As Memórias de Marnie devia ter ganhado o Oscar?

Será que o possível “canto do cisne” do estúdio Ghibli merecia mesmo um Oscar?

As Memórias de Marnie (Omoide no Marnie no original) é um longa de animação produzido pelo estúdio Ghibli com direção de Hiromasa Yonebayashi. É adaptado de um livro homônimo da escritora britânica Joan G. Robinson. Indicado para o Oscar, perdeu para Divertidamente, produção da Pixar. Há rumores de que Memórias de Marnie seja a última produção desse tipo do estúdio, por ter sido lançada após o anúncio de hiato por tempo indeterminado de filmes. 

Não dá para negar que, quando se trata de uma produção Ghibli, as expectativas e cobranças são altíssimas. E, no que diz respeito à qualidade técnica tanto de animação quanto de arte, As Memórias de Marnie atende a todas as exigências com louvor. Daí vem a pergunta: merecia um Oscar? Merecia perder para Divertidamente?

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A animação é fluida e natural. Até pequenos movimentos como o balançar de braços durante uma caminhada, puxar uma corda ou apoiar-se em algo para se levantar são lindamente executados: embora não vejamos músculos no design simples e estilizado dos personagens, podemos sentir o peso e o esforço de seus corpos. As cores e iluminação são deslumbrantes, possuem um calor humano, um apelo emocional exclusivo das coisas feitas com verdadeiro amor.

As Memórias de Marnie tem uma história simples e sem grandes reviravoltas. Embora não seja explicitado, fica bem claro logo de cara que Marnie é uma espécie de fantasma e não demora muito para que o espectador perceba, pelo menos em parte, a natureza de sua relação com Anna. Isso não é de forma alguma um ponto negativo, já que o foco do plot está no amadurecimento de Anna, na superação de seus conflitos internos, e não no mistério da existência de Marnie.  Melhor dizendo, a “resolução do mistério” contribui para a superação dos conflitos, que por sua vez é o ponto principal da história.

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Os pequenos problemas que a obra apresenta estão ligados à narrativa e construção da protagonista.

Em comparação com seus antecessores Vidas ao Vento e O Conto da Princesa Kaguya, o ritmo se torna cansativo em alguns pontos. Embora a narrativa das obras do Ghibli seja normalmente mais lenta em comparação com animes de temporada ou com as produções americanas, raramente chega ao ponto de cansar. Talvez uma abordagem mais lúdica, como em Vidas ao Vento, ou uma atmosfera mais onírica e fantástica como em Princesa Kaguya, tenha faltado. A história segue devagar, se arrasta em alguns momentos, e perto do final dá uma acelerada brusca, com todo o drama de Marnie sendo contado de uma vez, perdendo bastante de sua dramaticidade. Mesmo que isso fosse um problema do original de Joan G. Robinson, não deveria haver dificuldades em fazer alterações se a adaptação até transformou personagens que no livro eram ingleses em japoneses.

Já em relação à construção da protagonista, um parêntese para uma confissão pessoal: eu achei a Anna muito chata

Claro que simpatia pessoal não define se o personagem é bem construído ou não. Eu também achei a Chihiro, de A Viagem de Chihiro, uma menina bem chata no começo da história. Porém, no caso desta última, foi possível entender rapidamente o porquê da chatice: logo no início, através dos diálogos e das reações da menina ficou evidente que ela estava insatisfeita com a mudança de residência e insegura por ter que sair de um ambiente conhecido e confortável, como se imagina que aconteça com uma criança em tal situação. Tudo é conduzido de tal forma que essas motivações parecem sólidas e plausíveis. À medida que a história avança, isso vai sendo trabalhado e desenvolvido de modo que, ao final, sentimos e aplaudimos o amadurecimento dela. No caso de Anna, demora bem mais para compreendermos totalmente porque ela é tão arredia e até meio cruel com pessoas que não lhe fazem mal algum.

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Em defesa do filme, pode-se dizer que Anna é praticamente a única personagem problemática do elenco. Marnie é um ótimo contraponto para ela, frágil e humana apesar de parecer tão despachada e cheia de inciativa a princípio. Todos os personagens secundários são bem trabalhados dentro de suas funções para o plot. Alguns críticos reclamaram da falta de utilidade do barqueiro Toichi, que dava a impressão de que teria um papel-chave no mistério de Marnie, mas que não fez nada digno de nota. Porém, o personagem aparece tão pouco que não prejudica a obra como um todo.

Voltando à pergunta inicial, sim, mesmo com seus problemas, As Memórias de Marnie merecia um Oscar por toda a beleza, sensibilidade e lirismo que conseguiu transmitir em cenas tão singelas como a das crianças brincando no parque. Só perdeu porque Divertidamente soube contar sua história com mais eficiência.

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Sobre liviasuguihara

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).

