Homenagem à Tezuka

Yo!

Estou reciclando alguns textos antigos meus, de vários lugares, e os deixando no blog para novos leitores conhecerem, velhos leitores lembrarem e pra eu não os perder de novo. Começando por esta homenagem que prestei em 2006, para o maior mestre do mangá, Osamu Tezuka.

Eu lembro de ter bolado o texto todo na hora, busquei só numeros e dados, alguns nomes e escrevi de cabeça. Lá pro meio, me veio a figura humana de Tezuka, que tornava o Deus do Mangá em um homem, criando uma nova camada na imagem de um homem conhecido mais por sua fama do que por sua vida.

Em Novembro deste ano, o texto faz quatro anos e Tezuka deveria fazer 82.

Arrumei o texto (que é da época em que eu não tinha acentos no meu teclado) e reeditei, alterando e incluindo coisas, deixando menos cru um texto escrito no calor do momento.

Foi originalmente publicado na Mail List da XIL, que originou o blog. Ele também foi aproveitado na revista Neo Tokyo.

 

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___ 3 de Novembro de 2006 ___

 

Hoje é aniversário de Osamu Tezuka.

algumas capas Se o velhinho estivesse vivo, ele estaria com 78 anos e provavelmente trabalhando. Para terror e alegria de seus colecionadores, que além de comprar todos os cinco títulos em que ele trabalhava simultaneamente na maior parte de sua carreira, teriam que correr atrás de cada reencadernação de seus trabalhos. Tezuka chegava a refazer até 90% das páginas de trabalhos anteriores sempre que recebiam novas edições.

Com os mais de vinte anos desde que se foi, as 170 mil páginas que ele produziu durante a vida toda poderiam ser 200 mil, mas provavelmente seriam muito mais. Tezuka era workaholic, produzir era seu vício.

Makoto Tezuka Talvez ele aparecesse de ponta no programa que o filho dele, Makoto Tezuka, tem na rede NHK. Talvez fosse confundido com Jackie Chan, ou quem sabe o contrário… Provavelmente, continuaria sendo uma figura influente do mangá, e, espero eu, estaria sendo genial como sempre.

Tezuka se foi com muitas idéias guardadas na cabeça, sem tempo de passar para o papel. Ele produzia muito, de deixar os mangakás de hoje envergonhados de perder o prazo de míseras 20 paginas semanais. E ele NUNCA deixava a qualidade cair e SEMPRE teve muito cuidado com a narrativa e a diversão principalmente.

Por que hoje ele é considerado o Deus do mangá? Porque ele criou, ele expandiu e ele estipulou os principais mandamentos do manga. E, apesar de não ser um desenhista excepcional, escreve certo por linhas tortas. Seus desenhos cumprem seu papel. Não é a toa que ele criou todo o sistema de narrativa dinâmica que define o quadrinho japonês.

O próprio costumava dizer que não desenhava bem e se gabava disso. Ele pode. Tezuka não fazia rascunhos. Desenhava direto com a pena em papel branco. E nao é só. Ele não tinha cópias de suas historias, mas lembrava de cada página de cabeça e passava instruções aos assistentes por telefone.

Gachaboi Ichidaiki De acordo com o ele, desde a produção da história Gachaboi Ichidaiki, o deus do Mangá tomou seu corpo e usou todo o seu tempo de vida para contar as maiores histórias de sua época e de várias outras por vir.

Mas Tezuka não acreditava em divindades. Ele era um humanista por auto-definição, e isso pode ser sentido em cada um de seus trabalhos. Os homens lá não são seres passivos, destinados. Somente os esforços humanos levam a prosperidade. Ele acreditava nisso. E por isso, Tezuka nunca parou de se esforçar. Quebrou barreiras.

Ele foi e sempre será o maior nome do Story Manga, como ficou conhecido o mangá com começo, meio e fim, e em geral pra um público juvenil. Vertente que já bateu de frente com o Gekigá, de Takao Saito, que defendia que o story manga de Tezuka atrasava o amadurecimento da indústria. Por um tempo, Tezuka perdeu. Mas ele nunca disputou de verdade. Acabou absorvendo o Gekigá, e foi além.

