O nazismo democrático e a arte de rua

Yo!

Não acredito que existem “artistas” assim. Bora ver!

“Eu desaprovo o que diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizer.” – Evelyn Beatrice Hall, para Voltaire

 

Recentemente, recebi sem tanta atenção, a notícia de que Maurício de Sousa estaria com uma exposição pública de estátuas da Mônica, customizadas por artistas de diversas áreas. Isso é, além de uma rara manisfestação pública de uma história em quadrinhos brasileira, uma forma de trazer a arte para fora de museus e espaços fechados, onde as pessoas podem ver casualmente e conviver com isso.

A exposição “Mônica Parade” trouxe 50 versões da mesma Mônica, por 50 diferentes artistas, em 50 diferentes áreas da cidade de São Paulo. Elas são parte das comemorações dos 50 anos de carreira do autor de quadrinhos que obteve maior sucesso com seus próprios personagens no nosso país. É uma rara homenagem à uma lenda viva. Deveríamos honrar mais as pessoas que fazem a diferença, de preferência ainda em vida. Reconhecer o trabalho e a arte. E só por isso, esta exposição já merecia a atenção. Só que…

As estátuas da Mônica foram depredadas, pichadas e até mesmo furtadas, em um total sinal de desrespeito aos artistas que as criaram, ao movimento de levar arte às ruas e ao legado de um raro exemplo de artista que se deu bem na vida aqui, no Brasil, onde ainda reclamamos que não se pode viver de arte. LINK pra matéria que eu uso de referência.

Ecce Homo by Elias Garcia Martinez showing damage

Ecce Homo, intervenção bem-intencionada que destruiu obra de arte e recebeu crítica de todo o mundo.

Esse vandalismo é injustificável, mesmo nas melhores das intenções. Imagine, num cenário muito, muito fantasioso, que um pedestre viu a arte e decidiu, na mais positiva ação, deixar sua marca, homenagear também o Maurício. Ainda assim, seria algo tão desastroso quanto a intervenção daquela senhora no quadro Ecce Homo.

Mas aquilo foi claramente um ato infantil de “protesto”. Mas protestam contra o quê? Ao destruir uma peça de arte em praça pública, seu protesto é contra a arte, não contra a política, não contra a desigualdade social ou a falta de educação básica. Ao ir contra a cultura, você não está sendo a favor da contra-cultura, mas indo ao discurso de que não precisamos de cultura. Independente do que você acha sobre a Mônica, o Maurício de Sousa ou de qualquer coisa do mundo, destruir ou alterar uma obra de arte é desrespeito. É imoral.

Bamiyan Region Of Afghanistan

Em 2001, Taleban ordena a destruição de estátuas de Buda, patrimônios da humanidade. Clique na imagem.

Quer pichar como forma de protesto? Piche a casa do governador, do prefeito, piche a prefeitura, a residência de deputados que votaram a favor de seu próprio aumento… (vá lá, ainda faz sentido) Saia às ruas, como fizemos no meio do ano. Derrubar uma estátua da Mônica não é como derrubar a estátua de Stalin. Nem no fator protesto, muito menos no fator coragem. Porque, sabemos, quem faz isso é somente um covarde de discurso parco. “A Mônica não significa nada pra mim”.

E a Mônica, quer você queira, quer não, faz parte da vida e do imaginário de muitas pessoas. Foi parte da minha infância, de alguns outros. E por isso, eu também me sinto desrespeitado. A exposição da Mônica foi uma festa para os muitos leitores de suas histórias, não só para o Maurício.

Se o pensamento comum é o de que “se está na rua é do mundo”, prefiro pensar que o pensamento comum está viciado. Não é porque está na rua que pode tudo. Não é porque está exposto ao relento que não tenha dono. E nem que por estar no “meu caminho” seja um incômodo. Ou mesmo se for, não me dá o direito de destruir ou “intervir”. E não devemos aceitar isso porque “estava na cara que” e “é óbvio que alguém”. As mudanças começam quando uma ideia é plantada em alguma cabeça. Mude a sua e não se conforme, fique indignado. E incentive que outros também fiquem furiosos pelo que merece nossa fúria.

Justin Bieber "intervém" em muro brasileiro.

Justin Bieber “intervém” em muro brasileiro.

Também sou contra o pensamento protecionista e pequeno de que as pessoas são oprimidas e erram, mas que não devemos julgá-las por isso. Se queremos os direitos de seres humanos, devemos aprender também os deveres. A pobreza e o descaso nunca deveria ser um escudo moral contra a responsabilidade individual. Pois ela não é consequência do Estado, mas algo que ninguém pode nos tirar, ela é nossa consciência. Se bem que eu duvido que os atos tenham vindo de pessoas pobres protestando pela falta de educação ou cultura (tsc), mas sim crianças muito bem mimadas por seus papais e mamães, em suas revoluções de ovomaltine.

