O terrorista de Kuroko – Um crime passional

Yo!

Era pra eu ter feito esse post no final do ano, mas fui vencido pela Santa Ceiya depois das doze casas. Bora ver!

Hirofumi Watanabe, o criminoso que sozinho deteve todas as ações de marketing da série Kuroko no Basket durante um longo ano de ameaças e atentados com gás letal e veneno, finalmente está preso. Depois de um longo período em que a polícia trabalhou em segredo, investigando e coletando provas para só depois dar a voz de prisão, o culpado foi encontrado em Osaka, no dia 15 de Dezembro, como passamos aqui no XIL.

Preso o terrorista de Kuroko no Basket

O mais terrível de tudo nessa onda de crimes foi saber que tudo isso foi causado por uma única pessoa e sem nenhum motivo real aparente. Watanabe culpa Kuroko de ser um mangá mal feito e copiado, e usa como desculpa sua convivência no fórum japonês 2Channel, de onde saiu uma discussão acalorada sobre Kuroko x Slam Dunk, os dois, mangás de basquete publicados na Shonen Jump em momentos específicos da história da revista.

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Despreocupado com sua família e a mídia em geral, Watanabe só pareceu se preocupar com o que os colegas de fórum iriam pensar. Em depoimento, ele disse que podia até imaginar o que estavam escrevendo dele. Que ele era um “zainichi”. Ele respondeu “Se houver a possibilidade, gostaria de dizer que não sou um ‘zainichi’.”

Zainichi é um termo que se refere à estrangeiros que vivem no Japão, que não têm cidadania do país, mas comem, dormem e trabalham em terra nipônica. Em grupos mais nacionalistas, o termo é usado de forma pejorativa, para apontar aqueles que não merecem ser chamados de japoneses.

Na investigação, descobriram que Watanabe era um talentoso artista durante seu período escolar e fez escola técnica na área, que largou antes de se formar, desiludido pelas críticas. Pessoas que conheceram o criminoso durante esse período disseram que ele tinha potencial e era muito criativo, mas não aceitava críticas. Isso o frustrou e fez com que abandonasse seu sonho e passasse os dias em trabalhos temporários e mergulhado nas discussões da internet. Ou seja, ele é o típico aspirante à mangaká que não deu certo.

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Só que o que o diferencia de tanto cara que não conseguiu se realizar é a forma que isso tudo tomou. De acordo com o próprio autor das ameaças, um ódio muito grande pelo mangá e pelo criador de Kuroko no Basket foram o que o levaram a tomar essa atitude. Mas ele nunca conheceu o artista e sequer acompanhava sua obra. Talvez sua frustração com o mercado e a falta de ter quem culpar por seu fracasso o levaram a tomar essa atitude.

O jornalismo japonês gosta de culpar fenômenos sociais e diz que isso é um retrato de uma geração mimada, que tinha tudo o que queria e não era repreendida. Esses japoneses chegaram à idade adulta sem esforços e frustrações e não conseguem sequer perceber quando a culpa é deles mesmos. Direcionar tanto ódio para um completo desconhecido sem a menor razão pode se tornar uma tendência, dizem.

Não duvido que haja aí um homem beirando a meia idade completamente mimado. Mas não o vejo como um pobre coitado que foi vitimado pelo sistema. Ele é um criminoso, que feriu algumas pessoas e poderia facilmente ter matado várias por um motivo menor do que banal, um motivo que só existe dentro dele mesmo. É um doente, mas não infectado pela sociedade ou pelos pais que não o educaram, mas sim por seu ego de se achar acima das críticas, mas com todo o direito de criticar os outros e punir eles com rigor.

Ele devia viver em uma tormenta de sentimentos. O ódio não direcionado, a frustração, a confusão, uma auto-piedade e o orgulho egocêntrico, girando sem direção até que ele incriminou e sentenciou um completo desconhecido. O tempero certamente foi a repercussão de suas opiniões na rede. Claro que muitos ergueram tochas junto dele, quando defendiam que Kuroko no Basket era apenas uma cópia mal feita de Slam Dunk, o que ainda assim, não justifica os ataques e nem ao menos exigir que a série tenha fim. Mas se isso acontecesse, com certeza Watanabe sentiria que tem poder. Talvez se sentisse vingado por não ter vencido na vida.

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“Me desculpe, eu perdi”

Mas debaixo de tanta loucura, com certeza Watanabe amava o mangá. Ele devia passar horas desenhando e inventando suas histórias. Tanto é que mesmo depois de desistir do caminho do mangá, ele continuou a se relacionar com o assunto, acompanhando o mangá como mídia, como mercado, em seu mundo particular. Ele não conseguiu deixar pra trás e o sentimento se perverteu.