Igaguri-kun, de Fukui Ele trabalhou em praticamente todos os gêneros possíveis dos mangás, mas sempre teve um ponto fraco: não sabia o que fazer em um mangá de esportes. Por isso, invejava Eichi Fukui, a quem considerava seu rival. Os dois até já dividiram quarto na época da Manga Shonen, a maior até o inicio da Shonen Sunday e Shonen Jump.

A dupla Fujiko Fujiyo, que já trabalharam como assistentes de Tezuka, são seus principais seguidores no Story Manga. E eles são os criadores do Super Dínamo e do Doraemon! Não é à toa que Tezuka cedeu até o quarto em que morava no Tokiwa Sou, lar daquela geração de artistas, para os dois aspirantes. Entre outros assistentes dele estava Hiroshi Sasagawa, que viria a levantar o estúdio Tatsunoko Production, que fez diversos animes como Speed Racer. Tezuka ensinou e ajudou muito os artistas que o seguiam.

Shigeru Mizuki Mas ele não era tão simpático como parece pelas fotos sorridentes. Sempre bem objetivo e ácido mesmo em conversas simples, Tezuka chegou a criticar o trabalho de Shigeru Mizuki, pai do mangá de terror japonês, na sua frente, sem nem o cumprimentar direito antes.

Dizia que seus desenhos eram feios e rabiscados e que ele próprio poderia fazer aqueles mangás quando quisesse. Mizuki, canhoto, tinha perdido sua mão esquerda durante a Segunda Guerra Mundial e reaprendeu a desenhar com a mão direita. Mas existe um certo entendimento entre os seus conhecidos, de que ele não enxergava barreiras, não havia motivo para dar chances especiais para uma deficiência. Todo tipo de bloqueio deveria ser quebrado, nada era impossível. De novo, seu tema de vida, o esforço para alcançar algo maior.

Também tinha uma rixa com mangás de esporte e falava abertamente que não via graça em Kyojin no Hoshi (Star of Giants no Ocidente), clássico mangá de beisebol e decepcionou um grande admirador e antigo assistente, Shotaro Ishinomori, quando criticou duramente um de seus trabalhos dizendo “isso não é mangá”. Tezuka sempre foi áspero ao criticar pessoas próximas. Gosto de pensar que isso foi para que essas pessoas não se acomodassem.

Takao Saito Com Takao Saito, ele teve uma grande briga. Saito costumava dizer que “o Deus do mangá sabe mais sobre diagramação do que sobre mangá”. O episódio da derrubada do story mangá para o Gekigá, em meio a um período duro de transição social do Japão, fez Tezuka ficar literalmente sem trabalho, correndo atrás de editoras que o publicassem. Teimou por anos que os quadrinhos eram feitos para agregar o sonho na vida das pessoas, e o Gekigá, que tem por premissa a valorização do real, era sua antítese.

Saito declarava que sonhos eram inúteis, as pessoas não queriam sonhar, queriam se ver lá e ver seus ideais.

Tezuka viria a voltar aos quadrinhos com Black Jack, não se rendendo completamente à forma do Gekigá, mas atribuindo realismo à sua mensagem de que a vida é única e só o esforço faz ela valer a pena.

Go Nagai Ele ainda se valia de sua posição de importância para pregar peças em seus admiradores. Uma de suas favoritas era fazer udon (macarrão japonês bem grosso) de chocolate, e servir aos desavisados. Leiji Matsumoto e Go Nagai já cairam nessa. Nagai só veio ficar sabendo que era uma brincadeira em um programa de TV, a poucos anos atrás. Jurava que era um gosto peculiar de um gênio.

Também judiava de seus editores, dizendo coisas como “eu quero um melão, senão não entrego a história” no meio da madrugada. Naquela época, melão era raro no Japão e as lojas não abriam a noite. Costumava fazer pegadinhas com os editores novatos, para ver se valia a pena trabalhar com eles. Além disso, a ordem de entrega de seus trabalhos era decidida pela ordem dos editores que ele mais gostava. Isso tudo era por causa da exigente personalidade dele, aliada ao ostracismo do sistema de empregados do Japão, que tornava editores meros atravessadores de material, sem grandes esforços na vida.

cena em detalhes de Akira Uma das poucas pessoas que ele admirava na nova geracão foi Katsuhiro Otomo, a quem elogiou muito por Akira. Para Tezuka, que sempre dizia que o desenho não tinha tanta importância, o desenho de Otomo chegou a fazer Tezuka repensar sua falta de talento no traçado.