Numa cidade como São Paulo, fechada entre prédios cinzas, a visão de uma arte, seja ela do meu gosto ou do gosto de outros, é um oásis, um ponto de quebra nessa imagem neutra e sem graça de cidade grande demais. E nisso eu incluo a arte feita por grafiteiros em diversos pontos da cidade. Pichar e grafitar é diferente. Democracia e autoritarismo das massas também. Ser democrático não é ouvir a maioria, mas dar a voz e chance para todos. Respeitar as diferenças.

No Japão, estátuas de Kochikame, em vias públicas.

A tolerância é algo que precisamos aprender a ter. A tolerância que prega o respeito e o bom convívio entre nós, humanos, que discordamos e debatemos. Paradoxalmente, essa ferramenta da compreensão só pode existir em casos onde há discordância. Pois não se tolera quem concorda, toleramos quem não partilha da mesma opinião mas respeitamos ainda assim. É uma virtude que vem de um esforço.

Antes que meu argumento se vire contra mim, tolerar o vandalismo é algo completamente diferente. É como aceitar um tapa na cara. É como aceitar um estupro de filha. Tolerar deve ser apenas usado para o discurso saudável e pelo bem estar das pessoas, sejam elas muçulmanas, judias, negras, brancas, socialistas, gays, hétero. Mas quando você tolera um comportamento moralmente (que vai além do legalmente) condenável, você é conivente, é cúmplice. A tolerância de pontos de vista deve ser mantida apenas até onde elas se mantém no diálogo, sem interferir na vida dos outros.

RONALDINHO PICHADO

Os críticos de internet saúdam os criminosos por trás desses atos como se fossem heróis que derrubaram a estátua de um tirano ou o Muro de Berlim. E, para minha decepção, não foram poucos. Espero que um dia essas pessoas entendam que o que elas defendem é uma censura popular, uma inquisição artística perpetrada pelo povo, ou parte dele. Em todo lugar onde a arte e o jornalismo são censurados por quem quer que seja, a liberdade é uma mentira.

 

Leia mais sobre censura aqui no XIL.

Kimba, O Leão Branco – Os clássicos e a auto censura

A obrigação de ser feliz

Autor de Kuroko no Basket ameaçado

Duas obras públicas que eu fui visitar no Japão. E que não sofreram intervenção, mesmo que tenha gente que não aprova.

Fui ver o Tetsujin 28gou

O Gundam de verdade

18 ideias sobre “O nazismo democrático e a arte de rua”

  1. Arte? OK. Jornalismo? Já não é sinônimo de liberdade há séculos. Dizer que o jornalismo dá liberdade e informação ao povo, não é só ingenuidade da sua parte como a maior prova de que ter um jornalismo “livre” não garante a liberdade de pensamento. Alienação, talvez.

    1. Amigo, não falei nada disso.

      Sabe porque o jornalismo e a liberdade são quase paralelos? Não porque o jornalismo desempenha um papel de liberdade, mas porque só onde a liberdade é plena que você pode fazer jornal de direita, de esquerda, libertário, ateu, judeu, satanista mesmo que as pessoas não concordem plenamente. A democracia acontece quando todos podem se expressar livremente e ter seus direitos garantidos.

      Não sou alienado de dizer que o jornal é o veículo da verdade, mas sim um veículo de verdades. Cada um cria a sua. E em um país livre, você pode escolher que verdade quer seguir ou até se você não quiser acreditar em nenhuma verdade, é livre pra buscar suas respostas.

  2. Ótimo texto!

    Não ligo pros motivos de quem cometeu essa atrocidade, por isso repudio totalmente!

    Ninguém é obrigado a bater palma pra arte nenhuma, mas respeitar é o mínimo que podemos fazer.

    Entendo sua raiva, Sakuda. Pra nós que somos fãs dessa obra, dói muito saber que tem gente que simplesmente ignora o valor que estes trabalhos tem e exercem sobre a sociedade brasileira. Afinal de contas, são as mesmas pessoas reclama que não tem acesso ao lazer e à cultura.

    Fico triste, mesmo, pelos artistas, uma pena.

  3. Parabéns antes de tudo sakuda, aqui eu já estou começando minha parte com a cultura,
    Bem destruir a mônica eh como aqueles que picharam o redentor ,uma coisa inaceitável,pois se pixase uma estatua de DILMA, Caitano, ou qualquer um desses pseudo-intelectuais ,eles cairiam matando chamariam de Fanático religioso, terrorista,ETC…, bem mais ai coitadinhos afinal eles fizeram tanto por nosso pais ou cultura .
    Muito mais que personagens fictícios que para se ter noção só ensinaram 30 milhões de jovens a ler (inclusive esse que vos fala) , essa noção de pseudo cultura acha que filmes só legendado ou sem legenda , e se não entender não merece assistir, é problema inclusive para muitos otakus que eu conheço , bem mas eu nunca conheci um que por exemplo por não gostar do Batman rasgase seu cartaz em frente a um cinema, nesse caso da mônica eu só consigo pensar o que os filhinhos de papai pensam , para destruir ou depredar a monica tem de ser no minimo DEBIL.