Se formos classificar seus crimes por suas intenções, Watanabe cometeu um crime passional, motivado por amor e ódio ao mangá. Assim como os crimes que acontecem por amor a uma pessoa, é muito difícil pra qualquer um senão o próprio entender suas motivações e o direcionamento de sua raiva, pois é um caso que acontece dentro de suas ilusões. Lá, o amigo que passa pra dar um oi pro objeto de afeto é um potencial rival. E, no caso, o sucesso de Kuroko no Basket, um mangá de hoje, é um potencial rival, um inimigo para o mangá pelo qual ele se apaixonou.

Gostar muito de alguém ou de alguma coisa é sempre complicado e nem sempre sabemos domar nossas emoções. Acabamos passando do limite sem saber e fazendo coisas sem sentido. Para alguém que abandona tudo por seu amor, o vazio pode ser ainda pior. Quando não temos mais nada para nos ancorar, a resposta acaba sempre sendo a obsessão.

É sempre o amor que corrompe.

 

PS: Eu havia escrito esse texto na sexta (ou sábado, esqueci) e perdi em um erro do servidor. Essa foi refeita do zero. E um texto nunca fica tão legal quando você reescreve assim…

21 ideias sobre “O terrorista de Kuroko – Um crime passional”

  1. Otimo texto! Gostei bastante,
    É realmente uma pena que uma pessoa que tinha o material para ser alguém de sucesso, fracassou, por não aguentar as criticas, isso não era necessário, mas talvez tenha aberto a visão dele, para um mundo que não mima você. (Se) percebeu, percebeu da pior forma :/

  2. Todos somos efeitos (“culpa”) de fenomenos sociais, e isso de forma alguma exime de responsabilidade individual, apenas relembra a responsabilidade coletiva.

  3. É chato fazer uma coisa duas vezes por ocorrências fora de sua previsões mas a segunda sempre é melhor que a primeira. Bom no meu trabalho, com direção de arte pelo menos é assim…… claro que odeio qdo dá erro no arquivo

  4. Não sei se pode ser colocado como amor corrompido, isso para mim esta mais para uma doença psiquiátrica, amor (de verdade) “não maltrata, acalenta”

  5. Police wins!
    Muito legal a matéria, gostei também da forma como foi escrita.

    Mas vale meu respeito pelo fato da polícia fazer toda a “perseguição” em sigilo. Não querendo malhar o Brasil, mas já malhando, se fosse aqui a polícia seria entrevistada e os policiais revelariam “Temos um plano para capturar o criminoso, que consiste em rastrear seus…”, porque óbvio, quando se requer sigilo, o melhor lugar é a TV.

    E pois é, acho que isso realmente é um tipo de crime passional… bem deturpado, mas ainda assim passional.

    EDIT: Ei Sakuda, não consigo ver o feed dessa notícia no portal Genkidama.

    1. Se tivesse deixado, perderia o sentido. Só acontece porque ele ama o mangá, mas não aquele mangá, entende? Da mesma forma, o cara pode amar uma mulher, mas não confiar. Amor, assim como Nutella, é bom você ter muito, mas saborear com moderação.

      1. Pois eu vejo o amor como um sentimento puro demais para tornar-se um prejuízo patológico. A paixão, por outro lado, gera obsessão, como eu acho que foi o caso do rapaz.

        1. Será mesmo?
          Só quem entende da natureza humana e de seus defeitos é que pode esclarecer essa questão. Sugiro que leve essa questão (sobre se o amor corrompe ou não) a filósofos como Luiz Felipe Pondé, por exemplo.
          Se você ler o trecho final do artigo escrito por ele, intitulado “Alma Reptiliana”, verá que há uma semelhança entre o que é descrito no penúltimo parágrafo com o que Sakuda afirma neste artigo.
          Aliás, se fizer essa pergunta a outros filósofos da Folha de S. Paulo (que têm bons filósofos entre os que escrevem artigos para o jornal), verá que a opinião deles não será tão diferente.
          Se estiver interessado em ver o artigo a que me referi acima, eis o link:
          http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2014/01/1393509-alma-reptiliana-em-2014.shtml

          1. Conheço o trabalho do Pondé, mas se eu aceitar o ser humano como nada mais que instintos egoístas, a ideia do amor puro (redundante dizer isso, já que se não for puro, não é amor) some. Não acho que o amor possa corromper, mas sim que possa ser corrompido. Então, prefiro acreditar nele como aquilo que faz um mangaka, que perdeu o braço na guerra, persistir em seu sonho a ponto de aprender a desenhar com a outra mão; do que em alguém que, cegamente, após fracassar, segue uma ideologia (ou delírio) a ponto de passar por cima da ética. Isso distorce o significado da palavra e do sentimento. A linha é tão tênue quanto a entre fé e fanatismo.

          2. Não seria esse “amor puro” apenas uma utopia, nada mais? Assim como tantas utopias que, por mais que prometessem “um mundo melhor”, sempre acabavam por transformar o mundo num lugar pior do que antes.