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3 thoughts on “As Memórias de Marnie devia ter ganhado o Oscar?”

  1. “Só perdeu porque Divertidamente soube contar sua história com mais eficiência.”

    Eu não assisti ao concorrentes, só que não é necessário assisti-los para saber a resposta sobre se A Memórias de Marnie merecia um Oscar ou não.
    Não! Não! E não!
    E não falo apenas do Oscar (premiação que não tem qualquer valor, com jurados que desprezam a categoria e não assistem aos nominados), falo de qualquer prêmio. A história desse filme não é assim tão “simples e sem grande reviravoltas” como você diz aqui Livia, simples só se for o roteiro, em ser “simplesmente ruim”. Infelizmente é aquele típico melodrama bobo feito para parecer dramático e emocionante, “para ganhar prêmios”, a pior coisa que poderia acontecer com o Ghibli.

    Sobre a Anna, a mudança de residência dela não é o único motivo que fez ela ficar daquele jeito. O filme faz um grande esforço em fazer parecer que a angústia da Anna era algo sério e importante, e dou crédito em aceitar que os problemas da Anna não são bobos. Bobo é a forma como o roteiro tratou disso. A revolta da Anna ao saber que os pais adotivos recebem auxílio financeiro para criá-la foi desproporcional, querendo destruir o mundo daquela forma. Incertezas, conflitos e dúvidas na mente de criança adotada é algo normal de acontecer, até aí tudo bem, só que o que o filme fez para resolver isso? Depois daquela agressão gratuita à menina gordinha isso foi meio esquecido e ela acabou aceitando a situação sozinha, afinal nem era um problema real. Não foi convincente, e aí que digo que o filme não merece nenhum prêmio, os dramas e resolução não convencem.

    Esse drama da Anna e a situação e drama da Marnie são relacionados muitos indiretamente e não se encaixam bem. Eles não se encaixam de modo que um ajude na resolução do outro, ou estou enganado? Depois que a história da Marnie é revelada pelos figurantes lá pelo final a Anna continua não sabendo da história toda da vida da Marnie e da mãe dela. Somos nós espectadores que vimos a história toda pelos flashbacks que podemos fazer algumas reflexões e forçar algumas relações entre das duas histórias. Eu sinto há uma relação entre a família da Marnie que não dava liberdade para ela e a filha da Marnie ter se tornado rebelde. A filha teve a liberdade que a mãe não teve, e veja aonde isso levou? Você poderia imaginar algum tipo de lição para a Anna, para lembrar que a família sempre quer o melhor para os filhos, mesmo que adotivos, isso não faz diferença. Só que isso foi desenvolvido? As personagens tiveram oportunidade de visualizar esse quadro e refletir sobre ele? Pelo que me lembro não. Quem sabe disso e liga esses pontos somos nós, espectadores, não os personagens.

    Se Miyazaki e Takahata caíssem mortos hoje isso não mudaria nada para os desafios que o estúdio enfrentará no futuro. Por mais que o Miyazaki tenha sempre ficado em cima das produções, os filmes desse século deram uma amostra do quanto o estúdio depende dos roteiros dele e do Takahata. Seria uma melhor opção para o público se o Ghibli exportasse animadores, expandisse seu curso interno, e se tornasse um estúdio de aluguel para bons roteiros.
    O Ghibli não é o único estúdio sofrendo desse problema, na TV temos o Kyoto Animation, que tem até um estilo de trabalho semelhante ao Ghibli e é capaz de criar animações belíssimas. Só que sem um bom roteiro são apenas animações bonitas, não uma boa história/roteiro.

    1. Oi Panino,

      A questão da mudança de residência que eu apontei foi em relação à Chihiro, não a Anna. No caso da Anna a explicação para o comportamento dela demorou e realmente não foi muito covincente como você mencionou, mas acabei dando um crédito por ela ser uma aborrecente (e adolescentes tendem mesmo a exagerar nas reações às vezes), e também porque eu senti que estava sendo meio injusta por não gostar dela, haha.

      Quanto ao “história simples e sem muitas reviravoltas”, talvez tenha me dado essa impressão por eu ter lido muita coisa parecida em outros livros, então as coisas que aconteciam eram mais ou menos esperadas.

      Concordo com você sobre a falta de bons roteiros, e pior que boa parte do público parece não ligar… Quando a história é ruim mas a parte técnica é boa o pessoal até perdoa, mas se for o contrário é um festival de reclamações…

      Muito obrigada por comentar! ^___^

  2. poxo muito bacana o post, na minha opiniao o filme foi mt sigelo e lindo,realmentr tem seus problemas, mas a Anna no inicio me lembrou a protwgonista de tokyo magnitude entao eu ja esperava a evolucao dela, no mais eu vi ele e o dicertidamente porem eu digo q ficaria em duvidas entre os dois kkkk

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