reclamar dos outros. Reclame de você mesmo, e então trabalhe para se tornar melhor naquilo que lhe incomoda. Quando conseguir aceitar seus erros, pode começar a ouvir mais as críticas. Elas costumam vir com dicas, que muitas vezes são codificadas, só entende quando se tem vontade. Se elas vierem de alguém que vai lhe publicar, então… Muitas vezes é de alguém que sabe melhor do que você o que o público dele quer e o que ele pode vender de seu talento.

Enquanto continuarmos culpando o sucesso dos outros e vendo nossa incompetência como uma injustiça, seja social, seja natural ou divina, nunca seremos capazes de andar ao lado dos autores de verdade. De verdade, porque sua cota e sua ajuda só alimentam uma mentira. Você não é um profissional dos quadrinhos!

 

11 ideias sobre “Quadrinhos Dependentes (ou “Oh Lord, Won’t you buy me a Mercedes Benz”)”

  1. Ilustradores e autores só tem um problema no brasil ,O POVO
    NÃO GOSTA DE LER NADA, serio nossa cultura já é conhecida por isto quantos
    filmes e series já não vi serem pessimamente dublados por que aqui ninguém tem paciência
    de ler as letrinhas, exemplo The big bang theory a dublagem horrível me deixa
    desanimado ate de assistir ao original , livros e comics podia ser lançado ao
    mesmo tempo aqui e no mundo inteiro mesmo assim de nada adiantaria as pessoas
    não leriam apenas por não ter este costume de ler se perde muita informação e
    cultura mesmo, outro exemplo são algumas hqs e livros que vem para cá e simplesmente
    se esquece o jeito de escrita do autor isso afeta muito a leitura e a mensagem,
    mas em geral a culpa é do POVO MESMO .

    1. Quanta merda em um post só. O que dublagem tem a ver com o assunto, e é obvio que você achou horrível, vendo o original antes nunca vai se acustumar as novas vozes. Viadinho leite com pera conspiracionista de merda

      1. Esses dias para as crianças da escolinha daqui dei uns quadrinhos da disney , isso deveria ser basico, porem muitos não tiveram paciência de lelos (e crianças de 8 a 10 anos) meu como eh possível essas crianças não terem paciência para algo tão básico,mas quando colocaram em um lixo como a globo bem ei elas assistiram ,o filme era anova cinderela, esse tipo de coisa que me deixa revoltado ,ler mickey,donald,pateta,zé carioca,etc….,quase nenhum teve paciência ,mas para assistir um lixo desses eles tem.

        1. Alberto, eu entendo sua revolta, mas não compactuo. As crianças são sinceras e acho que o que acontece é que faltou a mágica para encantar elas, mágica que você também viveu algum dia na sua vida. Pra elas, você entregou um pedaço de papel grampeado, criança não tem paciência pra nada, mas tem interesse. Saber acender essa fagulha é que é a mágica.

          E se você desse a mesma revista para todos e lesse em voz alta, brincando com eles? Não garanto todos, mas muitos se divertiriam e essa pode ser a fagulha pra incendiar um coraçãozinho nerd.

          1. Obrigado mas eu não trabalho la e nem estive presente foi a professora que me falou que eu não precisava dar mais livros ou revistas ,já que as crianças não mostraram interesse ,nessa hora eu fui na creche e vi ao inves de lerem estavam assistindo TV , oque eh errado por parte da escola, eu não culpo as crianças mas a escola e a educação atual em nossa pais.
            P.S vou tentar eu mesmo reunir as crianças e ler e mostrar para elas como desenhar é super legal e facil.

  2. Nossa realmente fiquei impressionado com esse texto, depois de ler busquei mais sobre você e até vi alguns dos seus trabalhos, que eu já conhecia e gostava, mas não sabia que eram seus, e hoje eu realmente virei seu fã Fabio Sakuda. Espero que outras pessoas também se inspirem com esse texto e com seu trabalho. Muito boa sorte nos seus projetos futuros e estarei sempre de olho no que vier.

  3. Cotas… elas não funcionam para NADA e ainda pioram a situação. Cota de negros/pobres/estudantes-de-escola-pública em universidades para mim nada mais é do que uma forma velada de preconceito ativo! E é triste ver como os “beneficiados” não pensam assim…

    O mesmo vale para cotas de obras nacionais, tanto quadrinhos quanto livros. Sim, brasileiro, de um modo geral, não gosta de ler coisas feitas por brasileiros, mas aos poucos (BEM aos poucos) isto está mudando.

    Sei bem como é esta geração iogurte. Inventei de criar um projeto para uma revista on-line de contos (ainda em produção) e o mais legal é que o pessoal que escreve melhor são os mais educados e humildes e pacientes. Enquanto os que escrevem pior são os mais ruidosos, que rosnam porque você ainda não respondeu o e-mail deles de pronto… reclamam da “demora” em avaliar um projeto e ainda brigam com você se você faz críticas construtivas.

    É dureza… E já que citou o movimento punk, acho que agora eu entendo o desgosto que Keith Richards teve ao ver aquela “molecada” posando de muito durões no final dos anos setenta e chamando os Stones de velhos (já naquela época!),

    1. Não sou contra auxílio para coisas de sobrevivência e educação básica, comer, se medicar e poder ir à escola aprender com qualidade deveriam receber atenção muito maior aqui no Brasil. Mas cota que mima adultos, que banca luxos e “oportunidades” é desperdício de verba pública.

      A razão de eu não ter pensado em fazer algum projeto aberto para mais pessoas é a intolerância que eu criei para hienas, que comem os restos do meu trabalho. Eu vi seu projeto e até vi algumas críticas lá. Acho isso corajoso, porque você se assumiu como babá de adultos, para cuidar deles e fazer algo que crie visibilidade para todos. Prefiro hoje coisas como o Genkidama, onde o esforço é coletivo e todos trabalham junto, trocam ideias e ninguém fica esperando os outros darem o ouro de graça.

      Abraço!

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