            O comunismo/socialismo da ex-URSS e da ex-Alemanha Oriental, por exemplo, prometiam “um mundo melhor” através da ideologia, e o resultado foi um desastre para os povos que viviam sob esses governos. o mesmo vale para o nazismo e o fascismo, que também tinham suas concepções de “um mundo melhor”, e todos sabem que o resultado final também foi um desastre.
            A Lei Seca, nos EUA, também era um exemplo de utopia que acabou resultando no gangsterismo e na ascensão da máfia norte-americana (que faturou muito com a proibição imposta pela tal lei sobre o álcool) para, no final da Segunda Guerra, ser abolida.

            E existem outros exemplos de utopias e suas “visões de um mundo melhor” que, no final, só geraram desastres.

            É por essas e outras que, quando alguém propõe algo para fazer do mundo “um lugar melhor” (principalmente se esse “algo” envolve a violação de alguma das liberdades democráticas ou de algum direito individual, fico com um pé atrás e com o desconfiômetro ligado ao máximo.

            Dizer que o amor possa ser corrompido, a meu ver, parece com aquela utopia do “bom selvagem” formulada por Rousseau. Utopia essa que o tempo, a filosofia e até a ciência comprovaram ser tão falsa e sem fundamento quanto um perfume francês “Made in China”.

            É como dizer que a sociedade corrompe o amor, assim como Rousseau dizia que a sociedade corrompe o homem. Nada mais enganador. Na verdade, tanto o ser humano quanto o amor são, na sua natureza, impuros, por serem imperfeitos, já que ambos existem num mundo também imperfeito, mundo esse que, por sua vez, está dentro de um Universo também imperfeito. è também por esse motivo que a criação de “um mundo melhor” é impossível.

            Sendo assim, o “amor puro” não passa de uma utopia, ou até mesmo, de uma ilusão. Ilusão essa a que muitas pessoas se agarram, com todas as suas forças.

            Sobre o mangaká que perdeu o braço na guerra e que mesmo assim reaprendeu a desenhar, usando o outro braço, você deve estar se referindo ao famoso mangaka Shigeru Mizuki (autor de Gegege no Kitaro, entre outros), não é mesmo? No caso de Mizuki-sensei, o que aconteceu é que ele fez com que o seu cérebro reaprendesse a usar o braço que sobrou, fazendo com que ele exercesse as funções que eram exercidas pelo braço perdido. Uma característica do cérebro humano, a plasticidade cerebral permite que uma pessoa que tenha tido um dos braços amputado (principalmente se for o braço com o qual ele escrevia e fazia a maioria das funções motoras) possa usar o braço restante para desempenhar as mesmas funções do braço perdido, com treinamentos constantes e, é claro, com determinação e força de vontade. Sem a necessidade de milagres ou de “amor puro”, Só muito treino, determinação e força de vontade ( e também desejo. No caso, o desejo de ser mangaká, apesar das dificuldades. Mas, deve-se ressaltar, sem os requisaitos citados antes, só o desejo é insuficiente para se alcançar qualquer objetivo).

          3. A minha observação foi direcionada ao uso da palavra e ao sentido que ela carrega. Utilizá-la implica em aceitar todo o seu significado (independentemente de ser cético ou não). Se o sentimento não existe, se não passa de ilusão, então não tem como o mesmo corromper alguém.

          4. Poutz, deixei de ver os comentários um pouco e o negócio já foi pra esse nível…

            Completamente à parte, Mi, você definitivamente não partilha da forma que eu vejo o mundo. Isso não é um erro, o mundo é grande o bastante pra todo mundo poder ver o mundo como preferir. Mas em textos como esse meu, que são de caráter mais pessoal, a única coisa que posso pedir é que entenda que é minha visão de mundo e como eu vejo o assunto em questão. E como nossa discordância parte do entendimento filosófico de um estado subjetivo, acho que qualquer discussão seria como querer falar sobre religião.

            Terminando, só pra jogar lenha na fogueira. Como eu citei o crime passional, independente do que é o amor, dentro da lei, o crime passional é o crime motivado por amor. Então, nem que seja dentro dos livros da lei, esse amor existe.

          5. Digamos que vc faça o XIL por amor. Aí vem alguém que tem um blog fuleiro, quase sem views, e roube seus textos e poste na página dele. Tbm foi por “amor”? É isso que me encuca. Enfim, eu podia ter resumido mais os comentários. Valeu pela resposta.

          6. Vai de caso pra caso, mas já teve caso de gente que pelo menos alegou isso. Disse que roubou os textos porque gosta muito do meu trabalho, tipo a revista Neo Tokyo, que usou os CLM sem me pagar um puto.

            Amor é uma experiência individual, difícil quem está de fora dizer se é ou não é. Mas pense pelo lado bom. Eu quase chamei esse post de “You Give Love A Bad Name”.

          7. “Amor é uma experiência individual” – Gostei. E qto a Neo Tokyo, deviam abrir um clube para os plagiados por ela, que já foi muito boa, antes de depender da internet.

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