As Crianças Japonesas e o Trabalho: Limites e Aspectos Culturais

O que pensar das cenas de crianças trabalhando nos animes?

Nos animes, muitas vezes vemos personagens que são crianças, porém trabalham. Seja executando tarefas domésticas ou tomando conta de um negócio de família, lá estão elas suando a camisa. Às vezes, são tão pequenas que precisam subir num banquinho para alcançar a pia ou o fogão.

Há quem ache saudável que crianças trabalhem desde cedo. Há quem considere isso um exagero. Porém, todo mundo concorda que, dentro de certos limites, é até bom que crianças realizem algumas tarefas. Para os pequenos, sentir-se competente para ajudar os pais em alguma tarefa significa muito. É ótimo para a autoestima, desde que se saiba propor tarefas de acordo com sua capacidade. E aí vem a pergunta: qual seria o limite do que uma criança consegue fazer?

chihiro

É trabalho demais pra um garotinho só!

No caso do Japão, famílias costumam incentivar crianças a serem independentes desde cedo. Como já mencionamos em outros textos sobre curiosidades nipônicas, os japoneses vivem numa terra de terremotos, tsunamis e furacões. Isto, sem mencionar seu histórico de guerras, internas e externas. Através dos séculos, eles se acostumaram a criar seus filhos sempre pensando no pior cenário possível. Ou seja, preparam suas crianças desde cedo para que, mesmo sem os pais, elas consigam cuidar de si o máximo possível. Antes mesmo de aprenderem a ler, elas fazem o “hajimete no otsukai”, evento importante em sua educação. “Hajimete” significa “primeira vez” e “otsukai”, “fazer compras para alguém”.

Deixar crianças tão pequenas andarem sozinhas na rua seria considerado crime em muitos países ocidentais, mas no Japão é normal. Isso acontece porque as ruas japonesas são, em geral, bastante seguras. A taxa de criminalidade é baixíssima, motoristas costumam obedecer à risca as leis de trânsito. Há bem menos perigo de uma criança ser sequestrada ou sofrer um acidente. Além disso os pais normalmente cuidam de enviar seus filhos ao mercado mais próximo possível. Alguns até seguem as crianças de longe, sem serem vistos, para garantir que chegarão bem. Para completar, quem trabalha no comércio, principalmente os mais velhos, costumam dar atenção especial às crianças que vem fazer o “hajimete no otsukai”.

O menino e sua lista de compras

O menino e sua lista de compras

Nas escolas, crianças se encarregam da limpeza e organização desde os primeiros anos. Isso, claro, com orientação e supervisão dos adultos, principalmente no início. Tudo é feito de forma que os pequenos consigam cumprir suas tarefas e também ter o seu tempo de lazer. Parece um bom sistema, mas há certas condições para que funcione corretamente.

A condição principal é que família e comunidade têm que fazer a sua parte. Não se trata de simplesmente mandar as crianças trabalharem. Numa cultura como a japonesa, em que a comunidade se sobrepõe ao indivíduo, espera-se que todos os adultos sejam até certo ponto responsáveis por todas as crianças. Não apenas pais e professores mas qualquer um. Não que isso não exista em outros países, mas é muito mais cobrado por lá. Não é apenas “a coisa certa a fazer”, é uma obrigação, quase uma lei a ser seguida. É claro que, mesmo assim, há ocasiões em que todo esse admirável sistema não funciona. Afinal, leis são quebradas no mundo todo, por mais que haja punição e condenação. No Japão, como em qualquer outro país, existem adultos irresponsáveis, negligentes e abusivos, que não ligam a mínima para as regras da comunidade.

Outra condição, importante porém não imprescindível, é existir um ambiente favorável. Nos Estados Unidos, por exemplo, a distância entre residências e comércio e escolas costuma ser muito grande. Cidades como Los Angeles simplesmente não foram feitas para se andar à pé. Para muitas famílias norte americanas, não há jeito de mandar um filho pequeno fazer compras sozinho. Entretanto, muitos pais encontram outras formas de educar suas crianças para serem independentes. Uns ensinam seus filhos a limpar e arrumar seus próprios quartos desde cedo. Outros incentivam a participação em clubes e eventos da escola. Há muitas possibilidades, basta que se procure o que melhor se adapta às condições locais.

Enfim, voltando à pergunta inicial, qual seria o limite do que crianças podem fazer? A conclusão a que chegamos é: depende. Tirando trabalhos perigosos, insalubres ou pesados, que estão totalmente fora de questão em qualquer contexto, os limites variam bastante. Limpar os banheiros da escola pode ser até perigoso se o lugar estiver mal conservado, com instalações quebradas e canos entupidos. Porém, se tudo estiver em ordem e funcionando bem, é uma tarefa simples. Depende do ambiente, da cultura e dos princípios de cada família.