Ainda, ele tinha inveja assumida do talento de Hayao Miyazaki, porque Miyazaki conseguiu fazer nas telas o que Tezuka sempre quis mas não pode fazer na época de seu estúdio de animação. Tezuka elogiou Cagliostro no Shiro na ocasião da estreia do filme em cinemas japoneses.

Tezuka era uma figura grandiosa pelo seu trabalho e também era um ser humano, com vários defeitos. Mas de frente para sua mesa, ou encarando algum editor, ou lendo o material de seus assistentes, Tezuka sempre foi claro em sua mensagem: a vida é importante e só o esforço a recompensa.

descanse em paz

Hoje é Natal para o mangá. O dia em que Deus nasceu na terra dos homens.

 

Homenagem de

Fabio Satoshi Sakuda, F/X

6 ideias sobre “Homenagem à Tezuka”

  1. >Valeu pelo toque, Hunter! Confundi os kanjis, pelo jeito. Pior que isso é coisa que inclui depois de revisar (no original tava só mão).Tá arrumado!aliás, quanto tempo!

  2. >Só um detalhe, como a própria foto mostra, o Mizuki não perdeu o braço direito na guerra e sim o esquerdo. Infelizmente ele era canhoto…

  3. >Muito bom o texto. Eu gosto do Tezuka, li todas suas principais obras (fiz até uma matéria sobre Jungle Taitei para o Maximum Cosmo), ele teve muitas idéias interessantes e tudo mais, só que hoje já perdi um tanto o fôlego para com ele. Chega a um ponto que os exageros em suas histórias começam a irritar, pelo menos foi isso que senti quando li Apollo´s Song, que foi lançado justamente quando ele resolveu dar uma de que sabia fazer mangá para adultos. Tirando Black Jack e Adolf, acho que nunca consegui apreciar nenhum dos seus trabalhos dessa fase. Eu adorava o dinamismo de Tetsuwan Atom, a crítica social de Vampires, mas ele simplesmente parou no tempo nesse sentido, seus mangás estavam começando a ficar chatos (esse pra mim é o caso de Nanairo Inko e Midnight, não gostei desses mangás, mesmo que ele estivesse se esforçando para criar um "novo" Black Jack.).Eu fiquei muito intrigado quando li sobre o Tezuka mencionar que certo mangá do Ishinomori não era "um verdadeiro exemplo da arte do mangá". Tirando o fator histórico, sempre gostei muito mais de Ishinomori do que de Tezuka, acho ele um melhor artista, que sempre soube inovar e explorar novas possibilidades narrativas (não que o Tezuka não tentasse, mas apesar de que seus roteiros fossem mais sólidos, não acho que ele soubesse trabalhar a forma com tanta maestria). Além de que sempre achei as personagens de Ishinomori mais carismáticas, Tezuka só teve protagonistas de dois tipos em toda sua carreira: Ou ele era um campeão da justiça inabalável e onipotente (vide Astro Boy, Higeoyaji, Leo, Toppei etc…), ou era o niilista que age de acordo com suas próprias convicções (vide Black Jack, Kirihito, Nana-iro Inko, Saruta). Inclusive fiz uma análise comparativa entre o Kikaider, de Ishinomori, e o Astro Boy, de Tezuka, em meu texto sobre Jinzou Ningen Kikaider no Cosmo. Ah, e Ishinomori tinha uma média de trabalhar em seis títulos simultaneamente, será que era isso que deixava Tezuka de orgulho ferido? Não sei, mas confesso, ofender Ishinomori dessa forma fez com que ele descesse em meu conceito.Enfim, mesmo com todos seus defeitos, Tezuka merece a homenagem, sem ele provavelmente não teríamos grandes autores como Mitsuteru Yokoyama, Fujiko Fujio, Kazuo Umezu, Sanpei Shirato, ou, pelo menos, não da forma como os conhecemos.

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