  4. Achei muito interessante e concordo com boa parte do que foi dito. “Vandalismos” são definidos a depender de quem você está atingindo e como você está atingindo. É aí que discordo de um dos pontos finais do texto: A depender do nível e da forma de controle que um governo exerce sobre o povo, seus componentes são passíveis sim de terem suas vidas incomodadas. De sairmos do diálogo. Eu não acho que matar as pessoas resolva o que queremos. Mas quando os “vândalos” depredam fachadas de bancos, por exemplo, eles não estão detonando patrimônio público, de uso comunitário. É um ataque (que custa pouco aos donos, sinceramente) pra incomodar quem está no poder ou relacionado a ele. Já quem vandaliza uma manifestação cultural benéfica e histórica, só merece o troféu da ignorância.

    1. Não discorda, porque eu até falei sobre isso, que se quer protestar, que proteste com a classe política. Só que eu acho que sempre que dá pra preservar principalmente patrimônios históricos, científicos e artísticos, é melhor. Até mesmo a estátua de Lenin está preservada, apesar de não estar mais em praça pública. Lutar por um futuro não precisa envolver apagar o passado.

      Quebrar bancos não incomoda eles, seguro existe pra isso. O vandalismo é um sinal de revolta, mas a objetividade de um protesto ao sistema bancário estaria em ser contra as políticas de protecionismo do país. Lula eliminou a divida externa do Brasil, mas pra isso, pegou dinheiro dos bancos do Brasil, e trocamos o FMI por bancos de dentro, e o que isso significa pra política, eu não posso nem imaginar.

      1. Hmm, é verdade. Pior que eu mesmo já falei em outros momentos que essa forma de se rebelar não é das melhores nem mais objetivas. Mas é no mínimo legítima, tanto que a grande mídia tenta distorcer. De qualquer forma, seu texto é uma crítica/reflexão muito frutífera, parabéns. Vou passar a acompanhar os outros conteúdos do blog também

  5. fazer isso com o q eu considero como patrimonio intelectual do ser humano, eh como se fosse bichos irracionais q nao ligam pra nada e nao pensam .serio protestar eh uma coisa agora vandalismo eh outra , isso tudo sempre da motivos pra depredaçao ou violencia. agora eu pergunto : a eleiçao ta chegando ai, sera q vai mudar esse pensamento sera q vai ter protestos sera q vai ter baderna sera q a dilma ainda continua no poder. so o tempo dira se o brasileiro vai tomar tenencia

  6. Ótimo texto. E como vc bem colocou, teve gente que viu na pichação da Mônica uma representação da luta de classes (!!!) artística: Davi contra Golias, “artistas” de rua contra o megaempresário que não dá crédito a desenhistas e roteiristas. Típico pensamento pequeno e fracassado. Abraço!

    1. O pior é que tá tudo creditado, quem fez as artes dessas estátuas. E não só aí, mas nos projetos comemorativos do MSP também. E engraçado que quem reclama de não creditar é exatamente quem não trabalha pra ele. Aliás, no expediente, todo mundo está creditado.

  7. Num mesmo dia por coincidência eu vi 4 delas (duas na paulista, uma no pacaembu e outra em perdizes e fiquei orgulhoso de nossa cidade ter ações de intervenções artísticas que fosse comum a todas pessoas, como eu mtas pessoas devem ter parado na frente e pensando como ela pintaria uma “Mônica” daquelas, acho que esse ato de estimular a imaginação já teria valido a ação.

    E ao mesmo tempo que fico orgulhoso com a intervenção artística eu fico com muita vergonha de estar inserido dentro da população da cidade que fez a intervenção “desartística”.

  8. É triste ver uma proposta tão legal como sendo desprezada e maltratada.As pessoas só fazem não protesto mas sim para saciar a sede por aventura ou violência como tem acontecido também manifestações,pessoas quebrando as coisas só para se mostrar

  9. Taí, disse tudo no texto.

    Pichação está entre as formas de vandalismo que mais desprezo. O texto foca específicamente em vandalismo à obras culturais, o que considero um agravante, mas a pichação em si é abominável!

  10. Aprendi a ler com as historinhas da dentuça, admiro a homenagem.

    Que era esperado ninguém duvida. Que o país enfrenta graves problemas sociais, idem. Agora usar isso como argumento de defesa é o fim da picada. Pichação visa a adrenalina, apenas, e não a arte. Não há protesto algum por trás de tudo isso.

Deixe uma resposta