Ajudar a mamãe pode ser divertido

Ajudar a mamãe pode ser divertido

O que importa é que tudo seja feito respeitando a capacidade da criança e com o objetivo de empoderá-la. Que a cada tarefa realizada, ela se sinta mais forte e mais confiante, como os alunos da escola que aparecem no vídeo acima. E, é claro, sem nunca esquecer o “amaeru beki na toki” – segundo os japoneses, o momento em que a criança não só pode como deve ser mimada.

E você, o que acha? Crianças deveriam aprender a trabalhar desde cedo?

FONTE:

Japan Today (inglês)

Sobre liviasuguihara

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).

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11 thoughts on “As Crianças Japonesas e o Trabalho: Limites e Aspectos Culturais”

  1. Vocês sempre dão muito show!!!! Essa questão da responsabilidade da comunidade é tão séria que um grande amigo meu de le me contou que ele costuma atravessar a rua fora da faixa ou no farol vermelho se está com pressa e não vem nem um único carro, mas que ele não faz isso Mô de jeito nem um se tiver uma criança perto dele! Para não dar mal exemplo!!!
    Como boa morávamos perto de uma escola, de vez em quando tinha uma vriança por perto e ele ficava querido na faixa espera só o sinal abrir!!! XDD

    1. Oba, obrigada Kushina ❤️
      Legal, o pessoal lá leva à sério mesmo… ^^ Acho superbonitinho como as crianças maiorzinhas ficam orgulhosas de tomar conta das menores, hehe.

  2. Eu não conhecia o termo “hajimete no otsukai” e achei o máximo! Mas, quanto mais velha eu fico, mais eu acho isso tudo complexo… quando eu era mais nova, adorava ver nos animes e afins crianças saindo sozinhas pela rua para ir à escola (e afinal, quem nunca achou a Sakura Kinomoto incrível nos seus patins?) e ficava triste por não poder fazer o mesmo. Agora eu fico mais preocupada, mas acho que é porque eu não gostaria de imaginar um filho meu tendo que ir à escola sozinho aqui no Brasil. Lendo tudo isso só fico ainda mais impressionada com a cultura do Japão.
    Muito boa também da sua comparação com outras maneiras de ensinar independência aos filhos em outros lugares. É verdade, nos EUA se dá muita ênfase aos clubes, esportes e outras formas de “independência” mais relacionadas ao ambiente escolar.
    Muito obrigada pelo post que foi muito bom! :) Grata demais!

    1. Pois é, Chell, é triste que no Brasil seja quase impossível deixar uma criança pequena se aventurar sozinha na rua… Nem falo de fazer compras, mas nem brincar elas podem, ou acabam sendo atropeladas/sequestradas/sofrendo alguma maldade.
      Fico superfeliz que tenha gostado do texto! Obrigada! =^__^=

      1. Pois é, verdade, é cada vez mais difícil vermos crianças brincando na rua no Brasil. :( Na minha vizinhança ainda tem algumas, mas sei que na maioria das grandes cidades não existe mais espaço para isso. Acho muito triste. Obrigada você pelos ótimos textos! <3

        1. aqui aonde moro as vezes tem toque de recolher ,…. e muito ruim as crianças nas ferias mau podem brincar na rua.. eu pelo menos na minha infância ainda pude sair, porém sempre estava com medo…. tanto que hoje em dia com 21 anos nem coloco a cara na rua por medo…. não saio… não passeio …. parece que sempre que saio acontece alguma merda….kkkkkk

  3. Tudo tem o seu limite, em casa nao forço meus filhos a fazer faxina, mas pelo menos, arrumarem o que bagunçaram, tirar o prato da mesa e colocar na pia para ser lavado. me ajudar a lavar o carro kkkk. sempre oque está no alcance deles. nunca exigindo demais, mas tbm nuncas sendo mole demais.
    fazendo isso podemos criar adultos mais responsáveis.

  4. No Brasil é compreensível o medo de deixar crianças – e em algumas situações, adolescentes – andarem pelas ruas sozinhas, pois aqui você da um passo para fora de casa e leva tiro ou bala perdida, e no dia seguinte aparece no jornal.

  5. Eu gostaria de poder algum dia realizar meu sonho de ir ao Japão… lá e outro nível de vida…. aqui no Brasil além das pessoas terem medo de por a cara na janela tem os bailes funk que fazem nas ruas .. empatando o sono e também a passagem das pessoas … eu nunca consegui morar em algum lugar calmo ….. e agora essa merda de crise… não dizendo que o Japão não tenha crises.. mas tenho a plena certeza que e bem menos que aqui… resumindo gosto de lá e queria ter nascido lá kkkkkk

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